sábado, 4 de julho de 2009

""La Vita È Bella" de Roberto Benigni (1997)"

Um blog pelo qual casualmente passei ainda há pouco, enquanto buscava material iconográfico para esta 'entrada', chama-lhe expressamente "obra prima".

Sob diversos aspectos, poderá, até, talvez, de um modo ou de outro, no limite, admitir-se que o seja.

É, em qualquer caso e até prova em contrário, para já, «o» filme, «a» comédia, de Benigni: "La Vita È Bella".

Para o realizador e cómico italiano, o sucesso que estrondosamente atingiu com o filme tornou-se, com efeito, de modo paradoxal, um enorme---e, sobretudo, um terrível!---problema, comum, aliás, a um grande número de outros autores: o de saber-se se, no seu caso concreto, com ele se terá, por fim, encontrado o legítimo sucessor de homens como Mário Moniccelli, Luigi Comencini, Dino Risi, Tótó, Alberto Sordi, Ugo Tognazzi ou Pepino de Filippo (ou mesmo, por outro exemplo, o recentemente desaparecido Nino Manfredi) para apenas citar estes, entre os realizadores e intérpretes referenciais da comédia cinematográfica italiana ou se, na realidade, ao invés, estaremos tão-somente na presença do "one-film great director" que Benigni ainda não conseguiu, efectivamente, demonstrar não ser.

A verdade é que no filme, Benigni consegue, de facto, equilibrar, de forma invulgarmente brilhante e genericamente bem sucedida (a começar logo no guião do próprio Benigni escrito em colaboração com Vincenzo Cerami) todas as componentes essenciais de uma certa comédia humanista italiana (herdeira, essa sim, mais ou menos clara e assumidamente de, para além dos nomes que já citei, por exemplo, Vittorio De Sica e do grande Zavattini, os homens de "Miraccolo À Milano").

"La Vita È Bella" é, como no citado clássico neo-realista de De Sica-Zavattini, um filme assumidamente centrado numa espécie de terna e cordialíssima nostalgia pela inocência infantil entendida como metáfora perfeita da própria luta dos homens de todas as idades e condições contra os aspectos mais negros e mais sombriamente recorrentes (senão também mais tenebrosamente fatais) da maldade humana como tal.

Partindo daí (Benigni achou, de facto, no pequeno Giorgio Cantarini um prodígio de graça natural e cândida expressividade sobre o qual é possível erguer todo o habilíssimo edifício da emocionante alegoria que é o filme) e prolongando a ideia até trazer a temática em causa para a idade adulta no sentido de mostrar como é possível lidar idealmente com a tal 'fatal' corrupção ou mesmo "corruptividade" naturais da inocência humana, Benigni constrói, então, sobre ele a sua própria "persona" de (felizmente!...) natural inadaptado a essa mesma realidade que aqui nos surge, aliás, corporizada na forma efectivamente limite do mal nazi que contaminou, como se sabe, o mundo inteiro e especificamente a Europa---a de 'Guido Orefici" e, de um modo ou de outro, também a de todos nós, mesmo nas sociedades e países que directamente a não viveram, nas décadas de '20, '30 e '40 do século passado.

Há, no filme, aspectos que vale a pena realçar: desde logo, um certo 'eco' distante (ou nem tanto...) em qualquer caso, muito curioso de, por exemplo, "Ladri di Bicicleti" (retomado, porém, num registo assumidamente diferente) assim como, para o cinéfilo mais... "orgânico" e 'generalista', a negação de obras clássicas elas mesmas muito interessantes e relevantes como, por exemplo, "The Fallen Idol" de Carol Reed/Graham Greene, aqui... "revisto" e deliberadamente (por completo!) "subvertido".

Outro pormenor, porventura não menos relevante---e interessante: o modo como Benigni, talvez inconscientemente, satiriza no próprio guião, o 'modelo' típico de propaganda goebbelsiana em cujo contexto a verdade aparece sempre, como é sabido, sistemática (eu diria mesmo: "sistemicamente"!) usada contra si a fim de produzir, a-dialecticamente, precisamente o seu contrário, sendo ela, sempre, em qualquer caso, objecto (e vítima!) das mais despudoradas formas de manipulação (quando não aberta negação!) operadas, uma e outra, sempre mesmo... debaixo das suas respeitáveis (e muitas vezes, incrédulas!...) "barbas".

Habilmente, Benigni constrói, com efeito, todo o filme como um conjunto ou teoria de sucessivos e astuciosos expedientes, dos quais queremos sempre saber como e qual vai ser o próximo---residindo, de resto, aí, nessa espécie de habilíssimo labirinto de "suspense cómico" grande parte da sua (óbvia e natural) capacidade para "agarrar" o espectador ao longo de todo ele.

Por fim, o curiosíssimo aspecto do «jogo» e do modo como o realizador o encaixa (eu diria: organicamente) na "estória": inteligentemente, Benigni usa o motivo narrativo do jogo para nos mostrar (eu diria: "em situação") as diferenças essenciais entre o verdadeiro natural humanismo e a pura e simples barbárie.

Para o papel desempenhado pelo agora envelhecido ex-galã alemão Horst Buchholz, o de Dr. Lessing, com efeito, (nome que Benigni vai, talvez, buscar a Gotthold Ehraïm von Lessing, o escritor e pensador judeu alemão do século XVIII, uma das mais importantes figuras do iluminismo germânico) o jogo representa uma forma totalmente mecânica, inteiramente desumanizada e escandalosamente insensível, patológica mesmo, monstruosamente compulsiva de conceber os "usos" da racionalidade e da inteligência senão mesmo da própria vida humanas, todas elas.

Para 'Orefici, Guido', todavia, o jogo é o próprio jogo da Vida e da Civilização, apoteoticamente simbolizada na alegoria do "prémio" final, quando este passa do plano abstracto da fértil imaginação do protagonista para o concreto da própria História e, especificamente, para a Vida, tornando-se libertadora realidade no tanque aliado que chega.

Concluindo: Benigni pode ter falhado estrondosamente em "Pinóquio".

Poderá até, no limite, não vir a lograr, em momento algum da sua futura carreira, outro "La Vita È Bella" nisso não 'imitando', aliás, os seus ilustres antecessores, actores e realizadores, de Tótó (intérprete) a Moniccelli (realizador: para mim, com "Guardia E Ladro", de colaboração com Steno, "La Grande Guerra" "I Soliti Ignotti" e "L'Armata Brancaleone", designadamente, em especial, o primeiro e o terceiro, a grande referência do género); homens que protagonizaram e dirigiram inúmeros grandes títulos alguns deles, repito, obras de absoluta e incontornável referência no âmbito da riquíssima comédia cinematográfica italiana; Benigni pode, dizia, nunca vir a repetir o êxito deste "La Vita È Bella".
A obra em causa bastará, ainda assim, de algum modo (perfeitamente argumentável e até nem por aí dificilmente demonstrável, aliás) aos bons e verdadeiramente sensíveis cinéfilos, para estimá-lo e respeitá-lo.


Definitivamente.

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