quinta-feira, 16 de julho de 2009

"A propósito de Barbara Stanwyck, algumas (pessoalíssimas!) considerações sobre a "condição estrangeira" na realização cinematográfica"

Barbara Stanwyck em "Lady Of Burlesque"

Imediatamente abaixo, recordo a incontornável referência do "star system" norte-americano que foi (e que é!) Barbara Stanwyck.

Dela reproduzi uma foto, de origem, para mim, objectivamente irreconstituível (será quase seguramente uma---aliás, belíssima!---foto promocional de estúdio) referindo, todavia, expressamente dois dos seus filmes: "Clash By Night" de Fritz Lang e "Lady of Burlesque" de William Wellmann.

A propósito do primeiro destes filmes, ocorre-me, aliás, uma pessoalíssima reflexão relativamente à figura (muito comum, a dado passo da História do Cinema, aliás) do realizador europeu expatriado, voluntáriamente ou por pressão de circunstâncias muito particulares, muito prementes e muito específicas (como a guerra) nos Estados Unidos.

Foi o 'caso' do genial Lang (escapado, como se sabe, à barbárie nazi mbora fosse casado com Thea von Harbou, membro do N.S.D.A.P.) e foi, também---embora aí as os motivos fossem substantivamente distintos---o do não menos genial (hoje, depois da exegese feita pelo Chabrol e pelo Truffaut, a afirmação é pacífica...) Alfred Hitchcock.

Relativamente a estes "immigrés" de luxo (a que poderíamos juntar, por exemplo, entre muitos outros possíveis o nome "gigantesco" e absolutamente incontornável de Erich von Stroheim) parece-me, a mim, pessoalmente, interessante (e criticamente fecundo) especular sobre se muito do cinema feito por todos eles não incorpora, de distintos modos embora, algo da experiência sempre, de uma forma ou de outra, dilacerante do "dépaysement" interior, cultu(r)al, cultu(r)al e existencialmente referencial, mesmo se o 'exílio' em causa é objectivamente voluntário e profissional (sem esquecer, alías, artisticamente, s.f.f.!) bem sucedido---e bem remunerado.

De Hitch sempre me pareceu, com efeito, que naquela que considero, ainda hoje, a sua obra-prima definitiva e absolutamente perfeita (*), "North By Northwest" dar expressão ficcional a todos os seus fantasmas e obsessões pessoais, naquele permanente e quase... lubitscheano registo de "jogo" mas de jogo sempre com vista para o vazio [e sempre mantendo um "(ever so!) delicate balance" sobre ele...)] possui em momentos chave uma teoria mais ou menos 'encriptada' e subtilmente metaforizada de imagens através das quais o país anfitrião, os Estados Unidos da América, se torna por momentos, figurada (e talvez também subconscientemente) mas, a meu ver, sempre, no limite, de forma perfeitamente reconhecível ou, pelo menos teoricamente reconstituível, a imagem tópica do não-lugar por execelência, isto é, do limbo integral, figuração física, material, do absurdo integral (sobre o qual a "odisseia" de 'Roger Thornhill' paira---"hovers"---permanentemente) transformada em paisagem lunar onde a própria presença humana (assim como os objectos que a acompanham e que, noutro contexto parecem perfeitamente "normais" e entendíveis, se tornam, aí com toda a clareza, todos eles, finalmente uma espantosa e inquietante, total aberração.

Em Lang, é todo um tom geral de cansaço existencial extremamente bem dado pela existencialmente angustiada mas, de um modo oy de outro, preponderante, dominadora, figura da personagem de Barbara Stanwyck (a 'May Doyle' de "Clash By Night") aaquela que diz que "home is where we come to when we have nowhere else to go" ou coisa que o valha.

Num cinema assumidamente comercial e de "entertainment", o "negro" de realizadores como Lang traz para o que alguns chamam a "subcultura pop" uma imagem profundamente amarga e desencantada de "dépaysement social e existencial" que, repito regressando a uma hipótese que comecei por enunciar, pode, em tese, ter alguma coisa que ver com o olhar cinematográfico mas, antes diosso, existencial e, a seu modo, crítico que é lançado por quem vem do exterior sobre um lugar e uma realidade (social, cultu(r)al, etc.) que já não é (nem sequer naquele sentido desesperançado, mínimo ou minimal e mesmo angustiada e angustiantemente terminal de que falava 'May Doyle' no filme de Lang) "home"...


Fotograma da "wasteland" de "North By Northwest" de Hitchcock

NOTA

(*) Sim, claro, eu sei que há "Shadow of a Doubt" (confessadamente o 'Hitchcock' favorito do próprio Hitchcock), "Vertigo" (para muitos, o Hitchcock) e, antes deles, por exemplo, "Rebecca".
Eu sei.

São todos obras notáveis ("Vertigo" será mesmo a... "Guerra e Paz" de Hitch...) e "Rebecca" (aquele que, ainda que sobre ele se tivesse feito sentir de modo particularmente reconhecível a influência do produtor, o "imponente" David O' Selznick, mais fortemente permanece, por outro lado, curiosamente---em meu entender, pelo menos---um dos mais distintamente 'hitchcockianos' «Hitchcocks» que conheço.

É, todavia, em "North By Northwest", insisto, que melhor se fundem, diria eu, por um lado a ameaçadora sombra kafkiana que sempre "assombrou" ("which always distinctly haunted") reconhecivelmente o cinema do Mestre com o efeito de (um pouco paradoxal, aliás, como adiante explico) "Verfremdung" sofisticadamente hitchcockiano---um 'efeito' estilístico mas também composicional e estruturacional que---e por isso lhe chamo 'paradoxal'---em vez de diluir, contraditoriamente intensifica, potencia, muito subtil e, de alguma forma caracteristicamente oblíqua ("characteristically twisted")---muito intelectualizadamente embora---a referida (im) pressão global de medo que, repito, atravessa todo o cinema de Hitch incluindo, por exemplo, o "excêntrico" "Under Capricorn" e com a possível excepção de, também por exemplo, o escassamente 'idiossincrático' e atípico "Mr. and Mrs. Smith".

É verdade que "Vertigo" é uma obra poderosíssima onde as obsessões e as possíveis 'desfixações identitárias' pessoais de Hitch passam (como dizer?) imediada e naturalmente a Cinema.

Falta, todavia (diria eu não temendo deste modo afrontar a quase inevitável imputação de blasfémia...) ao filme (e Bernard Hermann, falando, anos depois, sobre ele notou-o, aliás, seu modo) a sofisticada "nonchalance" de Cary Grant ou do seu alter ego feminino perfeito, a muito injustamente secundarizada Eva Marie Saint (secundarizada relativamente, desde logo e por exemplo máximo, à, aliás muito justamente, mítica Grace Kelly); faltam, diria eu, um e outra; faltam aquilo que na cinematografia hitcjcockiana um e outra trouxeram como talvez nenhum outro par ficcional para nos colocar não "no" mas (pior ainda!) sempre, de um modo muito claro e muito reconhecível, "perante" o perigo sempre impendente de dissolução e de queda vertical no vazio que se concretiza completamente em "The Wrong Man" (para mim, mais do que, por exemplo, "The Rope", um "(altogether hitchcock-wise) wrong film"...) marca indelevelmente o cinema feito pelo realizador de "Marnie" (um dos seus geralmente menos prezados mas, confesso, dos meus favoritos filmes do conjunto da obra do Mestre).

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