A propósito de duas notícias do “Público” de ontem, 22.10. gostaria de produzir algumas reflexões que ajudarão, suponho, a entender melhor o mundo em que vivemos assim como, mais relevante ainda por razões evidentes, aquele em que a curto ou médio prazo, previsivelmente, teremos de viver.
As notícias a que me refiro [começo por uma delas a subscrita pelo sempre lúgubre e argumentativa e intelectualmente cabisbaixo Vasco Pulido Valente---que, de resto, não é exactamente uma noticia: é mais uma espécie de obituário do que um autor chamou em tempos um “mito moderno”, como os discos voadores: a tal “Europa” de que todos falam e ninguém alguma vez viu…] [1]
Aí, aborda, como o título do seu escrito revela, Pulido Valente do óbvio esgotamento do que alguns optimistas e contrafactores políticos de carreira chamaram, com efeito, a “Europa”.
Ora é preciso dizer [e a verdadeira Esquerda, dentro e fora do quadro partidário, anda a dizê-lo há décadas: não são meses nem anos---são décadas!] nunca passou de um projecto de grande empresa multinacional disfarçada “Politica” [o inominável Durão Barroso admitiu-o abertamente ainda não há muitos dias] que sonhou criar e instituir o seu própria ideia de democracia [a “democracia funcional” que devia substituir [e subsistiu, aliás, com os resultados quer se conhecem!] a tradição democrática ocidental no que ela tinha de mais utópico e social ou humanitariamente generoso.
Essa “Europa” de que falo nasceu de um projecto em tudo semelhante àquele que, em Portugal, deu origem ao que chamo o “25 de Abril da direita”, ou seja, aquele que Marcelo Caetano e todo o cortejo da sua “oposição orgânica” [as SEDES e quejandos que viria a reagrupar-se basicamente no P.P.D. e no P.S., «o polícia bom e o polícia mau» do “novo regime” ou, se assim preferirmos, noutro registo, com certeza mais mordaz mas nem por isso menos rigoroso, dizer: o seu Bucha e Estica…] para quem o que começou a acontecer no dia 26 de Abril representou um incomodo imprevisto e completamente inintegrável no seu projecto de “evolução revolucionária” e que teve de esperar um ano para ver cumprido o seu próprio projecto de “arejamento politico” “funcional” de um modelo económico que nunca quis seriamente rever [a não ser na “quantidade”] quanto mais estruturalmente modificar.
Quero eu dizer na minha muito claramente que o ímpeto sistémico que levou “pê-pê-dês” e “pê-ésses” a embarcarem [ruidosamente, aliás] no comboio da “democracia” visava apenas [quando o ‘regime’ deposto se descredibilizou a ponto se colocar na situação de lhe ser já completamente incapaz de renovar-se espontaneamente por dentro sem violência o que chegou, de resto, mais de uma vez a tentar] nada tem que ver com revolução assim como, por isso mesmo, nada tem que ver com as aspirações de saneamento histórico e politico efectivo de um modelo económico que, bem diferentemente de render-se, pretendia sim redecorar-se política e, sobretudo, redecorar-se funcionalmente mas com o único propósito de sobreviver ao que era manifestamente a incapacidade do autoritarismo formal herdeiro dos projectos de “capitalismo total” típicos e tópicos, dos anos 20 e 30 do século passado levar por mais tempo o capitalismo ás costas…
Aquilo que as Sedes, o “espírito Sedes” e os partidos políticos que de ambos nasceram [um deles, o tal “pê-ésse” nasceu uns meses antes porque teve obviamente quem lhe segredasse ao ouvido institucional que tinha chegado o momento de nascer e… “cumprir o seu papel e o seu dever… históricos”]; aquilo que as Sedes e esses partidos funcionais pretendem não é, pois, nunca será demais insistir, mudar substantivamente o modelo económico, a base ou o núcleo infraestrutural do ‘regime’: eles querem até, pelo contrário, generalizá-lo, acessibilizá-lo ao capital que o “turnstile corporativo” obriga a permanecer fora dos circuitos activos de re/produção estrutural do mesmo.
Querem… “democratizar” o capitalismo, democratizar e liberalizar um modelo que a contra-ciclo se defendia acerrimamente fechando a sete chaves os meios de re/produção social de capital.
É a “drôle de révolution” à Soares, o grande agente local infiltrado das forças geo-económicas e geo-políticas que hão-de sonhar [que, na realidade, sonham já!] com o grande empreendimento económico-financeiro; a grande “corporação” que é a “Europa” que, do ponto de vista nacional português, deve ser, muito claramente, a extensão natural do modelo de “volução” capitalista que levou essas forças políticas a “mexer-se” e a simularem mesmo, com grande aparato verbal e argumentativo, juntarem-se a uma Revolução que pretendem, é verdade, mas num sentido muito próprio que, segundo eles, deve sair não o fim do paradigma económico-político mas, exactamente ao invés, o seu reforço e a sua operativização renovada e reforçada [vide a “novembrada” de ’75, imposta, como ainda não há muito lembrava Otelo Saraiva de Carvalho, numa entrevista por Ford na Alemanha ao representante português].
“Time was running out for the fiction of peaceful political… shedding”: local agents must absolutely do something.
“The rest is History”…
Bom mas percebido isto, ou seja, a natureza endógena ou… endogâmica, sistémica, do movimento de recolagem histórica, económica e política do novembrismo que veio finalmente soldar a História onde ela se tinha imprevistamente… quebrado, estragando os planos de “abertura” e de “democratização funcional” [e funcionante!] do capitalismo “moderno” [o projecto de “capitalismo total”, de “totaler Kapitalismus” tinha historicamente morrido, fora da península em… 1945, há três décadas, pois, quando finalmente caiu entre nós!] é possível perceber como nasce, por sua vez, historicamente a tal “Europa”.
Ela surge na História como a expressão institucional de um projecto global de revisão dos instrumentos “politicamente possibilitadores” que o fim de Hitler e de Mussolini tinha demonstrado não serem os que inicialmente o capitalismo supôs serem os adequados para se tornar natural e directamente História, i.e. de criação de um “capitalismo politico” ou “capitalismo total”, copiado, ponto-por-ponto da i/lógica primária, fortemente verticalizada, da organização industrial e especificamente fabril original.
É por isso que alguns “europeístas” de carreira como Cavaco Silva [por temperamento e por vocação política, uma espécie de “missing link” entre as formas pessoais de “capitalismo político musculado” dos anos ‘20 e ’30 e a modernidade funcional] não se cansam de utilizar [e têm toda a propriedade para tal, de resto] uma linguagem económica e mesmo economocrata para se referirem ao que hoje muitos [eles, incluídos] chamam “politica”.
A imagética da “moeda boa e da moeda má”, por ele usada para se referir a uma das mais improváveis personalidades da “nossa” cena politica, um tal Santana Lopes que, vá-se lá porquê e como, conseguiu chegar a primeiro ministro de um país da Europa, no século XX!] é particularmente expressiva e eloquente da natureza da “coisa europeia”, cujo fim Pulido Valente acaba, pelos vistos, para sua imensa---e óbvia!---perplexidade, de descobrir.
De facto, nesta “Europa”-empresa multinacional, não há [nunca houve] cidadania ou projecto consistente de cidadania mas um vago e implícito projecto de criação histórica de um grande “proletariado cívico” transfronteiriço de onde deveria derivar um conceito, não menos tácito, de “cidadania funcional” que se encaixava às mil maravilhas nessa outra ideia ou conceituação de “estado broker”, de “estado almocreve” que, na nova e não-expressa semântica, devia substituir o de Estado-nação, sistémica [economicamente!] disfuncional e perturbador.
É aqui que entra o segundo texto do “Público” que comecei por referir.
Escreveu-o o director de mestrado em Economia Social da Universidade Católica Portuguesa, Américo Carvalho Mendes, intitula-se “Será que o Estado Social Falhou?” e vem dizer por outras palavras e com um “recato argumentativo” muito maior porém, exactamente aquilo que eu mesmo tenho vindo aqui a repetir há meses.
A saber: que é bom que, por razões sistémicas, percebamos todos como ‘regime’ que, no preciso momento em que começarmos a interrogar-nos sobre se “o estado social falhou”, começámos já, sem darmos por isso, a perguntar se o “capitalismo socialmente mediado e organicamente possibilitado”, o “democapitalismo” pós-industrial moderno falhou.
Mais exactamente ainda: se o capitalismo tout court falhou.
O estado dito social, como não me canso de dizer, foi a almofada de segurança do capitalismo moderno.
Foi ele quem, como reconhece expressamente Américo Mendes no seu texto, colocado no vértice do modelo, operou como “carro vassoura” sempre disponível na corrida de obstáculos que é o capitalismo [“é da própria natureza da economia de mercado, gerar em permanência (…) exclusão social”, diz o autor] recolhendo as “baixas” que o sistema inevitavelmente faz [que ele está sistemicamente condenado a fazer], desincentivando ou… desarmadilhando desesperos e tentações demasiado violentas de subversão do próprio modelo que o sistema se vê incapaz de recuperar mas, sobretudo, recapitalizando continuamente, como também se vê forçado a admitir o autor do artigo que passei a citar, um mercado que a i/lógica brutal do funcionamento normal do sistema raresce ou rarefaz contínua mas sobretudo necessária porque também sistemicamente na consecução daquele funcionamento normal.
De facto, há um sistema que des-integra e des-organiza para viver [que planta ou investe, como acho que devo dizer: doses estratégicas de “carencialidade e mesmo agnosia funcionantes” a fim de gerar “valor sistémico” que usa essa matéria-prima essencial no processo de produção de capital e um Estado que vai colando os cacos e é uma espécie de cruzamento entre “hospital de campanha sistémico” e departamento de relações públicas politiforme para o qual a democracia, por exemplo, deve manter-se rigorosamente “presa à História e à Economia” e tem como missão histórica primária “argumentar e justificar” não apenas ambas [em especial obviamente esta última] mas explicar por que exactas razões “intelectuais” e até “morais”, nenhuma delas pode, na sua in/essência, em última análise, mudar.
Sem o departamento de relações públicas o sistema corre o risco de impopularizar-se a ponto de tornar-se demasiado arriscado mas pior ainda sem o hospital corre o risco de bloquear definitivamente---algo que a pós-modernidade começa vaga mas progressivamente a intuir.
A conversão que o sistema de capitalismo tecnológico teve inevitavelmente de operar do capital variável por capital fixo [conhecimento privatizado e continuamente reinvestido no modelo como factor de produção no quadro da “gnoseotopia funcional” que é o sistema no seu todo] conduziu a um paradoxo dificilmente insuperável [motivo pelo qual eu fazia há pouco a tal pergunta sobre se o que está a “falhar” é apenas a componente estado social se é toda a maquinaria, toda a máquina, do sistema que se torna paulatina mas também sistémica e irregressivelmente impossível]: aquele que diz que cada vez é preciso mais Estado [porque cada vez são em maior número as “baixas” entre o capital variável nas suas diversas formas e níveis dentro do sistema] mas cada vez, por isso mesmo, é mais difícil pagar o Estado em causa porque se des-integrou e alienou a unidade ôntica cidadão desdobrando-o desintegradamente num produtor [que o sistema não precisa e a quem pagou até---um anti-salário ou um des-salário mais ou menos ordinário e regular] para permanecer fora do circuito producional e um mercado [que ele, sem o Estado que se pretende “pôr entre parênteses” ou “empocher” nas formas… “moderníssimas de “Política, não pode pura e simplesmente ser].
É isso, esse nó górdio a que os ingleses e americanos do Norte dão o nome de “conundrum”, que me leva, insisto, a perguntar o que é que realmente “falhou” no estádio de capitalismo “socialmente sustentado” que ainda vivemos: se as “ferramentas”, as “alfaias possibilitantes”, se, como digo e penso, o próprio modelo, como tal.
Porque [é altura de retomar a pitoresca e caracteristicamente pouco imaginativa expressão de Cavaco Silva envolvendo as “tais” moedas, boa e má,] numa empresa multinacional como a “Europa” que é suposto que seja o “dernier cri” das formas de organização estrutural, técnica e politica, do supercapitalismo “de última geração” pretende de facto [e, cá para mim, cada vez mais de direito, também, aliás!] ser, a “moeda má” somos nós, a mão-de-obra de que ela não precisa, os velhos, os reformados, os marginais ou os excluídos, como lhe chama Américo Mendes da máquina re/produtora de capital!] e por isso estamos hoje, numa “Europa” que implode até aqui paulatinamente a ser, cada dia um pouco mais, “expulsos”…
As notícias a que me refiro [começo por uma delas a subscrita pelo sempre lúgubre e argumentativa e intelectualmente cabisbaixo Vasco Pulido Valente---que, de resto, não é exactamente uma noticia: é mais uma espécie de obituário do que um autor chamou em tempos um “mito moderno”, como os discos voadores: a tal “Europa” de que todos falam e ninguém alguma vez viu…] [1]
Aí, aborda, como o título do seu escrito revela, Pulido Valente do óbvio esgotamento do que alguns optimistas e contrafactores políticos de carreira chamaram, com efeito, a “Europa”.
Ora é preciso dizer [e a verdadeira Esquerda, dentro e fora do quadro partidário, anda a dizê-lo há décadas: não são meses nem anos---são décadas!] nunca passou de um projecto de grande empresa multinacional disfarçada “Politica” [o inominável Durão Barroso admitiu-o abertamente ainda não há muitos dias] que sonhou criar e instituir o seu própria ideia de democracia [a “democracia funcional” que devia substituir [e subsistiu, aliás, com os resultados quer se conhecem!] a tradição democrática ocidental no que ela tinha de mais utópico e social ou humanitariamente generoso.
Essa “Europa” de que falo nasceu de um projecto em tudo semelhante àquele que, em Portugal, deu origem ao que chamo o “25 de Abril da direita”, ou seja, aquele que Marcelo Caetano e todo o cortejo da sua “oposição orgânica” [as SEDES e quejandos que viria a reagrupar-se basicamente no P.P.D. e no P.S., «o polícia bom e o polícia mau» do “novo regime” ou, se assim preferirmos, noutro registo, com certeza mais mordaz mas nem por isso menos rigoroso, dizer: o seu Bucha e Estica…] para quem o que começou a acontecer no dia 26 de Abril representou um incomodo imprevisto e completamente inintegrável no seu projecto de “evolução revolucionária” e que teve de esperar um ano para ver cumprido o seu próprio projecto de “arejamento politico” “funcional” de um modelo económico que nunca quis seriamente rever [a não ser na “quantidade”] quanto mais estruturalmente modificar.
Quero eu dizer na minha muito claramente que o ímpeto sistémico que levou “pê-pê-dês” e “pê-ésses” a embarcarem [ruidosamente, aliás] no comboio da “democracia” visava apenas [quando o ‘regime’ deposto se descredibilizou a ponto se colocar na situação de lhe ser já completamente incapaz de renovar-se espontaneamente por dentro sem violência o que chegou, de resto, mais de uma vez a tentar] nada tem que ver com revolução assim como, por isso mesmo, nada tem que ver com as aspirações de saneamento histórico e politico efectivo de um modelo económico que, bem diferentemente de render-se, pretendia sim redecorar-se política e, sobretudo, redecorar-se funcionalmente mas com o único propósito de sobreviver ao que era manifestamente a incapacidade do autoritarismo formal herdeiro dos projectos de “capitalismo total” típicos e tópicos, dos anos 20 e 30 do século passado levar por mais tempo o capitalismo ás costas…
Aquilo que as Sedes, o “espírito Sedes” e os partidos políticos que de ambos nasceram [um deles, o tal “pê-ésse” nasceu uns meses antes porque teve obviamente quem lhe segredasse ao ouvido institucional que tinha chegado o momento de nascer e… “cumprir o seu papel e o seu dever… históricos”]; aquilo que as Sedes e esses partidos funcionais pretendem não é, pois, nunca será demais insistir, mudar substantivamente o modelo económico, a base ou o núcleo infraestrutural do ‘regime’: eles querem até, pelo contrário, generalizá-lo, acessibilizá-lo ao capital que o “turnstile corporativo” obriga a permanecer fora dos circuitos activos de re/produção estrutural do mesmo.
Querem… “democratizar” o capitalismo, democratizar e liberalizar um modelo que a contra-ciclo se defendia acerrimamente fechando a sete chaves os meios de re/produção social de capital.
É a “drôle de révolution” à Soares, o grande agente local infiltrado das forças geo-económicas e geo-políticas que hão-de sonhar [que, na realidade, sonham já!] com o grande empreendimento económico-financeiro; a grande “corporação” que é a “Europa” que, do ponto de vista nacional português, deve ser, muito claramente, a extensão natural do modelo de “volução” capitalista que levou essas forças políticas a “mexer-se” e a simularem mesmo, com grande aparato verbal e argumentativo, juntarem-se a uma Revolução que pretendem, é verdade, mas num sentido muito próprio que, segundo eles, deve sair não o fim do paradigma económico-político mas, exactamente ao invés, o seu reforço e a sua operativização renovada e reforçada [vide a “novembrada” de ’75, imposta, como ainda não há muito lembrava Otelo Saraiva de Carvalho, numa entrevista por Ford na Alemanha ao representante português].
“Time was running out for the fiction of peaceful political… shedding”: local agents must absolutely do something.
“The rest is History”…
Bom mas percebido isto, ou seja, a natureza endógena ou… endogâmica, sistémica, do movimento de recolagem histórica, económica e política do novembrismo que veio finalmente soldar a História onde ela se tinha imprevistamente… quebrado, estragando os planos de “abertura” e de “democratização funcional” [e funcionante!] do capitalismo “moderno” [o projecto de “capitalismo total”, de “totaler Kapitalismus” tinha historicamente morrido, fora da península em… 1945, há três décadas, pois, quando finalmente caiu entre nós!] é possível perceber como nasce, por sua vez, historicamente a tal “Europa”.
Ela surge na História como a expressão institucional de um projecto global de revisão dos instrumentos “politicamente possibilitadores” que o fim de Hitler e de Mussolini tinha demonstrado não serem os que inicialmente o capitalismo supôs serem os adequados para se tornar natural e directamente História, i.e. de criação de um “capitalismo politico” ou “capitalismo total”, copiado, ponto-por-ponto da i/lógica primária, fortemente verticalizada, da organização industrial e especificamente fabril original.
É por isso que alguns “europeístas” de carreira como Cavaco Silva [por temperamento e por vocação política, uma espécie de “missing link” entre as formas pessoais de “capitalismo político musculado” dos anos ‘20 e ’30 e a modernidade funcional] não se cansam de utilizar [e têm toda a propriedade para tal, de resto] uma linguagem económica e mesmo economocrata para se referirem ao que hoje muitos [eles, incluídos] chamam “politica”.
A imagética da “moeda boa e da moeda má”, por ele usada para se referir a uma das mais improváveis personalidades da “nossa” cena politica, um tal Santana Lopes que, vá-se lá porquê e como, conseguiu chegar a primeiro ministro de um país da Europa, no século XX!] é particularmente expressiva e eloquente da natureza da “coisa europeia”, cujo fim Pulido Valente acaba, pelos vistos, para sua imensa---e óbvia!---perplexidade, de descobrir.
De facto, nesta “Europa”-empresa multinacional, não há [nunca houve] cidadania ou projecto consistente de cidadania mas um vago e implícito projecto de criação histórica de um grande “proletariado cívico” transfronteiriço de onde deveria derivar um conceito, não menos tácito, de “cidadania funcional” que se encaixava às mil maravilhas nessa outra ideia ou conceituação de “estado broker”, de “estado almocreve” que, na nova e não-expressa semântica, devia substituir o de Estado-nação, sistémica [economicamente!] disfuncional e perturbador.
É aqui que entra o segundo texto do “Público” que comecei por referir.
Escreveu-o o director de mestrado em Economia Social da Universidade Católica Portuguesa, Américo Carvalho Mendes, intitula-se “Será que o Estado Social Falhou?” e vem dizer por outras palavras e com um “recato argumentativo” muito maior porém, exactamente aquilo que eu mesmo tenho vindo aqui a repetir há meses.
A saber: que é bom que, por razões sistémicas, percebamos todos como ‘regime’ que, no preciso momento em que começarmos a interrogar-nos sobre se “o estado social falhou”, começámos já, sem darmos por isso, a perguntar se o “capitalismo socialmente mediado e organicamente possibilitado”, o “democapitalismo” pós-industrial moderno falhou.
Mais exactamente ainda: se o capitalismo tout court falhou.
O estado dito social, como não me canso de dizer, foi a almofada de segurança do capitalismo moderno.
Foi ele quem, como reconhece expressamente Américo Mendes no seu texto, colocado no vértice do modelo, operou como “carro vassoura” sempre disponível na corrida de obstáculos que é o capitalismo [“é da própria natureza da economia de mercado, gerar em permanência (…) exclusão social”, diz o autor] recolhendo as “baixas” que o sistema inevitavelmente faz [que ele está sistemicamente condenado a fazer], desincentivando ou… desarmadilhando desesperos e tentações demasiado violentas de subversão do próprio modelo que o sistema se vê incapaz de recuperar mas, sobretudo, recapitalizando continuamente, como também se vê forçado a admitir o autor do artigo que passei a citar, um mercado que a i/lógica brutal do funcionamento normal do sistema raresce ou rarefaz contínua mas sobretudo necessária porque também sistemicamente na consecução daquele funcionamento normal.
De facto, há um sistema que des-integra e des-organiza para viver [que planta ou investe, como acho que devo dizer: doses estratégicas de “carencialidade e mesmo agnosia funcionantes” a fim de gerar “valor sistémico” que usa essa matéria-prima essencial no processo de produção de capital e um Estado que vai colando os cacos e é uma espécie de cruzamento entre “hospital de campanha sistémico” e departamento de relações públicas politiforme para o qual a democracia, por exemplo, deve manter-se rigorosamente “presa à História e à Economia” e tem como missão histórica primária “argumentar e justificar” não apenas ambas [em especial obviamente esta última] mas explicar por que exactas razões “intelectuais” e até “morais”, nenhuma delas pode, na sua in/essência, em última análise, mudar.
Sem o departamento de relações públicas o sistema corre o risco de impopularizar-se a ponto de tornar-se demasiado arriscado mas pior ainda sem o hospital corre o risco de bloquear definitivamente---algo que a pós-modernidade começa vaga mas progressivamente a intuir.
A conversão que o sistema de capitalismo tecnológico teve inevitavelmente de operar do capital variável por capital fixo [conhecimento privatizado e continuamente reinvestido no modelo como factor de produção no quadro da “gnoseotopia funcional” que é o sistema no seu todo] conduziu a um paradoxo dificilmente insuperável [motivo pelo qual eu fazia há pouco a tal pergunta sobre se o que está a “falhar” é apenas a componente estado social se é toda a maquinaria, toda a máquina, do sistema que se torna paulatina mas também sistémica e irregressivelmente impossível]: aquele que diz que cada vez é preciso mais Estado [porque cada vez são em maior número as “baixas” entre o capital variável nas suas diversas formas e níveis dentro do sistema] mas cada vez, por isso mesmo, é mais difícil pagar o Estado em causa porque se des-integrou e alienou a unidade ôntica cidadão desdobrando-o desintegradamente num produtor [que o sistema não precisa e a quem pagou até---um anti-salário ou um des-salário mais ou menos ordinário e regular] para permanecer fora do circuito producional e um mercado [que ele, sem o Estado que se pretende “pôr entre parênteses” ou “empocher” nas formas… “moderníssimas de “Política, não pode pura e simplesmente ser].
É isso, esse nó górdio a que os ingleses e americanos do Norte dão o nome de “conundrum”, que me leva, insisto, a perguntar o que é que realmente “falhou” no estádio de capitalismo “socialmente sustentado” que ainda vivemos: se as “ferramentas”, as “alfaias possibilitantes”, se, como digo e penso, o próprio modelo, como tal.
Porque [é altura de retomar a pitoresca e caracteristicamente pouco imaginativa expressão de Cavaco Silva envolvendo as “tais” moedas, boa e má,] numa empresa multinacional como a “Europa” que é suposto que seja o “dernier cri” das formas de organização estrutural, técnica e politica, do supercapitalismo “de última geração” pretende de facto [e, cá para mim, cada vez mais de direito, também, aliás!] ser, a “moeda má” somos nós, a mão-de-obra de que ela não precisa, os velhos, os reformados, os marginais ou os excluídos, como lhe chama Américo Mendes da máquina re/produtora de capital!] e por isso estamos hoje, numa “Europa” que implode até aqui paulatinamente a ser, cada dia um pouco mais, “expulsos”…
[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de oscarvalhosdoparaiso-dot-blogspot-dot-com]
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