terça-feira, 27 de abril de 2010

"Sobre as chamadas comissões parlamentares de Inquérito"

A pretexto delas [ostensivamente para desvalorizá-las!] encheu Mário Soares uma página inteira do "Diário de Notícias" de 27 de Abril, terça-feira passada.

É natural [nem vale a pena dizer por quê!...] que Soares procure desacreditar o trabalho de uma comissão cujos trabalhos incidem, como é sabido, sobre alguém cuja [invariavelmente, deplorável, aliás, ainda assim!] persona política nunca escondeu que, do alto da sua papal preponderância interna, patrocinava.

Uma das formas que o patriarca do partido do governo escolheu para pôr em causa a dita comissão foi sublinhar-se a [por vezes, escadalosa, é verdade!] partidarização.

Tem, pois, Soares, toda a razão quando fala de partidarização dos trabalhos: ninguém negará que hoje a chamada "democracia" nascida do entre nós do esforço de "restauração novembrista" de '75, se corrompeu gravemente tendo-se tornado já, na prática, numa espécie de mero "pretexto institucional" para o marketing partidário, i.e. transformou-se já de facto em, "broker" privilegiado dos interesses funcionais disfarçados de partidos políticos enquanto que todo o Estado em volta, o próprio Estado dito "democrático", se deixava, por seu turno, corromper peor essa mesma deriva disfuncional não manifestando hoje o mínimo embaraço por se ter tornado de Estado nação e Estado consciência no mero "Estado almocreve" que todos conhecemos e que tem precisamente no "sucatismo" ainda vigente a sua expressão---hesito entre dizer "máxima" ou, pelo contrário, mínima...

Não admira, assim, que tendo-se, na prática apoderado do edifício democrático e tendo-o mesmo subjugado [e feito dele refém!] o Estado "partidocrata" tenha [e de que maneira!] infectado também a comissão de inquérito a que se atira Soares no seu artigo.
É difícil, diga-se de passagem e a propósito [a mim, é-me, seguramente!] não ver a, para mim, gritante, analogia entre o papel dos partidos no contexto operativo da actual "democracia formal/funcional" e o papel, no fundo [in?] essencialmente amoral do advogado para o qual a culpabilidade do cliente é, em última análise,, completamente irrelevante para a sua própria actuação profissional, daí derivando uma ética específica, [in?] essencialnmente técnica que, com a outra Ética, a Éica com maiúscula, muito pouco tem, em última análise, que ver.

Também aos partidos [e esse é um aspecto---eu chamar-lhe-ia tópico---da "demomorfia instrumental" ou "democracia funcional que entre nós passa geralmente por Democracia tout court] no actual quadro operativo demofuncional [e a comissão de facto é um óptiomo/péssimo exemplo dessa doença senil da Democracia] para além do propósito de priovar que o nosso partido está mais atenbto do que todos os outyros, é mais interventivo e, por conseguinte, aquele em que nas próximas eleições se "dweve" votar...

Esta neutralidade funcional da actuação partidária é, repito, um aspecto claríssimo da "deriva demomórfica" sofrida pela Democracia em Portugal e tem, de facto, razão Soares quando aponta o dedo à comissão de inquérito vituperando-lhe justamente essa---volto a dizer: óbvia---faceta.
Mas a questão põe-se, então, nestes ternmos: se os partidos são maus; se são, mesmo, em si, um mal, qual a alternativa?

Há muito que venho repetindo que a Democrcia---a boa Democracia---não são os partidos; não começa e, seguramente, não começa e acaba neles e nos seus interesses próprios---como sucede, aliás, de forma óbvia e gritante, hoje, entre nós: a boa Democracia é a própria sociedade, é esta operando de forma orgânica como Cidadania.

Os partidos apenas conferem expressão e funcionalizam as aspirações dos grupos sociais e/ou das classes: é apenas nas "sociedades [e nas "demomorfias"] "inversionais", umas e outras, que tudo se passa ao contrário.

Nas Democracias, com efeito, a vigilância e o controlo democráticos são uma componente essencial da própria Democracia: numa destas, os partidos---a actuação dos partidos---seria, sempre e em todos os casos, não apenas meticulosamente escrutinada em tempo real pela Cidadania através de órgãos próprios [uma ideia que particularmente me atrai é a de um "sindicalismo cidadão" que poderia, ente nós, ter nascido das inúmeras "comissões" a que o 25 de Abril deu origem] como, sobretudo, pontualmente avaliada, nos moldes que tenho, cde igual modo, vindo a preconizar segundo um projecto que inclui "Tribunais de Verificação Política" criados nos moldes do Tribunal de Contas e dos Tribunais Fiscais.

Fiscalizada, escrutinada e avaliada a actuação dos partidoas voltaria, mais ou menos, naturalmente e de imediato a ser aquilo que deve ser em qualquer verdadeira democracia: um modo de a cidadania se exprimir e de conferir operatividade prática aos anseios da própria sociedade, num dado momento da sua História.

Ou seja: a partidarização dos órgãos e das funções do Estado é uma resultante inevitável da retracção cidadã, por um lado mas, por outro e sobretudo, da deficiência estrutural evidenciada pelo sistema dito democrático em matéria de órgão de vigilância, aferição e controlo, em tempo real.

É, por isso, que as sociedades amorfas do ponto de vista da militância cívica, como aquela que entre nós renasceu em resultado do modelo novembrista de organização social e política "derivam" naturalmente de democráticas para "democráticas funcionais" ou "democráticas formais" e se "partidocratizam" inevitavelmente, a prazo.
E é também por isso que eu digo muitas vezes que o grande problema em Portugal, identificada a respectiva causa, nem sequer é a... "partidocratização" do regime e do Estado porque essa é, no quadro referido, afinal [teoricamente, ao menos] fácil de corrigir: "basta" [como se fez no fecundíssimo mas brevíssimo, também!] período de "laboratório social" que vai de Abril de '74 a Novembro de '75] repensar todo o paradigma de organização cívica, social e política [eu diria, com recurso a um "palavrão" útil e provavelmente esclarecedor:] do sistema político "cooperativizando", como então ampla e inteligentemente se fez através da operativização e da agregação tendfencial ao próprio corpo da Democracia das inúmeras comissões---de moradores, de utentes dos serviços públicos, de inquilinos, etc. etc. que, então, se formaram e poduia ter sido, se Abril não tivesse sido, na prática, cortado cerce pelas forças restauradoras do novembrismo, com Soares por trás, de resto; "cooperatrivizando", pois, dizia, todo o referido paradigma de organização de modo a construir por baixo da socviedade portuguesa uma rede estável e, sobretudo, orgânica de interlocução com os partidos e o próprio Estado, nas suas diversas formas.

Porque o 'novembrismo' foi o "25 de Abril" da direita liberal a que Soares pertence e de que ele pretende ser... "a esquerda" foi a restauração do marcelismo, a "democratização ", não da sociedade mas dos mercados [o grande sonho do capitalismo liberal que é quem triunfa realmente em Novembro de '75]; porque assim foi, dizioa, nada no modelo de organização social e política em Portugal mudou realmente, tendo-se, agora, ramificado para dois partidos-guardas de fronteira social o trabalho de cinferir expressão política ou mais exactamente: "politiforme" a um modelo económico-financeiro que passou intacto a fronteira histórica [e inicialmente social e política] de Abril.

Nisto, na constatação da contaminação partidocrata do regime [que ele, aliás, ajudou, em larga medida, na sombra a fundar ou a re-fundar, no sentido preciso em que o soarismo nunca foi outra coisa senão um mero "marcelismo sem guerra", um "marcelismo" a que se tornou impossível, a dado passo chegar sem ruptura e protagonizado pelo próprio Marcelo]; nisto, nesta constatação, aliás, hipócrita, por quanto acabo de dizer, tem, pois, Soares razão.

Tem, digamos, "razão formal".

Aquilo que eu defendo, contendo e argumento, no entanto, é que o grande problemas desta comissão que Soares vem acusar de estar "partidarizada" é os tribunais não funcionarem adequadamente [é absolutamente escandaloso e inqualificável o falhanço global da Justiça democrática, hoje, em Portugal!] e é, a montante, haver leis nas quais a forma inviabiliza sistematicamente o próprio conteúdo---o conteúdo saneador e pedagógico-preventivo da própria lei [como é que é possível que sistematicamente tecnicalidades e verdade efectiva, a verdade real, a Verdade tout court, não consigam pôr-se de acordo, num edifício jurídico---e, especificamente, por acção dele!---permanentemente em conflito consigo próprio sempre que se trata de fazer coincidir a realidade com a sua expressão jurídica moralizadora e eticamente saneadora?]; o grande problema é, pois, um mau Direito, um Direito inorgânico, concebido de uma perspectiva erradíssima e labiríntica de mera colagem entre uma Forma e um Conteúdo aparentemente autónomos que podem, como disse, permitir-se funcionar não apenas, como a realidade empírica demonstra cabalmente, cada um para seu lado como, sobretudo, cada um deles para um lado que é rigorosamente o oposto do do outro.

O grande problema da comissãso e do próprio País político no seu toda é o descrédito evidente e generalizado da Democracia cuja consciência culpada a obriga sistematicamente a "actuar para a plateia" [mediática, nomine] numa tentativa muitas vezes, cabotina e inimaginavelmente desajeitada, teatral, de disfarçar a sua gritante incapacidade para agir de forma adequada.

O grande problema são os erros no edifício jurídico e especificamente judicial que leva a que os tribunais, não funcionando como deviam, sejam, na prática, muitas vezes, "substituídos" por entidades sem poderes estatutários para tanto como as polícias, por um lado [na esquadra faz-se, muitas vezes, a "justiça" que se sabe antecipadamente que os tribunais não vão, por uma razão ou por outra, poder ou não vão querer fazer] ou, no caso a que se reporta Soares, as comisões de inquérito, como esta.

No modo como as televisões "pegaram" na questão; no modo conmo o sistyema político e concretamente a Cidadania deixou que eles pegassem, está tudo isto bem espelhado: aquela comissão na prática funciona como uma espécie de "Nós por Cá" que é a coisa mais parecida com um sistema judicial são a que uma Portugal amodorrado, politicamente imbecilizado e civicamente amorfo pode, hoje-por-hoje, aspirar.

A Comissão [e isso não o diz Soares porque este é o Portugal que ele ajudou a re-fundar] é, afinal, o espelho de um país onde a justiça está permanentemente "a posar para a fotografia" mas onde ninguém é, de facto, responsabilizado pelos actos praticados em tarefas ditas de representação mas que, na realidade, apenas se representam... a si mesmas.

O primeiro ministro vê o seu nome, interna e externamente associado as malfeitorias verdadeiramente inomináveis que acabam, invariavelmente, por descobrir-se insusceptíveis de serem provadas e arquivadas e a ninguém parece estranha a metronómica recorrência das acusações e/ou das suspeitas; é constantemente acusado de mentir [um dos depoentes na comissão, José Eduardo Moniz foi o mais recente caso de alguém que o disse com todas as letras] é constantemente acusado de mentir, recusa-se a comparecer, não há, pelos vistos, em todo o edifício jurídico e jurídico-político nacional, uma única disposição que o vincule a explicar-se perante quem o elegeu [ou, não o tendo elegido que foi o meu caso, não tem mais remédio senão aceitá-lo como chefe do governo] e continuar a tolerar que ele permaneça nersse estatuto mesmo quando ele se permite ignorar aquele que é suposto ser o órgão-jóia da coroa do edifício democrático que é a Assembleia da República.

Mas isto não incomoda pelos vistos Soares para quem a gravíssima e aparentemente ininterrupta onda de suspeitas sempre impendente sobre quem dirige o País não passa de... partidocracia e parti pris ou má-vontade a ela associados, um e outra devidos a "coisas" como o facto de "os deputados-inquisidores [sic] que participam na comissão" serem [imagine-se!] "demasiado jovens" [!!], "pouco cordiais" [!!!] e "desbocados" [!!!!] achando ele, Soares, "par dessus le marché" que o mal das referidas comissões é serem... "fastidiosas"...

Para ele, a efervescência social e política natural nas sociedades humanas; a pluralidade de pontos de vista e interesses sociais que fazem a vitalidade nas e sobretudo, das sociedades livres, incomoda [ele diz---imagine-se!---"cria enfado" e "desinteressa" o público...] como se o que estivesse, na verdade, ali em causa fosse "entreter" e divertir o público como num qualquer circo ou "Big Brother" ou "Não-sei-quê" das Celebridades de lôbrega e pirosíssima memória não menos qualquer...

E o pior é que, num certo sentido [involuntário e democraticamente perverso] Soares volta aqui, pelos piores motivos, repito, a ter razão: porque é, em última instância, de um espectáculo que estamos aqui a falar---do espectáculo da democracia "encenada" de modo a que a sua efectiva inoperância a todos os níveis pareça, através do uso espalhafatosamente teatral do "sound and noise" shakespereanos, afinal, aquilo que não é, em momento ou estádio algum da sua História: eficácia, operacionalidade e efectiva normalidade e boa saúde, democráticas.

Mas de um espectáculo que [e é por isso que o farisaísmo das "críticas" de Soares tem de ser claramente denunciado] não apenas, como ele faz, se adfmite como, de facto, se pretende que seja, pelas razões exaustivamente apontadas acima, nestas notas.

Porque, em Portugal, existem hoje uma justiça que faz de conta que é justiça para fazer "pendant" com uma toda uma democracia, um sistema dem,ocrático institucional, para os quais fazer de conta que o são, é... democracia bastante.

Desde que não enfade, claro que um dos deveres básicos da democracia é, pelos vistos, muito mais do que funcionar, parecer que o faz permanecendo sempre gira e... fixe...

[Na imagem: desenho de João Abel Manta]

9 comentários:

São disse...

O vergonhoso é terem traído Abril desta maneira!!

Tudo de bom.

Carlos Machado Acabado disse...

Olá, São!
Que bom ver-te por cá!
"Isto" ainda está a ser "carpinteirado" mas ainda bem que vieste!
É verdade!
É verdade mas não não é menos verdade que cada um de nós não pode desvincular-se da responsabilidade que lhe cabe no modo como foi pactuando com aldrabões e vigaristas de todo o tipo até termos chegado ao ponto em que estamos hoje...
E esse ainda é o aspecto que mais me dói: nas ditaduras, temos a desculpa da impossibilidade de acção política efectiva.
Mas numa democracia!...
É verdadeiramente imperdoável!
Como sociedade, merecemos claramente o tipo de gentinha supostamente política que nos calhou em sorte...
É profundamente triste mas infelizmente bem real!

Carlos Machado Acabado disse...

Tudo de bom para ti também e um bom 1º de Maio!

Ava disse...

Olá amigo Carlos, que saudades já tinha suas e das suas reflexões. Acho que tem toda a razão, um país sem um sistema judicial funcional não pode ser uma democracia credível, e tal como comentou a São, apoio sinceramente as suas palavras, é vergonhoso o que fizeram com os sonhos e as potencialidades deste país a seguir à revolução.

Um beijo com cheiro a uma manhã de nevoeiro no Alentejo, Ava,

Carlos Machado Acabado disse...

Ava!
Que bom vê-la por cá!
Eu tenho andado um bocado afastado destas coisas mas aí venho eu, outra vez, em força...
Vai ouvir muito brevemente falar de mim?
E como vai a Ava?
Daqui a nada, vou abrir o seu "Diário" mas só quando voltar do dentista [Brrrr]...
Um beijinho!

Rute Coelho disse...

Meu querido amigo, como cidadã, ou ainda mais como filha de um abril que foi uma espécie de utopia colectiva para alimentar barões e impingir uma democracia a apodrecer, ou ainda mais como advogada, posso te dizer que o caos vem mesmo daí, da nascente do poder politico que impossibilita os Tribunais de exercerem condignamente a sua actividade.
A Lei de hoje é a rectificação de amanhã e a segurança juridica que era em tempos um principio sagrado de um Estado de Direito é hoje apenas e só um conceito que se aprende nas faculdades entre tantas outras teorias insólitas. Olhar para a Justiça hoje é ver como Abril aqui também não passou.

Carlos Machado Acabado disse...

Rute!
Que engraçado ver-te por cá!
E ainda por cima o teu contributo é duplamente balioso: por ser teu, obviamente e pela tua formação académica!
Volta sempre, ouviste?
O teu contributo, por tudo quanto disse, é inestimável---a tua "presença", também.

Rute Coelho disse...

Tenho saudades das tuas palavras. Aparece no meu cantinho.

Carlos Machado Acabado disse...

Apareço, com certeza!
Beijinho, também, Doutora!