segunda-feira, 27 de julho de 2009

"Algumas Questões Teóricas Ligadas À Ideia Política de Desenvolvimento" (Texto em Construção)


Começo hoje por exprimir uma (enorme!) apreensão!

Informa a SIC (suponho que foi a SIC: para o caso...) que a tal fábrica braileira em Évora vai mesmo abrir.

Bom, a SIC (se foi ela) não dizia exactamente isso: dizia, isso sim, que o primeiro-ministro tinha ido a Évora (em evidente acção de pré-campanha eleitoral---isto sou eu que digo...) 'lançar a primeira pedra' do que é suposto vir a ser a tal fábrica.

Ora, num país como Portugal isso assusta.

Porquê 'num país como Portugal'?

Porque se há país europeu (fisicamente europeu, pelo menos: quanto ao resto, como dizem os brasileiros "já são mais quinhentos": a gente vê tanta coisa!...); mas, dizia eu, se há país ao qual seja por (discutível...) direito aplicável a etiqueta de "analfabeto tecnológico" é precisamente Portugal.

E o poder político (ainda?) em exercício tem feito, aliás, quanto pode para confirmar e consolidar a ideia.

(Basta recordar aquela brilhante ideia da redução de coimas por crimes ecológicos num país em que eles estão já, para todos os efeitos, objectivamente "descriminalizados" para se perceberem os meus temores...)

Mas aprofundemos um pouco mais tudo isto, começando por aqui: o que é que caracteriza, então, o "analfabetismo tecnológico"?

Que devemos aqui entender achar-se coberto por por tal designação?
Uma coisa é certa: não é seguramente (ao contrário do que sucedeu em tantos outros momentos da História nacional, designadamente até à década de setenta do século passado---desde, de um modo mais remoto, as primeiras, tímidas e, sobretudo, forçadas tentativas de "industrialização" do País levadas a cabo ainda em plena ditadura, na sua fase "marcellista"); o que caracteriza o analfabetismo tecnológico, dizia, não é, pois, nos nossos dias, o desconhecimento da existência dos objectos dessa mesma tecnologia.

Não é sequer o seu não uso mais ou menos corrente e até intensivo: nos dias de hoje, um tal desconhecimento e mesmo um tão não-uso seriam, de resto, sendo a globalização das economias o que é, na prática, completamente impossíveis.

O que caracteriza a iliteracia tecnológica (talvez seja mais rigoroso que nos exprimamos deste modo) são, na (in) essência ou na base, duas características:

Primeira: a inaptidão específica para produzir autonomamente, de forma relevante e significativa, aqueles objectos, isto é, aquilo a que muito... "marxistamente" chamo a «propriedade dos meios de produção social de conhecimento» na pratica coisa.

Portugal não possui tal propriedade.

Não gera autonomamente objectos: consome-os.

Relaciona-se com eles sempre, de uma forma ou de outra, secundária ou até mesmo terciariamente.

Este um traço distintivo da iliteracia tecnológica: a agnosia tecológica mas uma agnosia que é, sobretudo, na sua base, uma "agnosia induzida" ou seja, aquilo que a define e explica, aquilo que a substancia e fundamengta é de natureza (in) essencialmente política.

É de natureza (in) essencialmente política porque resulta do princípio teórico e prático de que a propriedade do conhecimento apto a gerar "valor" sistémico e, por conseguinte, capital (i.e. aquele conhecimento cuja vocação sistémica intrínseca e 'natural' é gerar capital) deve permanecer por definição uma propriedade, em todos os casos, estr(e)itamente privada.

É daqui que resulta tão óbvia quanto necessariamente que os valores de conhecimento em livre circulção na sociedade (nas Escolas do sistema público, desde logo) devam ser necesariamente conservados muito baixos.

Suficientemente baixos em todo o caso para que aquela propriedade ou atributo políticos do conhecimento de serem capazes de gerar "valor" (o qual atributo resulta, de um modo perfeitamente claro e, por isso, facilmente entendível, exactamente daquilo a que chamo a «raridade relatival» ou sistémica do saber numa dada sociedade---ou sistema "global" delas, no caso do actual modelo geo-ecoónomico mundial); suficientemente baixos em qualquer caso, dizia, para permitir que aquele atributo atrás citado possa funcionar natural e continuamente.

Desta primeira característica resulta a segunda que é a impossibilidade de um paradigma de economicidade assim (des?) estruturado (i.e. assente na propriedade estr(e)ita e limitadamente privada dos meios de re/produção social de conhecimento) gerar, por sua vez (e por definição) qualquer verdadeira "democracia do conhecimento" e, muito menos, como é óbvio, a tantas vezes (e por tantos...) cantada "gnoseotopia" em que supostamenter viveríamos como sociedade histórica e política sob a designação---profundamente enganadora, aliás---de 'sociedade do conhecimento'.

O meu receio (atrás expresso) vem directamente daqui, da inexistência de uma qualquer autêntica "democracia do conhecimento" entre nós.

Uma tal democracia pressuporia, no plano institucional, que as escolas impartissem, de facto, formas de saber que hoje são propriedade exclusiva de grandes conglomerados económico-financeiros tranasnacionais, onde se encontram rigorosamente protegidos (costumo, por razões que suponho se entendem facilmente utilizar neste contexto as expressões "enclosed" e/ou "knowledge enclosures"...) por um Direito particularmente severo e exigente, capaz, de resto, de produzir verdadeiras enormidades jurídicas à partida dificilmente pensáveis como aquelas que o governo francês quis recentemente ver aprovadas tendo como base o uso de informação virtual e envolvendo a suspenção drástica do acesso à Internet após xis violações desse mesmo Direito, para dar apenas um exemplo).

Ora, não havendo, de facto, difusão de conhecimento essencial ou primário numa sociedade (o que em regra e, volto a dizer: por definição, por sistema) chega à sociedade é o que foi já, na dua in/essência, desactivado como matéria-prima da re/produção do tal "valor" político que lhe é atribuido) o que daí quase inevitavelmente (apenas quase?...) é uma natural ausência de "controlo crítico" fundamentado por parte dos cidadãos em geral (mesmo de muitos dos formalmente escolarizados) e relativamente à generalidade dos produtos da tecnologia, por meio dos quais (insisto sempre neste particular) estamos, como sociedade e até (pior e mais grave, ainda!) como "cultura", separados do---não ligados ao---processo de produção do saber que está na origem da produção daqueles mesmos objectos.

Que para nós tendem, pois, a permanecer, de forma estável e, sobretudo, tópica, completamente opacos enquanto expressão concreta ou 'concretada', por um lado, de um conhecimento cuja des-propriedade, por meio da propriedade deles, aceitamos politicamente prescindir mas, de igual modo e por outro lado, das propriedades e atributos específicos (físicos, químicos, etc.) quwe a eses objectos estão organicamente associados.

Isto é, para mim um telemóvel, por exemplo, não é topicamente nem um conjunto de propriedades físicas, electro-magnéticas, etc. causal e inevitavelmente asociadas a uma teoria integrada de circuitos (daqui resultando o fenómeno subjeccional---comum nas sociedades a que vulgarmente se chama "de consumo"---a que chamo de "desrepresentação cultu(r)al persistente e típica" ou "meta-representacionalidade inorgânica e simbológica" característica do nosso modo cultu(r)al de nos relacionarmos---lá está: sempre, de forma tendencial, inorganicamente---com a tecnologia) nem um conjunto de efeitos igualmente físicos muito precisos com inevitável acção sobre nós próprios enquanto organismos vivos.

Repito porque está é uma questão verdadeiramente chave: é o fenómeno político do "enclosing cognicional" (com o paradigma muito específico de negociação e contratação social e política que lhe subjaz) que fundamenta o modelo "moderno" das sociedades ditas "de consumo".

A estas tenho, muitas vezes, designado como sociedades "endocoloniais" ou mesmo "endo-neo-coloniais".

Por que razão o faço?
Porque é possível considerar (porque é crítica e analiticamente legítimo considerar) que, as sociedade em causa (muitas delas antigas potências coloniais formais) trouxeram afinal para o interior de si mesmas o "desenho conceptual" básico, primário, das antigas relações coloniais entre o colonizador e o colonizado.

Ou seja: segundo a definição clássica de colonialismo, o colonizador (a) importa da colónia ou colónias matérias-primas em estado tão puro ou tão por transformar quanto possível; (b) tranforma-as autonomamente, gerando a partir daí uma (ou várias, mais ou menos concêntricas) indústrias e associado a elas um padrão 'desenvolvido' (estruturalmente diferente do colonial, embora também, por definição, assimétrico, desigual) de redistribuição social da riqueza gerada (o padrão de redistribuição da pobreza igual e necessariamente no processo de produção de riqueza está, em termos económicos e sociais, como se sabe, organizado de forma mais ou menos rigorosamente simétrica do anterior, como também é, aliás, sabido...) e, por fim (c), o colonizador completa o ciclo revendendo para a colónia ou colónias onde se originou a matéria-prima os produtos transformados da mesma.

Assim, se geram mais-valias mas é também assim que o saber é muitas vezses usado, ele mesmo, como uma ultra-valia que gera continuamente "valor" porque, de um mesmo conhecimnto que permanece enquanto estiver 'activo' nas mãos do mesmo proprietário é não-raro possível extrair diversos produtos e, por conseguinte, seguir "mais-valorizando" casuisticamente um mesmo saber.

É esse facto de o saber ser capaz de gerar diversos conjuntos ou séries de produtos relacionados que explica a razão por que lhe chamo, um pouco indiferentemente, além de "matéria-prima" de capital e/ou "proto-capital", também uma "ultra-valia" de si mesmo, como atrás fica dito.

Mas porque falo eu de "endo-colonialismo" num contexto em que as colónias originais dos países europeus seguidores deste modelo "de consumo" são hoje já, na sua totalidade, países politicamente independentes, sujeitos a outras modalidades formalmente mais sofisticadas de influência, senão mesmo, em diversos casos, aberto controlo económico-financeiro)?

Porque, se o observarmos com o cuidado analítico e a escrupulosa atenção crítica que merece (afinal de contas, é a sociedade em que temos de viver, não?...) não nos será, talvez, difícil constatar que onde o "velho" colonialismo formal punha matérias-primas materiais, põem agora os poderes económico-políticos vigentes nas próprias sociedades anteriormente colonizadoras---exo-colonizadoras...--- virando-se para o interior das suas próprias sociedades o nuclearmente o conhecimento e (claro!) o Direito que, como atrás recordo, permite que ele permaneça social, política (e também, já agora: também juridicamente) 'negociado' ou 'contratado' socialmente exactamente como está e nas mãos de quem está.

O resto, é em tudo similar ao antigo paradigma colonial: o "endo-colonizador" apodera-se do conhecimento, "negoceia-o politica e juridicamente" com a sociedade, guardando-o obviamente para si e dando "em troca" os produtos que dele se foram gerados.

Exactamente, repito, como no antigo modelo colonial tipo.

E tal como nele (ou em qualquer área da produção levada a cabo segundo um modelo ideológico similar) um dos prssupostos da funcionalidade ou operatividade do paradigma é que ninguém possa concorrer com ele, isto é, que numa sociedade a propriedade dos meios de produção de conhecimento permaneça ou estr(e)itamente privada ou protegida por um Direito que veda à própria sociedade consituir-se em concorrente dos produtores devidamente "autorizados".

A sociedade "de consumo" representa, neste quadro, a admissão geral do modelo desigual em causa, transformando-o secundariamente no desejo por parte dos... "endo-colonizados" de que o próprio "endo-colonialismo" (o paradigma de "troca desigual" sobre o qual ele basicamente assenta) se mantenha.

Isto é: transfere-se, deste modo, o "ónus teórico" da manutenção do sistema do "endo-colonizador" para o próprio "endo-colonizado" que, assim (como, aliás chegou a acontecer em diversas sociedades coloniais formais) é ele que pede ao colonizador que não abandone o sistema por meio do qual o oprime e priva do que chamo a propriedade dos meios de acesso cognitivo directo à realidade.

A relação "moderna" e "pós-moderna" dos indivíduos com o saber (e, onbviamente, no limite com a própria realidade) vem sempre, com efeito, mediada por um seu "proprietário legal" que a (IN!) acessibiliza via os produtos que dela autonomamente extrai e/ou vai sucessivamente transformando.

Apresentado com a minúcia possível este quadro contextualizador da questão que comecei por apresentar (o meu medo relativamente à abertura anunciada de uma fábrica de aviões ou de partes de avião em Évora) resulta que esse medo se origina, sobretudo, na incapacidade sistémica... "adquirida", isto é, "educada" (cultu(r)al e politicamente "educada") que inevitavelmente tem de ser evidenciada nas (e pelas!) sociedades como a nossa onde o conhecimento é uma estr(e)ita propriedade mas não de todos de modo que possa igualmente ser de todos o domínio das respectivas consequências objectivas necessárias.

Numa sociedade assim concebida, é fácil "vender" modelos de "desenvolvimentalidade pura" com o argumento fácil e alienante da famigerada "criação de postos de trabalho".

Com este "argumento" se justifica ("justificam" as sociedades "tecnologicamente iletradas") virtualmente tudo.

...Até a fixação de paradigmas de pura "desenvolvimentalidade des/estruturalmente inorgânica" (e disfuncionalmente "esquizofrénica") onde é possível, como também tantas vezes tenho repetido (como tantas vezes tenho denunciado!) conceber um "progresso" independentemente de um "ambientalismo orgânico" que é, por definição, uma componente ínsita (e íntegra!) do único Progresso realmente bom que é que é orgânico e simultaneamente (até por isso) sustentável.

Onde é, além disso e ainda mais grave do que isso, conceber uma "felicidade técnica" da Economia independentemente da felicidade humana relativamente à qual aquela "felicidade técnica" devia sempre e em todos os casos operar como instrumento e não como referenciador autonomo e (literalmente!) único.


[Imagem ilustrativa extraída com vénia da Net de neve.frio.blogs.sapo.pt]

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