A "Ressurreição" de Rafael
Cito um programa da B.B.C. sobre Piero Della Francesca e a seu fresco intitulado "Ressurreição de Cristo", existente no museu de Sansepolcro, na Toscânia.
Para os depoentes no programa (que incluíam, de resto, em críticos e historiadorwes de Arte vários, um clérigo) os soldados que guardam o túmulo de Cristo estão adormecidos.
A leitura da obra implícita nessa 'explicação' particular, sobre a qual todos os depoentes se mostraram concordes, para a postura física dos guardas passa por valorizar obviamente a componente mística (senão mesmo potencial ou tendencialmente 'esoterizante') do trabalho de della Francesca no sentido preciso em que capitaliza em termos de conteúdo latente da obra que Huxley chamou "a mais bela pintura jamais realizada" numa evidente 'intangibilidade cognitiva' específica da matéria descrita no quadro, expressa, por sua vez, simbolicamente na dualidade sono (o sono da compreensão humana)/vigília (a "vigília" divina, cuja essência viria, nesta linha, expressa como, em si mesma e no limite, naturalmente impermeável à possibilidade humana de penetração natural nos mistérios associados à condição divina como tal).
Trata-se evidentemente de uma interpretação perfeitamente legítima e que, até, de algum modo, tende a impor-se espontaneamente tendo em vista o que é comum pensar-se sobre a Ressurreição, inclusive como (im?) possibilidade física concreta.
A leitura ou... "leituração" pessoal que, todavia, faço do fresco passa, não tanto pela ideia de 'sono' mas francamente mais pela de esmagamento, de ofuscação ou deslumbramento como se os guardas romanos, símbolo material do poder (mas de um poder humanamente limitado: imponderadamente ambicioso e inconsciente da sua vanidade---pela 'vã-idade', pela "vanitas"...--- relativamente ao Divino) tivessem sido bruscamente fulminados pela revelação (palavra que não emprego, aqui, aliás---longe disso!---em vão...) de um poder situado infinitamente para além desse fátuo, porque apenas aparencial, poder humano, dado pelos soldados e pelas suas armas.
Do poder temporal, terreal---ou humano.
É muito claramente essa sugestão de "overpowering" ("as if a divine lightening had brusquely struck them all instantly on the spot and fulminated them all irrevocably with the intensity of its light", poderia dizer um dos observadores anglófonos presentes em Sansepolcro...) que, a meu ver, se desprende do quadro e está plasmado nos rostos e na postura (chamo a atenção especial para o sdoldado da esquerda que tapa o rosto---encandeado?) numa palavra: no significado simbólico---do motivo dos soldados, tal como está "encenado" no fresco.
É, claro, volto a dizer, apenas um ponto-de-vista---uma circunstância de "leituração" estritamente pessoal.
Então, ao comparar o fresco de Piero della Francesca com a obra de Rafael sobre o mesmo tema(ainda que neste exista claramente uma dinâmica expansional em pirâmide com o vértice no túmulo que o distingue do muitíssimo mais extático, sereno e reflexivo de Piero della Francesca) esta impressão pessoal torna-se (apenas quase?...) opinião.
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