domingo, 10 de outubro de 2010

"Algumas Reflexões Pessoais Em Torno da Morte de Deus" [título experimental/por rever]


Trago hoje aqui um tema que está, em meu entender, por mais de um motivo, na ordem do dia: o da "morte de Deus" cientificamernte decretada por Stephen Hawking numa obra recente.

Eu diria que o tema se encontra na ordem do dia, primeiro porque encontrando-se Deus há muito nessa condição de falecido [a revistas "Time", se bem me lembro, fez capa com o óbito do Criador ainda nadécada 70 do século passado] o que explica eticamente, em última instância, todo o mundo de hoje à nossa volta não podem senão os efeitos práticos, objectivos, materiais dessa realidade.

Não somos hoje, com efeito, em termos sistémicos, i.e. enquanto paradigma civilizacional outra coisa senão um mundo em que a ideia de Deus [se para alguma coisa serviu--no sentido em que preconizava a sua existência secundária, "por necessidade estruturacional", um Voltaire] não foi seguramente para substanciar eticamente um mundo real directa e, sobretudo, necessariamente derivado de si.

Que haja, agora, quem ponha cientificamente a nu a realidade que subjaz a essa, chamemos-lhe "percepção objectuada", de ordem sistémica, só pode, por seu turno, ser entendido como um encontro final---e formal!---de um modelo civilizacional sistemicamente descentral e genesicamente des-igual com a sua própria realidade consciencial natural.

Ou seja: o mundo de hoje aceitou, por fim, segundo esta visão tética que apresento, reconciliar-se com [e assumir, reconhecendo implicitamente a respectiva evidência] a sua própria [sua, dele, mundo] forma, há muito implantada e consagrada, de conscienciar efectivamente os modelos concretos da sua relação tópica com o real.

Daí, o segundo aspecto que pretendia aqui trazer: a ausência de uma reacção que, aqui há cinquenta anos ainda, seria previsivelmente [em certas sociedades europeias, pelo menos] ruidosa que o "decreto de Hawkins" despertou para além de um ou outro teólogo... "avulso" que, ao invés da estrutura oficial de uma igreja [a qual, por sua vez, há muito que tinha já conhecimento directo do conteúdo da "notícia" devido precisamente às suas "fontes" privilegiadas...] achou necessário vir a público obtemperar.

No fundo, com efeito, como nas doenças incuráveis já, toda a gente estava à espera de "uma coisa assim", de uma "nótícia destas": toda a sociedade, toda a sistémica [e, naturalmente, toda a prática] capitalistas o tinham há muito intuído---e, volto a insistir, praticado.

Um terceiro aspecto da questão da questão do "óbito divino" [dava-me jeito recordar ainda, do meu latinório liceal, o modo preciso, com os ablativos e dativos todos no sítio, de dizer isto na idioma de César: dá logo outro sainete e até outra aparente substância à coisa...] prende-se com a constatação inevitável da escassíssima relevância do papel desempenhado pelas elites éticas e, em geral, pelas vanguardas epistemológicas e [a] críticas no "Ocidente" de hoje.

De facto ["if at all"], apenas elas pareceram incomodar-se o que quer que seja com uma notícia que, volto a dizer, aqui há cinquenta/sessenta anos [ou talvez nem tanto...] teria levantado ondas de escândalo e de verdadeiro furor em países e sociedades como a italiana ou a portuguesa.

Todos estaremos ainda recordados, por exemplo, dos "escândalos" "Pato Com Laranja" ou "Je Vous Salue, Marie" [que o jornal "Público" vai agora reeditar em DVD, na... "paz do Senhor" e sem que algum furibundo e quixotesco presidente de Câmara sem mais que fazer se lembre de propor o assalto ao cinema---neste caso à sede do jornal e quem sabe à casa de cada um dos prospectivos compradores do filme]...

Houve o recente "caso Caim/Saramago", é verdade mas aí tratou-se, na realidade e muito simplesmente, de um consabido e persistente furor [ou terror...] anti-comunista sendo que a incidência teológica do "caso" nada mais representou do que o veículo ou o instrumento da demanda/pendência reacionária...

É verdade que no "Diário de Notícias" [de 18.09.10] houve quem viesse a público abordar o tema.

Foi, de resto, daí que eu próprio o extraí como tema para abordá-lo eu mesmo aqui, do artigo de Anselmo Borges intitulado "Hawkins e Deus", ali dado à estampa.

Chamou-me a atenção por isso [por ter sido um dos poucos e veiculando o que me parece ser um ponto-de-vista estritamente pessoal e até assistémico relativamente à, digamos assim, voz oficial da igreja---cujo olhar lançado sobre estas matérias é hoje muito mais total e até projectadamente orgânico] e por ser o reconhecimento implícito da 'irredutibilidade últimativa' do pensar científico relativamente ao pensar "sagrado" [ou---por que não dizê-lo?---efectivamente mítico].

Isto, repito, numa altura em que a via de "moderrnização" seguida pela igreja institucional, vaticana, é [a meu ver erradamente] a da "literalicidade" do "logos teótico" que insiste, se obstina, em [como no inimaginável "caso" do preservativo] lançar a teologia contra a própria ciência evitando que nesta se fundamente e substancie uma ética verdadeiramente necessitária e não-previamente significada [para não dizer: pré- conceituada].

A defesa do carácter apologal e essencial [ou 'essenciantemente'] simbólico do logos bíblico aí apresentada [se bem que constituindo uma via argumentativa longe de estar isenta de escolhos de todo o tipo, como veremos] defendendo uma espécie de logos alternativo "residuante" para o sagrado, destacando-o do científico é, a meu ver, a única via certa para permitir ao sagrado que permaneça possivelmente vivo num mundo como o de hoje.

Já por mais de uma vez o disse, aliás: se quer efectivamente ser mais do que um modo folclórico de organizar a resistência à própria História, o cristianismo, a igreja no Ocidente, tem de renunciar de vez a constituir senão uma teoria da realidade pelo menos uma explicação cabal para ela.

Tem de recuperar [tem de investir, um termo particularmente caro ao léxico e à semântica sistémicos dos nossos dias] o seu caráctrer humanizador em abstracto e reintegrá-lo na História de forma [eu diria:] infinitamente mais assistémica e «independente» do que aquilo que tem consistentemente feito até aqui, em que, em vez de operar como uma consciência ética autónoma do sistema, ela se posicionou sempre [e posicionou, em geral, o conteúdo do seu logos próprio] como uma justificação pontual, minuciosa, desse mesmo sistema---como o assustador [e, sob muitos aspectos, tenebroso!] consulado do anterior Papa demonstrou à saciedade.

O nosso tempo precisa de contrapartes morais independentes [como o de Voltaire, que já assim pensava, no seu próprio século] e isso pode, em tese, justificar a criação e o estabelecimento de um Deus, salvando-o, desse modo, de uma "morte de Hawkins" como aquela que agora sofreu.
Tornando-a argumentativa e menos... definitiva, em qualquer caso.

A morte de Deus é uma morte epistemológica [um caso ontológico] mas poderia ser [como no pensamento iniciático, por exemplo] o começo de uma nova existência, nas mãos [e no esclarecimento, na---todavia, menifestamente inábil e até inexistente---lucidez, na---dificilmente provável, porém---sensibilidade civilizacional ou civilizacionante] de um outro papado e de "uma outra" igreja.

Anselmo Borges di-lo---reconhece-o---abertamente qualquer coisa que pode, talvez, ser assim formulada: é preciso poupar Deus à humilhação e ao embaraço mas, sobretudo, ao risco de ter de demonstrar-se.

Concordo: deixemos esse trabalho para as chamadas 'ciências'.

O sagrado não tem [não pode ter] uma lógica de ciencialidade e/ou de cienciação.

Possui uma i/lógica de organização das anteriores mas tem de buscar o seu fundamento fora da mesma demonstrabilidade delas.

Tem de assumir-se como uma Filosofia---que é, no fundo, o que faz o autor de "Hawkins e Deus" quando se propõe retirar formalmente Deus daquela necessidade que eu há pouco referia de demonstrar-se.

A demonstração de Deus, de um Deus para o nosso tempo, tem de ser ética e não onto-metafísica.

Deus tem de ser hoje um imperativo moral, não-kantiano nesse sentido, de algum modo, naturalmente imperativo e, no fundo, intrinsecamente necessitário que lhe atribui o autor das "Críticas" mas um imperativo de reflexionalidade moral e humana, humanitária.

Um dado mental e crítico reflexional e épico, no sentido específico que Brecht atribuíu ao termo.

Tem de perder a transcendência revelacional a fim de ganhar a sua própria transcendentalicidade consciencial e crítica.


A este Deus não precisa [não podendo] a ciência demonstrar: tem de fazê-lo o que nos homens está acima da maioria dos animais...

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