sábado, 4 de julho de 2009

""Splendor In The Grass" de Elia Kazan (1961)"

Um Kazan muito... "pós-Kazan".
Um Kazan que, após o notabilíssimo período 'teatral' inicia um difícil processo de conflito moral e, sobretudo, de «exorcismo» pessoal relativamente aos fantasmas interiores associados ao modo particularmente pouco nobilitante como geriu a sinistra pressão delatória maccarthyista e a sua desilusão pessoal com o comunismo.

Desta, há, em meu entender, possíveis ecos mais ou menos abstractizados neste "Splendor..." onde (como no Steinbeck de "Of Mice and Men"; Steinbeck, outro ex-comunista debatendo-se com o mesmo "god that failed" pessoal) a inacapacidade para lidar com a possível culpa associada à defecção aparece... "metafizicizada" numa espécie de desencanto 'absoluto' associado à própria condição humana como tal, envolvendo-a directamente e tomando a forma de uma espécie de fatalidade (abertamente auto-destrutiva, no caso da novela do autor de "The Grapes of Wrath").

Neste "Splendor...", Kazan "apanha", também, 'de caminho' o... "eléctrico", o "streetcar" de uma certa rebelião jovem contra as convenções, ecoando, desse modo, um paradigma cultu(r)al e especificamente cinematográfico que começa a emergir e a que directores muito distintos como, entre diversos outros (até alguns ligados ao "musical" como Richard Thorpe em "Jailhouse Rock", de 1957 com Elvis Presley!...) Richard Brooks em "Blackboard Jungle" de 1955 e, sobretudo, Nicholas Ray em "Rebel Without A Cause", também de 1955, confeririam expressão histórica e cultu(r)al que pode, sem exagero, considerar-se definitiva.

Perdida embora a desmesura teatral que o tornou famoso e que envolve a colaboração de Kazan com o Teatro---especificamente com Tennessee Williams, por um lado e com Stanislavski e o "Método", por outro---para além da proximidade cinematográfica que manteve com um dos mais... "teatrais" novelistas norte-americanos modernos, John Steinbeck) pequenos itens ou motifs muito kazanianos vão aqui e ali aparecendo, apesar de tudo, no filme, desde logo, uma tendência nele tópica para apresentar em cena uma certa referencialidade muito determinadamente escatológica (de que Brando, o Brando poderosíssimo, excessivo---e também violentíssimo!---de "A Streetcar Named Desire" é, sem dúvida, o paradigma 'absoluto' no contexto particular da obra de Kazan---mas não apenas dela).

Aqui (e sendo óbvio que nem Natalie Wood é, por exemplo, Vivian Leigh nem Warren Beatty--- apesar das semelhanças físicas---é James Dean ou Marlon Brando e sendo, de igual modo, possível que o próprio Kazan tivesse querido---como dizer?---"desteatralizar" definitivamente o registo característico da sua obra) são, sobretudo, Pat Hingle (que não é, aliás, também ele, por exemplo, Lee J. Cobb ou até Rod Steiger...) com o seu 'Ace Stamper' e Barbara Loden com "Ginny" quem fornece esse tom mais violentamente brutal (abertamente sexual, no caso desta última que, no filme, protagoniza uma sequência de bebedeira onde atinge, na minha opinião, o brilhantismo).

Fora do registo 'teatral', designadamente daquele registo teatral muito caracteristicamente excessivo e mesmo convulso que é difícil não associar a Brando e à lição do "Actor's Studio" e dos Strasberg, porém, Kazan sempre me pareceu francamente pouco à vontade e invariavelmente 'fora do tom' (e sempre, de resto, um pouco---ou, pelo contrário, um muito?...---à procura dele.

Fora do "Teatro" também (uma das grandes qualidades do realizador de "East of Eden" é, sem dúvida, o modo como foi resolvendo uma das grandes 'questões' cinematográficas de sempre: o problema quase... freudiano e especificamente edipiano das relações orgânicas entre o "Pai" Teatro e o "filho" Cinema no... Cinema); fora do "Teatro" também, dizia, as 'personagens' caracterizadas pelo excesso e pela da desmesura têm tendência para funcionar mal (ou, no mínimo, menos bem) e essa foi outra das grandes dificuldades com que (em meu entender, pelo menos) Kazan se foi debatendo ao longo da sua carreira como cineasta.

Por outro lado ainda, a "vocação" natural do Drama para lidar com referências ou referencialidades arquetípicas e uma maior dificuldade do Cinema para fazê-lo no mesmo nível 'abstracto' e quase categorial 'absoluto' faz com que a revolta que, no filme, se pretende equacionar contra o convencionalismo (quase) como tal, ainda que Kazan tente "ancorá-lo" ou "fixá-lo mais consistentemente à própria História" através do aspecto da cobiça quase... "von stroheimiana" de 'Mrs. Loomis' (Audrey Christie, a fazer lembrar essa prodigiosa personagem de 'Trina'/Lilian Gish no clássico "Greed" do grande realizador germânico) surja sempre um pouco fácil e até incómoda porque também excessiva (quase... agressivamente!) óbvia.

Sendo que retomada num meio onde é difícil contornar uma espécie de vocação naturalista de episteme a problemática em causa não logra fugir (volto a dizer: em minha opinião, pelo menos) a uma certa tão persistente quanto incomodativa sugestão global de convencionalismo---o que, tratando-se de equacionar ficcionalmente a luta contra ele não deixa de ser profundamente irónico...

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