Apanhados em cheio pela “crise” e vivendo nós neste momento em que escrevo aquela que é a anunciada rampa de lançamento em direcção ao pico das “medidas” congeminadas pelo actual governo ou por alguém por ele para, diz-se: “fazer-lhe frente” vale seguramente a pena que façamos todos nós, sociedade portuguesa e, de uma forma mais geral, sociedade e sociedades “europeias” uma muito séria reflexão sobre, afinal… tudo!
Sobre, desde logo, tudo aquilo que permitiu que a ela, crise, se chegasse e sobre aquele modo como o actual poder em Portugal [e, na sequência dele, o que se adivinha vir suceder-lhe não há-de tardar muito] afirmam ser necessário para lidar com essa realidade---que é politica, claro, mas que é, a meu ver, muito mais alargadamente histórica e concretamente sistémica.
Vale seguramente a pena, dizia, que ponhamos, tudo afinal, na nossa vida colectiva actual e futura em causa.
Que falemos mas a sério e com seriedade do chamado Estado social, o “dispositivo teórico e institucional” saído da Segunda Guerra Mundial e que é, teórica e praticamente o “missing link”, a “dobradiça operativa” entre as classes que impediu que, por um lado, as sociedades europeias em geral “escapassem” politicamente para soluções do tipo tentado “para lá dos Urais” [é a perspectiva do sistema, que se “aggiornou” estrategicamente com a rejeição do modelo de “capitalismo total” tentado, como é sabido, a partir da Alemanha e da Itália industriais mas “seguido com inequívoca e expectante atenção” do outro lado do Atlântico pela grande finança estadunidense com Henry Ford à cabeça] e, por outro, que as disfunções e profundíssimas desigualdades geradas pelo funcionamento “normal” do “capitalismo democrático” [“funcionalmente democratizado” de modo a facilitar a respectiva “habitabilidade” mas, de igual modo, em termos práticos, a sua sobrevivência objectiva, material: a sua própria possibilidade como modo de as sociedades humanas se organizarem não apenas política mas civilizacionalmente] pudessem ser mais ou menos naturalmente integradas no modus vivendi ordinário de cada um, mitigadas quanto baste por soluções concretas [um conjunto ou uma teoria de subsídios de todo o tipo] que compassem genericamente a paz social e criassem a ilusão de democraticidade e de justiça que pareciam torná-lo, ao sistema no seu todo, não só habitável como até desejável e, segundo alguns, mesmo inevitável.
É a perspectiva das classes que não partilhavam directamente da divisão da riqueza mas dela se limitavam a fruir dos efeitos colaterais recrutadas pelo sistema como mercado pago pelo próprio mercado, esta é que é a verdade.
Porque se os impostos de todos [incluindo, obviamente, os dos que trabalhavam e não possuíam capital---ou porque não possuíam capital e que eram a maioria] e esses impostos eram recolhidos e redistribuídos a fim de refinanciar continuamente o consumo de outro modo impossível, resulta óbvio que quem, em última análise, “comprava o mercado” e o “pagava” ou pagava para que ele existisse; quem assim mantinha o sistema a funcionar eram aqueles que nele trabalhavam e que nele reinvestiam continuamente dele se tornando verdadeiros… “accionistas disfarçados”.
Juntando os dois pontos de vista: sem subsídios de desemprego, pensões de velhice, etc. seria impossível aos cidadãos alimentarem-se, vestirem-se, ter casa.
Este é o lado imediata ou exteriormente “social” do modelo de Estado que levou por… sinédoque esse nome.
A possibilidade de as pessoas sem trabalho, com salários baixos ou fora do mercado de trabalho [demasiado jovens ou demasiado velhas para trabalharem] continuarem a viver, superando-se desse modo aquelas situações que a Revolução Industrial tornou tragicamente evidentes.
Mas há, insisto, o outro lado, o lado instrumental e relativo ou relatival do modelo dito “social”, aquele que envolvia a necessidade sistémica de remediar continuamente as disfunções geradas pelo funcionamento normal do sistema atalhando caminho relativamente à emergência de possíveis anseios de subversão total do mesmo por populações lançadas maciçamente na miséria, na carência e no desespero ou vitimas, como hoje sucede, de crises mais ou menos cíclicas, crónicas e inevitáveis do sistema.
Mais: por populações que iam, em resultado exactamente dessa miséria e dessa destituição cíclicas e/ou crónicas, “caindo fora” dos limites do mercado, reduzindo, assim, as dimensões deste e, por conseguinte, baixando também, como é evidente, as margens de crescimento deste e, com elas, a multiplicação do capital dos investidores.
Do capital que, como não me canso de dizer, é a única coisa que realmente o capitalismo produz.
A única coisa que ele sabe, quer e está vocacionado para produzir, dele constituindo subprodutos ou meros produtos secundários, insubstantivos, irrelevantes e, em última instância, inertes, todas as mercadorias, instituições e até formas abstractas de pensamento e de ‘cultura’ que, em redor dele e com base nele, se vão continuamente constituindo ou formando.
É por isso que eu digo que o Estado dito “social opera como a charneira que vai permitindo alimentar a ilusão funcionante, objectiva e subjectiva de uma estaticidade orgânica num modelo de Estado [o Estado ou estaticidade democapitalista] que está nuclearmente partido ao meio por imposição natural da sua própria i/lógica organizacional e que só com recurso exactamente à sua vertente social e politica instrumental pode seguir existindo sem rupturas politicas ou, ainda a montante mesmo delas, como vimos: sistémicas.
Resultantes das contínuas disfuncionalidades nucleares que, de forma natural, gera.
É por isso que eu penso que uma reflexão muito séria se impõe sobre o futuro material, objectivo, objectual, de um modelo económico-político habituado a levar os seus objectos [os cidadãos sem capital, sem propriedade: sem outra propriedade para além da que é constituída pela sua força de trabalho, físico ou intelectual] como os seus sujeitos [os detentores da propriedade (e) do capital] a pagarem em conjunto, desigualmente embora, o Mercado [1], um sistema que se vê hoje por diversas razões, todas sistémicas, a ter de prescindir desse instrumento vital que foi o Estado mediador e recapitalizador, o Estado possibilitante ou Estado “broker” [o verdadeiro nome do Estado conhecido vulgarmente por “social”!] e obrigado a encontrar novas formas não apenas económicas mas também politicas ou instrumentalmente politicas de assegurar a prevalência do Mercado.
Quem vai custear, com efeito, as novas formas de mercado que o Estado dito “social” deixou de poder pagar?
A propriedade?
Exactamente como, se a propriedade está, de facto, vocacionada para gerar, não para espontaneamente partilhar, o capital que a partir dela se produz?
Quem vai negociar a participação social e politica das classes no novo mercado [e no “novo Estado”] que saírem da desactivação do actual modelo de mercado e de Estado que está obviamente [entre nós, pelo menos, para já] na calha?
Os sindicatos?
Como, se os sindicatos não foram manifestamente capazes de encontrar ainda as formas, porém imprescindíveis, de “civilizar-se” ou “civilicizar-se” estruturalmente de modo a fazerem face às novas condições laborais e às novas condicionantes de organização que levam as classes trabalhadoras consistentemente cada vez mais para fora das fábricas e dos locais de trabalho, em geral, impondo-se, por isso, cada vez mais também, a criação de para-sindicatos e para-sindicalismo cidadãos, de cariz mais assumidamente politico do que apenas reivindicativo e laboral, ao lado dos outros?
Os partidos comunistas?
Em larguíssima medida o Estado Social foi criado no pós-guerra com o objectivo de combater o comunismo oferecendo um modelo alternativo que o tornasse prescindível.
Não será que, o fim do Estado Social deveria levar-nos a todos, a começar pelos próprios partidos comunistas a rever seriamente e… “em alta”, como se diz em “economês” o seu papel histórico e a sua intervenção concreta na História?...
NOTA
[1] Basta ver como todos pagamos hoje os custos de um conjunto de erros gravíssimos de má [de péssima!] gestão financeira desse mesmo mercado.
Sobre, desde logo, tudo aquilo que permitiu que a ela, crise, se chegasse e sobre aquele modo como o actual poder em Portugal [e, na sequência dele, o que se adivinha vir suceder-lhe não há-de tardar muito] afirmam ser necessário para lidar com essa realidade---que é politica, claro, mas que é, a meu ver, muito mais alargadamente histórica e concretamente sistémica.
Vale seguramente a pena, dizia, que ponhamos, tudo afinal, na nossa vida colectiva actual e futura em causa.
Que falemos mas a sério e com seriedade do chamado Estado social, o “dispositivo teórico e institucional” saído da Segunda Guerra Mundial e que é, teórica e praticamente o “missing link”, a “dobradiça operativa” entre as classes que impediu que, por um lado, as sociedades europeias em geral “escapassem” politicamente para soluções do tipo tentado “para lá dos Urais” [é a perspectiva do sistema, que se “aggiornou” estrategicamente com a rejeição do modelo de “capitalismo total” tentado, como é sabido, a partir da Alemanha e da Itália industriais mas “seguido com inequívoca e expectante atenção” do outro lado do Atlântico pela grande finança estadunidense com Henry Ford à cabeça] e, por outro, que as disfunções e profundíssimas desigualdades geradas pelo funcionamento “normal” do “capitalismo democrático” [“funcionalmente democratizado” de modo a facilitar a respectiva “habitabilidade” mas, de igual modo, em termos práticos, a sua sobrevivência objectiva, material: a sua própria possibilidade como modo de as sociedades humanas se organizarem não apenas política mas civilizacionalmente] pudessem ser mais ou menos naturalmente integradas no modus vivendi ordinário de cada um, mitigadas quanto baste por soluções concretas [um conjunto ou uma teoria de subsídios de todo o tipo] que compassem genericamente a paz social e criassem a ilusão de democraticidade e de justiça que pareciam torná-lo, ao sistema no seu todo, não só habitável como até desejável e, segundo alguns, mesmo inevitável.
É a perspectiva das classes que não partilhavam directamente da divisão da riqueza mas dela se limitavam a fruir dos efeitos colaterais recrutadas pelo sistema como mercado pago pelo próprio mercado, esta é que é a verdade.
Porque se os impostos de todos [incluindo, obviamente, os dos que trabalhavam e não possuíam capital---ou porque não possuíam capital e que eram a maioria] e esses impostos eram recolhidos e redistribuídos a fim de refinanciar continuamente o consumo de outro modo impossível, resulta óbvio que quem, em última análise, “comprava o mercado” e o “pagava” ou pagava para que ele existisse; quem assim mantinha o sistema a funcionar eram aqueles que nele trabalhavam e que nele reinvestiam continuamente dele se tornando verdadeiros… “accionistas disfarçados”.
Juntando os dois pontos de vista: sem subsídios de desemprego, pensões de velhice, etc. seria impossível aos cidadãos alimentarem-se, vestirem-se, ter casa.
Este é o lado imediata ou exteriormente “social” do modelo de Estado que levou por… sinédoque esse nome.
A possibilidade de as pessoas sem trabalho, com salários baixos ou fora do mercado de trabalho [demasiado jovens ou demasiado velhas para trabalharem] continuarem a viver, superando-se desse modo aquelas situações que a Revolução Industrial tornou tragicamente evidentes.
Mas há, insisto, o outro lado, o lado instrumental e relativo ou relatival do modelo dito “social”, aquele que envolvia a necessidade sistémica de remediar continuamente as disfunções geradas pelo funcionamento normal do sistema atalhando caminho relativamente à emergência de possíveis anseios de subversão total do mesmo por populações lançadas maciçamente na miséria, na carência e no desespero ou vitimas, como hoje sucede, de crises mais ou menos cíclicas, crónicas e inevitáveis do sistema.
Mais: por populações que iam, em resultado exactamente dessa miséria e dessa destituição cíclicas e/ou crónicas, “caindo fora” dos limites do mercado, reduzindo, assim, as dimensões deste e, por conseguinte, baixando também, como é evidente, as margens de crescimento deste e, com elas, a multiplicação do capital dos investidores.
Do capital que, como não me canso de dizer, é a única coisa que realmente o capitalismo produz.
A única coisa que ele sabe, quer e está vocacionado para produzir, dele constituindo subprodutos ou meros produtos secundários, insubstantivos, irrelevantes e, em última instância, inertes, todas as mercadorias, instituições e até formas abstractas de pensamento e de ‘cultura’ que, em redor dele e com base nele, se vão continuamente constituindo ou formando.
É por isso que eu digo que o Estado dito “social opera como a charneira que vai permitindo alimentar a ilusão funcionante, objectiva e subjectiva de uma estaticidade orgânica num modelo de Estado [o Estado ou estaticidade democapitalista] que está nuclearmente partido ao meio por imposição natural da sua própria i/lógica organizacional e que só com recurso exactamente à sua vertente social e politica instrumental pode seguir existindo sem rupturas politicas ou, ainda a montante mesmo delas, como vimos: sistémicas.
Resultantes das contínuas disfuncionalidades nucleares que, de forma natural, gera.
É por isso que eu penso que uma reflexão muito séria se impõe sobre o futuro material, objectivo, objectual, de um modelo económico-político habituado a levar os seus objectos [os cidadãos sem capital, sem propriedade: sem outra propriedade para além da que é constituída pela sua força de trabalho, físico ou intelectual] como os seus sujeitos [os detentores da propriedade (e) do capital] a pagarem em conjunto, desigualmente embora, o Mercado [1], um sistema que se vê hoje por diversas razões, todas sistémicas, a ter de prescindir desse instrumento vital que foi o Estado mediador e recapitalizador, o Estado possibilitante ou Estado “broker” [o verdadeiro nome do Estado conhecido vulgarmente por “social”!] e obrigado a encontrar novas formas não apenas económicas mas também politicas ou instrumentalmente politicas de assegurar a prevalência do Mercado.
Quem vai custear, com efeito, as novas formas de mercado que o Estado dito “social” deixou de poder pagar?
A propriedade?
Exactamente como, se a propriedade está, de facto, vocacionada para gerar, não para espontaneamente partilhar, o capital que a partir dela se produz?
Quem vai negociar a participação social e politica das classes no novo mercado [e no “novo Estado”] que saírem da desactivação do actual modelo de mercado e de Estado que está obviamente [entre nós, pelo menos, para já] na calha?
Os sindicatos?
Como, se os sindicatos não foram manifestamente capazes de encontrar ainda as formas, porém imprescindíveis, de “civilizar-se” ou “civilicizar-se” estruturalmente de modo a fazerem face às novas condições laborais e às novas condicionantes de organização que levam as classes trabalhadoras consistentemente cada vez mais para fora das fábricas e dos locais de trabalho, em geral, impondo-se, por isso, cada vez mais também, a criação de para-sindicatos e para-sindicalismo cidadãos, de cariz mais assumidamente politico do que apenas reivindicativo e laboral, ao lado dos outros?
Os partidos comunistas?
Em larguíssima medida o Estado Social foi criado no pós-guerra com o objectivo de combater o comunismo oferecendo um modelo alternativo que o tornasse prescindível.
Não será que, o fim do Estado Social deveria levar-nos a todos, a começar pelos próprios partidos comunistas a rever seriamente e… “em alta”, como se diz em “economês” o seu papel histórico e a sua intervenção concreta na História?...
NOTA
[1] Basta ver como todos pagamos hoje os custos de um conjunto de erros gravíssimos de má [de péssima!] gestão financeira desse mesmo mercado.
[Na imagem: vestido francês do século XVIII, col. do Metroplitan Museum of Art]
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