segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Uma História «Endogâmica e Centrípeta»: na Despedida do Prof. Fernando Rosas do Cargo de Deputado do BE"


O Professor Fernando Rosa, académico ilustre e [ainda] deputado do Bloco de Esquerda abandona o parlamento para segundo o próprio [e segundo o "Público" de 10.10.10 que o entrevista] se dedicar à investigação.

Devo talvez dizer que não tenho particular identificação política com o Bloco cuja génese se me afigura, de resto, tendo em conta a natureza profundamente contraditória, antagónica mesmo [trotsquista, no caso da LCI e depois do PSR; mais ou menos indefinidamente maoista, no caso da UDP---que conheci razoavelmente e que a minha assinatura contribuiu, aliás, concretamente para que pudesse nascer em '74]; devo dizer, pois, que, tendo em consideração a natureza contraditória das organizações que fundindo-se [ou melhor: extinguindo-se] o permitiram gerar os pressupostos no nascimento do Bloco sempre me pareceram francamente equívocos em termos ideológicos e, naturalmente, de praxis política.

É o que chamo um partido inorgânico e pós-ideológico em resultado da sua inapetência natural [em larga medida, genética ou genésica, pois, repito] para a definição de um verdadeiro modelo estável e organizado de teorização da realidade [de "uma ideia de realidade"] capaz de permitir, por seu turno, eficazmente antecipá-la, prevê-la e, por conseguinte, no limite, organizá-la com um mínimo de sustentabilidade e rigor enquanto projecto autónomo e próprio, possível, de História.

Sendo, pois, o Bloco o que poderíamos chamar um "partido de causas", ekle possuía, apesar da sua inorganicidade natural, digamos assim, uma virtude ou virtualidade política [em termos potenciais, ao menos] extremamente aliciante, promissora e apreciável que já tinham, anteriormente, marcado o "crédito" histórico e designadamente político da UDP [como da LUAR ou até do francamente menos "sociável" e mais guerrilheiro PRP]: o de constituir, mesmo se só pelo facto de existirem e avançarem sistematicamente com propostas e projectos mais ou menos utópicos [à época chamavam-se "aventureiristas"...] de ruptura, um acicate permanente para a Esquerda institucional se posicionar de forma francamente mais interveniente, activa e "avançlada" relativamente aos partidos "do sistema".

Àqueles que saídos espiritualmente de nenhum outro lado senão do "sonho" puramente endógeno [endogâmico!] de "renovação sistémica e instrumental" do capitalismo [de "aggiornamento funcional" do capitalismo] que foi o 'segundo fascismo' ou intermezzo marcelista [refiro-me obviamente ao PS e ao PSD] nunca tiveram como objectivo, em momento algum, da sua História particular mudar o sistema [mudar as relações de produção dentro dele] senão operacioná-lo, alargando-o, ao invés disso, no topo, a uma elite de novos "sócios"---aos fluxos de 'capital novo' que o férreo dispositivo institucional de admissão e controlo económico-financeiro e instrumentalmente político do corporativismo [que determinara, todavia, uma época ou uma era próprias no desenvolvimento global do capitalismo moderno] mantinha tenazmente fora do sistema.

Vindo, pela sua própria génese de fora deste, o Bloco prometia empurrar [como, repito, a UDP, que foi uma das organizações que... "se sacrificou" para que ele nascesse[1], fez em 1074 com as ocupações de terras, sobretudo no Alentejo, que a Esquerda mais sistémica começou por olhar, como é sabido, no mínimo, com todas-e-mais-algumas reservas quando as puilsões nesse sentido se iniciaram e conduziram, por exemplo, ao 'caso Torrebela', registado em filme pelo nebuloso Thomas Harlan].

É claro que essa a que chamo Esquerda sistémica tinha todo um conjunto de legítimas e ponderáveis razões [de ordem interna mas, sobretudo, externa, geopolíticas, ligadas aos interesses do grande capitalismo transnacional, sobretudo americano e alemão que já tinham intervindo no Chile, por exemplo, paras depor o governo legítimo de Allende] [2] para se mostrar prudente e reservada.

A verdade, porém, é que são os esticões e os abanões continuamente dados "da esquerda" que criaram as condições objectivas básicas para que a Reforma Agtrária avançasse e acabasse por ser aceite por sectores alargados da sociedade portuguesa a quem, de início, aquilo fez evidente "confusão".
Foi, por outras palavras, a chamada extrema-esquerda ou "esquerda revolucionária" [uma redundância total mas enfim!...] quem começou por criar condições para que, em Portugal, se pusesse alargadamenjte e se tornasse verdadeiramente "questão" aquela que é a essência, o cerne mesmo, da divisão entre a Esquerda e a Ddireita políticas e que, nos tempos que correm, se assume como uma questão verdadeiramente crucial cada vez mais aguda: a questão da propriedade.

A questão da devolução da componente propriedade ao seu papel natural e ecológico de variável não só estrutural como, sobretudo, sistémica de organização social e política.


Do que chamo, à falta de melhor designação: de "societação".


Sempre acreditei, com efeito, que o papel histórico da Esquerda é proceder à 'reconceptualização' e à 'reintegração refuncionalizada' da noção de propriedade na História, à semelhança do que se passa, como tantas vezes tenho repetido, com a propriedade no contexto dos modelos naturais, ecológicos ou biológicos---biomórficos---originais, da mesma.

A Reforma Agrária [falhada, como foi, em larga medida, não há que escamoteá-lo, por culpas próprias] constituiu, a meu ver, um passo, imediatamente gorado embora, nesse sentido certo em direcção a umo futuro, em meu entender, absolutamente inevitável e até fatal, digamos assim.
Ora, o papel da 'Esquerda assistémica' [a tal esquerda "revolucionária" ou "extrema" da prudente semântica da ordem] foi, como disse, embora com frequência não completamente compreendido [até por ela própria...] verdadeiramente fulcral.

No momento em que se despede da assembleia, teve o Prof. Rosas o gesto de justiça de, no fundo, recordá-lo quando diz [e cito da entreviasta concedida a Maria José Oliveira]: "O Parlamento é uma escola fundamental. Mas em contraponto pode ser um clube endogâmico e centrípeto, que puxa mais para dentro do que para fora. Todos os Parlamentos são um pouco assim: uma forma de desligar os representantes dos representados e de os aproximar do Estado. No fundo, uma forma de criar um consenso artificial quando, por vezes, os verdadeiros consensos só se atingem pelo dissenso".
E acrescenta: "E os partidos que são portadores de projectos alternativos, como o BE, têm de manter viva essa capacidade de dissenção, de crítica".
Duas observações, apenas: uma de natureza política [volto a dizer que não sei se o BE tem de facto um projecto alternativo ou se---e essa é a segunda observação, de natureza funcionalmente textual, digamos assim] quem registou em escrita as declarações do Prof. Rosas não deveria tê-lo feito grafando "alternativo" em itálico e com um sentido muito próprio e específico, mais especificamente até contra-cultural do que político.

NOTAS


[1] De facto, a UDP não se sacrificou com esse propósito.

Ela há muito que se encontrava em estado de morte aparente ditada pelas suas próprias contradições ideológicas e pela sua própria incapacidade prática interna para se manter coerente e actuante---e é nesse estado... comatoso que, após ela ter-se espontaneamente já, como então se disse, "desavermelhado" foi encontrá-la.


[2] Ainda há pouco numa entrevista televisiva [inexplicavelmente entregue a alguém como o inqualificável Manuel Luís Goucha] o coronal, então capitão, depois general, Otelo Saraiva de Carvalho lembrava uma reunião de Melo Antunes com Gerald Ford em solo alemão onde o então presidente dos E.U.A., intimou o emissário português a pôr de vez fim ao "episódio revolucionário" que foi o período de, porém, fecundíssimo laboratório social e político saído do golpe militar.


[Imagem da Net, de proveniência irreconstituível]

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