Defensor assumido [e acérrimo] do conceito que designo, em geral, pelo termo “Estado consciência” [que me parece, devo dizer, por um conjunto de razões que não vêm, de momento, aliás, ao caso, francamente distinto e, num certo sentido subjectivo e cultu[r]al profundo, mais relevante ou mais considerável e operante até do que o de Estado-nação] há muito que a questão do serviço público para mim indissociável do conceito em causa constitui um aspecto verdadeiramente angular, crucial, do modo como vejo o problema da organização fundamentada e sustentável das sociedades humanas no complexo mundo de hoje.
No caso português, defendo sem a mínima hesitação ou reserva, que da carteira específica de serviços do “Estado consciência” deve, em qualquer caso, ao lado dos que integram as áreas da Saúde, da Justiça, da Educação ou da Segurança Social, haver um serviço de Transporte e Mobilidade e um canal público de televisão; defendo que ele deve possuir uma natureza perfeitamente identificável e permanentemente demonstrável exactamente de serviço [o que significa que não deve estar refém de qualquer propósito competitivo primário, antes deve estar animado de uma lógica de formação de públicos e de audiências que deve, por seu turno, operar como parte de um projecto cultural global e integrado envolvendo a Educação e a Cultura e contemplando ‘planos quinquenais’ por objectivos no quadro daquele labor formativo]; que ele deve estar aberto à sociedade civil e designadamente aos partidos e organizações cívicas com um projecto específico de “Tempos de Antena” claramente identificados mas estruturados em moldes francamente diferentes dos grotescos e inúteis “tempos de antena” já existentes; e, entre outras coisas ainda, que muitos dos conteúdos específicos que hoje integram a rede privada por cabo devem obrigatoriamente fazer parte do serviço público, como a Música Clássica, o Bailado, o Teatro, os debates sérios entre outros.
É, aliás, por isso que eu entendo que os tempos de antena constituem um aspecto absolutamente vital da minha ideia de “serviço”, ou seja, eu acho que o Estado, no quadro do referido projecto global de fomento da Cultura deve estar atento às [algumas delas, aliás, óbvias e gritantes mesmo!] limitações mais ou menos naturais do negócio privado da comunicação e tem por dever supri-las, desse modo se justificando, ao contrário do que defende o mero negocismo liberal e neo-liberal [que, em contraponto ao Estado consciência apresenta o que chamo a sua proposta natural de Estado broker ou Estado… almocreve].
Em meu entender, com efeito, onde o negócio privado da comunicação tender a fazer do espectáculo televisivo um mero modo de fixar e difundir por mais gente ainda o que de pior existe no entretenimento pop [as carradas diárias de intragáveis “telenovelas”, os concursos copiados ao pormenor de versões estrangeiras que já eram idiotas e estupidificantes na origem etc. etc.] cabe às organizações civis e [por que não?] aos partidos apresentarem propostas alternativas, como digo, devidamente identificadas mas que em vez das doses maciças de mera árida propaganda apresentassem a júris de serviço público eleitos pela sociedade civil projectos alternativos por si realizados ou a realizar para preenchimento de xis horas de programação regular de um Canal Dois com espectáculos de Teatro, Ópera, Bailado, ou programas de informação e debate etc. etc.
Trata-se, na realidade, de envolver de forma directa, as mais diversas áreas da sociedade civil no projecto de colaborarem de forma activa na construção de uma Cultura diversificada que expresse realmente as diversas tendências e sensibilidades existentes dentro da comunidade e de, por um lado, evitar amarrar essa mesma sociedade civil a uma programação sem qualidade e sem profundidade enquanto que de, por outro, não permitir que ela seja sempre e só submetida, no quadro do que hoje se designa por “serviço público” mas que obviamente o não é, à ideia oficial de Cultura do poder.
Não concebo, com efeito, que possa haver hoje, em pleno século XXI, cidadãos europeus [sem aspas, sempre sem aspas!...] que nasçam, vivam e morram sem ter visto uma única peça de teatro, ouvido um único concerto ou assistido a um único espectáculo de bailado fora das inúteis pachochadas de “Ídolos” e quejandos, no caso do “canto”, das inomináveis idiotices dos sucessivos “Dança Comigo”, no da “dança” e por aí fora…
Tal como não consigo conceber que fazer serviço público seja, nos raríssimos casos em que a mediania quer dos temas abordados, quer da abordagem que é feita aos temas, as “coisas” sejam atiradas às pessoas, sem uma introdução [como fazia o maestro José Atalaya em relação à Música] ou sem que venham enquadradas de uma forma minimamente analítica e crítica como faz o inestimável canal franco-alemão ARTE nos seus absolutamente inimitáveis “dossiers temáticos”.
Lembrei-me de tudo isto ao ler recentemente na imprensa escrita [cf. “Público” de 31.07.10, artigo “Canal esventrou mulher grávida e roubou o bebé que sobreviveu”, onde a barbárie descrita, referente a um sangrento episódio ocorrido em Plymouth, no estado de New Hampshire, E.U.A. é, com algum pormenor, reportado.
Perguntar-se-á que relação tem este episódio verdadeiramente horrendo com tudo quanto até ao momento deixo aduzido.
A razão é, porém, bem simples e prende-se directamente [ou eu não teria aqui trazido o caso à colação] com o modo como a realidade é muitas vezes [com demasiada frequência!] des/feita e apresentada na televisão.
Quem quiser, com efeito, por exemplo, ficar com uma ideia minimamente exacta e rigorosa do Brasil, não pode obviamente fazê-lo recorrendo às famigeradas “novelas” com origem na grande nação brasileira.
Conheço pessoas que “adoravam visitar o Brasil” [o Brasil dos “resorts”, dos apartamentos de Copacabana ou das praias] e que regressaram de S. Paulo ou do Rio com uma ideia bem diferente daquela com que tinham originalmente partido para o país de Vinicius e de Jorge Amado.
Tive em tempos um aluno que, numa composição, declarava que gostava de ir, um dia, aos E.U.A. para se convencer in loco de que o que imaginava ser na sua própria expressão um “verdadeiro sonho” existia realmente.
Ora, o que eu digo é que, quem quiser conhecer minimamente a realidade social de uma nação onde ainda não há cinco décadas uma parte significativa da população vivia compartimentada em ghettos e, em certos estados, podia mesmo ser ‘normalmente’ linchada pelo facto de um dos seus membros do sexo masculino ter a “ousadia” de olhar para uma mulher branca não pode obviamente fazê-lo sem travar conhecimento com um lado persistentemente “negro” desse longo e hoje, sobretudo, surdo genocídio existencial e cultural que foi o segregacionismo [hoje na forma torpe, perversíssima e hipócrita de “racismo… integrado”] cuja realidade salta à vista mas apenas em canais pagos do serviço por cabo como o “Reality Zone” [trave-se numa série como “Cops”, por exemplo, contacto directo, real, com todo o horror de uma sociedade que “integrou” já e até… “civilizou” mesmo o racismo, não o impondo por lei e nem sequer aliás o reconhecendo expressamente mas deixando que seja a “economia” e as dinâmicas económicas e sociais por ela determinadas a definir as formas da sua existência objectiva ou objectual na sociedade] ou mesmo o “Fox Crime” onde a dita realidade volta-não-volta reemerge em reportagens que arrepiam pelo retrato desolador que dão do crime como questão de classe mas especificamente, também, “de raça” exactamente porque os E.U.A. são, como tantas vezes tenho dito, um “falso país” composto de muitos países, negando regularmente o consabido mito do “melting pot”---que de “melting”, na realidade, muito pouco ou nada teve e ainda hoje, apesar de tudo, tem…
É, aliás, o visionamento mais ou menos regular de canais como o “reality” [o “Fox” é um canal assumidamente ligado à direita republicana o que faz pensar ser possível admitir que o cruzamento de crime e raça, quando ocorre, pode não ser inocente…] que permite enquadrar e contextualizar com alguma desejável precisão notícias como a que cito do “Público”.
Ora, para concluir, sintetizando tudo quando sobre serviço público aqui deixei brevemente registado, a minha ideia é que, se isso é válido para os casos de crimes horrendos [como aquele que o jornal reporta e que não tenho dúvidas, são, apesar de tudo excepcionais mesmo numa sociedade demonstravelmente violenta como a norte-americana] não o é menos para qualquer outro domínio, francamente mais nobre, do conhecimento e da realidade, sendo mesmo desse modo, em última instância, que se formam com a exactidão e o rigor desejáveis os quadros críticos e cognitivos dos indivíduos, podendo a televisão contribuir determinantemente para tal no contexto da tal ideia global de projecto cultural que não dissocio do conceito de Estado e que deve constituir uma componente essencial de uma minimamente sustentável gnoseotopia ou sociedade [e era histórica!] gnoseotópicas.
No caso português, defendo sem a mínima hesitação ou reserva, que da carteira específica de serviços do “Estado consciência” deve, em qualquer caso, ao lado dos que integram as áreas da Saúde, da Justiça, da Educação ou da Segurança Social, haver um serviço de Transporte e Mobilidade e um canal público de televisão; defendo que ele deve possuir uma natureza perfeitamente identificável e permanentemente demonstrável exactamente de serviço [o que significa que não deve estar refém de qualquer propósito competitivo primário, antes deve estar animado de uma lógica de formação de públicos e de audiências que deve, por seu turno, operar como parte de um projecto cultural global e integrado envolvendo a Educação e a Cultura e contemplando ‘planos quinquenais’ por objectivos no quadro daquele labor formativo]; que ele deve estar aberto à sociedade civil e designadamente aos partidos e organizações cívicas com um projecto específico de “Tempos de Antena” claramente identificados mas estruturados em moldes francamente diferentes dos grotescos e inúteis “tempos de antena” já existentes; e, entre outras coisas ainda, que muitos dos conteúdos específicos que hoje integram a rede privada por cabo devem obrigatoriamente fazer parte do serviço público, como a Música Clássica, o Bailado, o Teatro, os debates sérios entre outros.
É, aliás, por isso que eu entendo que os tempos de antena constituem um aspecto absolutamente vital da minha ideia de “serviço”, ou seja, eu acho que o Estado, no quadro do referido projecto global de fomento da Cultura deve estar atento às [algumas delas, aliás, óbvias e gritantes mesmo!] limitações mais ou menos naturais do negócio privado da comunicação e tem por dever supri-las, desse modo se justificando, ao contrário do que defende o mero negocismo liberal e neo-liberal [que, em contraponto ao Estado consciência apresenta o que chamo a sua proposta natural de Estado broker ou Estado… almocreve].
Em meu entender, com efeito, onde o negócio privado da comunicação tender a fazer do espectáculo televisivo um mero modo de fixar e difundir por mais gente ainda o que de pior existe no entretenimento pop [as carradas diárias de intragáveis “telenovelas”, os concursos copiados ao pormenor de versões estrangeiras que já eram idiotas e estupidificantes na origem etc. etc.] cabe às organizações civis e [por que não?] aos partidos apresentarem propostas alternativas, como digo, devidamente identificadas mas que em vez das doses maciças de mera árida propaganda apresentassem a júris de serviço público eleitos pela sociedade civil projectos alternativos por si realizados ou a realizar para preenchimento de xis horas de programação regular de um Canal Dois com espectáculos de Teatro, Ópera, Bailado, ou programas de informação e debate etc. etc.
Trata-se, na realidade, de envolver de forma directa, as mais diversas áreas da sociedade civil no projecto de colaborarem de forma activa na construção de uma Cultura diversificada que expresse realmente as diversas tendências e sensibilidades existentes dentro da comunidade e de, por um lado, evitar amarrar essa mesma sociedade civil a uma programação sem qualidade e sem profundidade enquanto que de, por outro, não permitir que ela seja sempre e só submetida, no quadro do que hoje se designa por “serviço público” mas que obviamente o não é, à ideia oficial de Cultura do poder.
Não concebo, com efeito, que possa haver hoje, em pleno século XXI, cidadãos europeus [sem aspas, sempre sem aspas!...] que nasçam, vivam e morram sem ter visto uma única peça de teatro, ouvido um único concerto ou assistido a um único espectáculo de bailado fora das inúteis pachochadas de “Ídolos” e quejandos, no caso do “canto”, das inomináveis idiotices dos sucessivos “Dança Comigo”, no da “dança” e por aí fora…
Tal como não consigo conceber que fazer serviço público seja, nos raríssimos casos em que a mediania quer dos temas abordados, quer da abordagem que é feita aos temas, as “coisas” sejam atiradas às pessoas, sem uma introdução [como fazia o maestro José Atalaya em relação à Música] ou sem que venham enquadradas de uma forma minimamente analítica e crítica como faz o inestimável canal franco-alemão ARTE nos seus absolutamente inimitáveis “dossiers temáticos”.
Lembrei-me de tudo isto ao ler recentemente na imprensa escrita [cf. “Público” de 31.07.10, artigo “Canal esventrou mulher grávida e roubou o bebé que sobreviveu”, onde a barbárie descrita, referente a um sangrento episódio ocorrido em Plymouth, no estado de New Hampshire, E.U.A. é, com algum pormenor, reportado.
Perguntar-se-á que relação tem este episódio verdadeiramente horrendo com tudo quanto até ao momento deixo aduzido.
A razão é, porém, bem simples e prende-se directamente [ou eu não teria aqui trazido o caso à colação] com o modo como a realidade é muitas vezes [com demasiada frequência!] des/feita e apresentada na televisão.
Quem quiser, com efeito, por exemplo, ficar com uma ideia minimamente exacta e rigorosa do Brasil, não pode obviamente fazê-lo recorrendo às famigeradas “novelas” com origem na grande nação brasileira.
Conheço pessoas que “adoravam visitar o Brasil” [o Brasil dos “resorts”, dos apartamentos de Copacabana ou das praias] e que regressaram de S. Paulo ou do Rio com uma ideia bem diferente daquela com que tinham originalmente partido para o país de Vinicius e de Jorge Amado.
Tive em tempos um aluno que, numa composição, declarava que gostava de ir, um dia, aos E.U.A. para se convencer in loco de que o que imaginava ser na sua própria expressão um “verdadeiro sonho” existia realmente.
Ora, o que eu digo é que, quem quiser conhecer minimamente a realidade social de uma nação onde ainda não há cinco décadas uma parte significativa da população vivia compartimentada em ghettos e, em certos estados, podia mesmo ser ‘normalmente’ linchada pelo facto de um dos seus membros do sexo masculino ter a “ousadia” de olhar para uma mulher branca não pode obviamente fazê-lo sem travar conhecimento com um lado persistentemente “negro” desse longo e hoje, sobretudo, surdo genocídio existencial e cultural que foi o segregacionismo [hoje na forma torpe, perversíssima e hipócrita de “racismo… integrado”] cuja realidade salta à vista mas apenas em canais pagos do serviço por cabo como o “Reality Zone” [trave-se numa série como “Cops”, por exemplo, contacto directo, real, com todo o horror de uma sociedade que “integrou” já e até… “civilizou” mesmo o racismo, não o impondo por lei e nem sequer aliás o reconhecendo expressamente mas deixando que seja a “economia” e as dinâmicas económicas e sociais por ela determinadas a definir as formas da sua existência objectiva ou objectual na sociedade] ou mesmo o “Fox Crime” onde a dita realidade volta-não-volta reemerge em reportagens que arrepiam pelo retrato desolador que dão do crime como questão de classe mas especificamente, também, “de raça” exactamente porque os E.U.A. são, como tantas vezes tenho dito, um “falso país” composto de muitos países, negando regularmente o consabido mito do “melting pot”---que de “melting”, na realidade, muito pouco ou nada teve e ainda hoje, apesar de tudo, tem…
É, aliás, o visionamento mais ou menos regular de canais como o “reality” [o “Fox” é um canal assumidamente ligado à direita republicana o que faz pensar ser possível admitir que o cruzamento de crime e raça, quando ocorre, pode não ser inocente…] que permite enquadrar e contextualizar com alguma desejável precisão notícias como a que cito do “Público”.
Ora, para concluir, sintetizando tudo quando sobre serviço público aqui deixei brevemente registado, a minha ideia é que, se isso é válido para os casos de crimes horrendos [como aquele que o jornal reporta e que não tenho dúvidas, são, apesar de tudo excepcionais mesmo numa sociedade demonstravelmente violenta como a norte-americana] não o é menos para qualquer outro domínio, francamente mais nobre, do conhecimento e da realidade, sendo mesmo desse modo, em última instância, que se formam com a exactidão e o rigor desejáveis os quadros críticos e cognitivos dos indivíduos, podendo a televisão contribuir determinantemente para tal no contexto da tal ideia global de projecto cultural que não dissocio do conceito de Estado e que deve constituir uma componente essencial de uma minimamente sustentável gnoseotopia ou sociedade [e era histórica!] gnoseotópicas.
[Imagem ilustrativa extraída, com a devida vénia, de cafisicaifrl-dot-blogspot-dot-com]
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