sexta-feira, 15 de outubro de 2010

"Alfredo Margarido, 1928-2010"


Teve, segundo evocavam ainda bem recentemente depoimentos vários vindos a público por ocasião do seu falecimento, múltiplos atributos e qualidades, de ordem quer pessoal [como homem de esquerda, de assumido posicionamento anti-colonialista] quer profissional [como professor, sociólogo] âmbitos que não cheguei a conhecer o suficiente para que sobre eles me pudesse pronunciar com seriedade e rigor que lhe fizessem a ele [e a mim próprio] justiça.

Já como tradutor e artista plástico fui tendo ao longo da vida, das vidas de ambos, ensejo de privar com a actividade de Alfredo Margarido o bastante para me ter sido possível guardar de ambas as actividades imagens mentais [e emocionais] que se pautam sempre basicamente pelo respeito intelectual e pela admiração crítica, admirando, na primeira, sobretudo, o estilista esclarecido, competente, exigente e rigoroso e, na segunda [de algum modo, em contraste com essa faceta disciplinada e necessariamente mais contida por óbvio imperativo de escrúpulo e rigor profissionais] o [num certo sentido, falso] 'romântico' de traço delicado e subtilmente inquieto, o criador de cromatismos frágeis e melancólicos, labirinticamente inquisitivos [do espaço como das próprias ideias e das sugestões que este, rasgando-se---ou dilacerando-se---com sapiente inteireza e estoicismo à silenciosa cutilada da cor---arquitecta continuamente sobre si mesmo]; recatadamente sofridas visualizações [quase?] metafísicas da lenta e reflectida geometria de um olhar interior sempre em inquieto [e dilacerado] equilíbrio sobre a memória, impiedosamente percorrida e implacavelmente questionada.

Do escritor original, fica-me a memória do homem que, em Portugal, sobretudo, com "No Fundo Deste Canal" [um título espantoso!] "profetizou" ou "adivinhou" um Robbe-Grillet, um Butor, uma Duras, um Le Clezio, uma Sarraute ou até um Beckett, toda essa inquieta [e inquietante] "era da suspeita" ontológica mas também textual que, entre nós, iniciaria, timidamente embora, uma pós-modernidade mental e cultu[r]al ou crítica que nunca mais cessaria de crescer e desenvolver-se, para o bem como para o [inevitável, funesto e quase fatal...] pior---e pela qual a cultura europeia acabaria aliás, por, com raríssimas e honrosas excepções, em última análise, optar...

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