quinta-feira, 30 de julho de 2009

"Se Não Contarmos Com A Morte Do Doente, A Operação Foi Um Sucesso!..."

Há um "estória" engraçada que li há muitos anos num daqueles livros de anedotas que fizeram as delícias da minha meninice (o "Cara Alegre", o "Mundo Ri" e, muito especialmente, emprestados criteriosamente, um a um, por um tio professor, o deslumbrante "Almanaque Bertrand", janela mágica para um mundo fantástico onde deambulava permanentemente uma multidão de gente excitantemente vestida de velhas casacas de "rabona" e/ou vestidos até aos pés; onde os polícias eram ainda "os cívicos" e onde havia "cozinheiras" e "criadas de fora" "a granel", de coifa e avental, passeando-se animadamente pelas páginas decoradas com arabescos a negro nas margens e poemas de pessoas chamadas Branca de Gonta Colaço e Fernandes Costa---este último, aliás, o director, a pesssoa a quem eu devo, ainda hoje, as horas de autêntico êxtase leitor, consumidas no saudoso sótão da minha Avó, na Rua Palmira aos Anjos); páginas onde regularmente desfilava, por via dessa gente excitantemente "impossível" e "arqueológica" (onde "luzia, por sua vez, ainda algum emocionante André Brun"...) todo um mundo já, definitivamente morto e enterrado ("perdido", diriam o Conan Doyle e, depois dele, o Tod Browning ou o Spielberg...)---mas, por isso mesmo, irresistívelmente fascinante!---nos idos de '50, quando me chegou, pela primeira vez, às mãos.

Bom, mas de tudo isto (que fez, durante vários anos, na minha à época menos que minúscula biblioteca---então "em início de carreira"...---"pendant" com mais umas, não menos religiosamente guardadas e consumidas, "Anedotas do Siô Perêra" escritas, suponho, pelo José de Oliveira Cosme, o criador do 'Tonecas' e dos diálogos dominicais do 'Sr. Vasconcelos' com a esposa e a criada "Jesuína"...); de tudo isto, dizia, houve uma "estória" que nunca esqueci.

Fala ela de um dono de talho particularmente pouco escrupuloso com a higiene do seu... "bífico" e "costelético" negócio (ainda não havia, à época, A.S.A.E., por isso, estava descansado...) que, confrontado, certa ocasião, com as queixas de uma das tais "criadas-de-fora" de coifa e avental, alertada pelo "aroma" particularmente... "feroz" de uma das peças em decomposição... perdão... em exposição no "odorífero" antro comercial do nosso magarefe 'de anedota', respondeu, explicando: "Não! A minha carne não cheira mal, não senhora! Pode comprá-la à confiança! Quem cheira mal sou eu que sou muito pouco asseado com tudo---a começar, aliás, como pode confirmar, pela própria limpeza da loja!..."

Ou coisa semelhante.

Bela e esclarecedora "explicação", não é?...

Eu acho!

Acho-a, sobretudo (e literalmente!)... "de anedota".

... ou achava até hoje.

...Até ontem ou lá quando foi que ouvi aquela extraordinária "notícia" dizendo que, se calhar, o que houve no caso dos nossos concidadãos que cegaram no hospital onde era suposto que, pelo contrário, melhorassem da cegueira que já tinham, foi... sabotagem!

Quer dizer: podem, afinal, os doentes ficar tranquilos que os médicos (ou as enfermeiras ou os farmacêuticos ou os químicos ou seja lá quem for!) de um hospital público pago com os seus e nossos impostos não falharam, não erraram, não se enganaram em coisa alguma: o que pode ter acontecido (e o ministério público já está, aliás, "atentíssimo", já "de olho na coisa"...) é que alguém tenha entrado no laboratório do hospital, tenha tido acesso franco a um serviço e, especificamente a um produto envolvendo o melindre e a delicadeza específicos daquele; que tenha tido «tempo e feitio» (e acesso livre a uma seringa) para injectar-lhe uma outra substância tóxica (que também terá tirado de lá, do laboratório ou da farmácia da instituição? Já agora... Sempre lhe ficava, pelo menos, mais "em conta", não?...), tenha voltado a sair sem ser detectado (não tem seguranças nem câmaras de vigilância, "aquilo?") e, por fim, que quem ministrou o produto adulterado não se tenha dado minimamente conta da "marosca", nem pelo aspecto do produto nem por qualquer sinal material de violação ou manipulação indevida na embalagem que não se percebe, aliás, como conseguiu, "par dessus le marché", escapar ao escrutínio de olhos experimentados como os que é suposto que sejam os da equipa médica a cargo da qual está todo o caso!...

É obra, ham?...

Só falta que alguém também diga, "explicando" o que terminou numa tragédia inominável para uns quantos portugueses que tiveram a suprema desdita de cair doentes no Portugal "tecnológico" de Sócrates, Pinhos, Linos, Rodrigues e Co. Lda. e confiar neles à semelhança da (essa hilariante, essa genuína anedota) "estória" da minha meninice: "Não! Os médicos do Sta. Maria são óptimos e os enfermeiros ainda melhores---ou vice versa!

A farmácia exemplar e os químicos paradigmas de eficiência!

Terá sido um mero probleminha "de segurança".

Mas, tirando isso, podemos todos ficar descansados!...
Como dizia "o outro": "Ah! Bom! Foi isso! Assim está bem! Afinal de contas, tudo tem uma explicação, não é!...

[Já agora e só para completar o raciocínio---isto é um raciocínio, ouviram?!...---sugiro a consulta, mesmo rápida, por exemplo, do "Público" de 27.10.08, à notícia redigida por Catarina Gomes intitulada "Portugal não tem registo de erros de medicação, que são responsáveis por sete mil mortes anuais nos E.U.A."

Sabem o que é que isso me faz lembrar, agora?

A "guerra do Solnado"!...

É! Na "guerra do Solnado", há uma parte em que, interrogado sobre o "poderio" naval do exército em que milita, o Solnado esclarece: "Não! Marinha não temos!"

E, imediatamente a seguir, acrescenta:... de fato de banho!..."

Aqui, podia ser: "Não! Estatísticas, não temos: isto de números é... conforme!"

Ou (por que não?): "tem... dias!"

É menos exacto?

Lá isso é mas, em compensação, é muito mais... imaginativo e divertido!]

[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de cartoonstock.com]

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