Mais: a crítica literária (que antes, havia já "decretado" o fim de Arthur Miller como dramaturgo) completamente perplexa e confessando-se incapaz de resolver o magno 'problema' da definição exacta do 'género' literário onde 'deveria' ser incluido o próprio texto do guião escrito por Miller (teatro? Romance dialogado? Mero "copião"/utensílio secundário de filmagem, portanto, sem valor literário autónomo?) não o pouparia (e isso foi muito claro, no caso português onde foi editado mas nunca admitido no grupo rerstrito das grandes obras do homem que escrevera "Death of a Salesman" e "The Crucible", as célebres "Bruxas de Salem" e que, de algum modo, rivalizava com um Tennesse Williams, muitíssimo mais... "escandaloso" e, por isso, "evitado" na representação electiva da dramaturgia norte-americana da época---entre nós, pelo menos onde nomes como Aggee ou até Albee pouco diziam à generalidade do público).
Para mais e voltando ao filme de Huston, Marilyn era, à época, vista ainda quase exclusivamente não como uma verdadeira actriz mas, sobretudo, como um ícone sexual que se limita a replicar ininterruptamente de filme para filme um 'tipo' e uma fórmula; o auge do fascínio popular de Gable havia já quase completamente passado e a Monty Clift (cuja homossexualidade muito mais sussurrada---volto a dizer: entre nós, pelo menos---do que confessada poderia ser, aliás, ainda mais um problema...) associavam muitos uma imagem de estroinice e irresponsabilidade (uma imagem de 'juventude perdida', um conceito que incluía, por outros---aterradores---exemplos, um filme famosíssimo de Richard Brooks, "Blackboard Jungle" com Glenn Ford e Sidney Poitier e, claro, na vida real, James Dean, morto, como se sabe ao volante de um potente carro) devida, sobretudo, ao acidente de automóvel que o desfigurara e relativamente ao qual se murmurava que se ficara a dever, como o de Dean, à leviandade do condutor.
O resto do elenco contava ainda com uma sóbria e eficaz mas eternamente secundária Thelma Ritter (recordá-la-ei, sobretudo, pelo papel que fez em "Rear Window" de Hitchcock) e um notabilíssimo mas também ele relativamente pouco popular Eli Wallach, um homem do Actor's Studio mas sem a preponderância de um Brando ou de um Newman (longe disso!) e que nunca se tendo imposto completamente nos Estados Unidos como "leading actor" (fez, nessa condição, um escandaloso "Baby Doll", uma espécie de pré-"Lolita" que causou sensação) faria, mais tarde, uma espécie de segunda carreira no "western" italiano com Clint Eastwood ou Lee van Cleef, este último um eterno vilão estatuto com o quel foi um dos homens do gang de 'Frank Miller' em "High Noon").
O próprio Huston nunca terá sido muito bem compreendido no seu próprio país onde fez, todavia, a partir de um texto de Bill Travers um respeitabilíssimo "Treasure of The Sierra Madre" com Bogart e que era uma reflexão muito 'noir' sobre a cupidez e a desintegração fatal das comunidades humanas a partir da emergência dela, sólida constante indissociável da própria "condition humaine" como tal, no seu seio.
Por tudo isto, o filme foi um claro fracasso, associando-se-lhe ainda a morte de Gable que se disse ter sido causada pelo esforço feito durante as filmagens.
"The Misfits" é, porém, um trabalho que está longe de ser despiciendo e de não justificar uma reapreciação, inclusive como reflexão artística sobre uma época (Gable e Clift são "cowboys impossíveis" e sem glamour) e sobre alguns símbolos-chave da mesma: Miller, o dramarurgo, que seria incapaz de seguir continuamente renovando-se depois do enorme e justíssimo sucesso popular e crítico das peças citadas; Huston, queira-se ou não, autor de alguns dos mais importantes filmes alguma vez realizados; Monroe, uma "deusa pop" trágica que Hawks sublimou em "Gentleman Prefer Blondes", fazendo com ela aí o que fez, por exemplo, com John Wayne em "Rio Bravo"---oferecendo-lhe o papel onde o tipo que um e outro (cada um o seu, obviamente!) haviam feito toda a vida logrou finalmente obter estatuto definitivo e, mais do que isso, verdadeiramente arquetípico; Clift um actor notável, porém aparentemente um mau gestor da sua própria vida como da sua própria carreira; Wallach, um actor competente, sempre injustiçado.
Mas o próprio filme não está---longe disso!---despido de relevância própria: se outra coisa não ftivessse logrado ser, permaneceria sempre cna linha, por exemplo, de um "The Great Gatsby" do trágico Fitzgerald, como uma amarga e desencantadíssima reflexão sobre a falta de verdadeiras perspectivas civilizacionais---sobre, em última instância, a impossibilidade civilizacional---da própria América como tal, um país onde (como diz uma personagem de "Raintree County" de Dmytryk) se Sócrates (o autêntico!...) tivesse lá nascido teria passado a vida a mascar tabaco sentado no "porch" de uma casa rural qualquer de "Smallvile, U.S.A." ou coisa que o valha...
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