sexta-feira, 3 de julho de 2009

"Morreu Karl Malden"


Era, acima de tudo, um solidíssimo e notabilíssimo "secundário"--daqueles que (como tantos outros, aliás--de que cito de imediato o dificilmente esquecível Walter Brennan de "Ter e Não Ter" ou "Rio Bravo"--constituíram, de algum modo, o "cimento" indispensável sobre o qual assentou o cinema-indústria norte-americano e que permitiu, afinal, que dele emergisse finalmente, com os Hawks, os Fords, os Hustons, os Hitchcocks e "tutti quanti" regularmente, de tantos em tantos tempos, uma obra-prima absoluta) já há algum tempo retirado.

Dele nos ficam coisas magníficas de inteligência e consistentíssimo, sempre caracteristicamente contido, «savoir faire» que vão desde o 'Mitch' de "A Streecar Named Desire" de Kazan ao 'Omar Bradley" do (apesar de tudo...) portentoso (utilizo aqui o termo numa acepção, sobretudo, muito próxima da tradução literal do inglês "portentous"...) "Patton" de Franklin J. Shaffner (obra cuja... "coppoliana" abertura evocando a sugestão em "trompe l'oeil' de diálogo directo com a audiência que Coppola, colaborador de Shaeffner em "Patton", retomaria, como se sabe, brilhantemente no seu 'operático'---e desafiador, a vários títulos subversivo---"The Godfather" constitui, aliás, um momento prodigioso de eficiência e puro 'génio narracional').

Malden, que nunca foi (por razões, sobretudo... nasais, de resto, óbvias) um "galã", compôs, com algumas excepções porventura menos felizes, sobretudo "tipos" discretos e muito subtil ou muito tensa---mas também, em geral, muito densamente---"problemáticos" (neste registo Kazan, por exemplo, tira "tudo" dele no já referido 'Mitch' de "A Streetcar..." onde era preciso que todo o "sound" e toda a "fury" da personagem de Marlon Brando/Stanley Kowalski encontrasse um agudo, radical, poderosamente patético contraponto dramático que, não se apagando---pelo contrário!---cumulativamente fosse capaz de potenciar, num registo poderosa--mas também e não por acaso...---baça ou opaca---mas, em caso algum, anodinamente!...---também ele... "actor's studio", esse "sound" e essa quase... animal "fury"---registo esse onde Malden se moveu, como é sabido, sempre---e aí mais do que nunca---na absoluta mas invariavelmente sóbria, tremendamente eficaz perfeição).

Com o seu "ofício" falsamente desarmónico e ilusoriamente irrelevante (em deliberado contraste com os Brandos, os Burt Lencaster ou os Steve McQueens com os quais, entre muitas outras "estrelas" absolutas, contracenou) fez a "ponte" ideal entre aquela "transpiração" e aquela outra menos tangível---e menos facilmente atingível!---"inspiração" de que falava Chaplin e que se "casam" sempre, uma e outra, à maravilha no estilo severamente não-assertivo e mesmo não-raro deliberadamente... "encoberto" (como certos dias, à sua maneira poderosamente evocativos, crepuscularmente empolgantes e até, por vezes, arrebatadoramente definitivos, de outono...) do agora desaparecido, dificilmente repetível, prodigioso mas sempre, de um modo ou de outro, íntimo, Karl Malden...

7 comentários:

Luiz Pierotti disse...

Confesso que não me era conhecido,mas há de serem breve.
Abraço.

Carlos Machado Acabado disse...

Amigo Hashishin:
Como está?
Tudo bem aí desse lado do mar?
Se quiser conhecer um pouco melhor este 'bom velho Malden', sugiro-lhe os filmes "Patton" de Franklin J. Shaeffner ou melhor ainda, "A Streetcar Named Desire" do Elia Kazan, baseado na peça do Tennesee Williams.
Este último, em especial (se não for pelo Malden que é um tipo discretíssimo mas muito eficaz!) pelo Brando e pela Vivian Leigh.
Fantástico o retrato de auto-dissolução dado por esta última!
Veja e depois diga-me, ham?
Um abraço para você(s) também!

Gonçalo disse...

"A streetcar named desire" ou "Um eléctrico chamado desejo" deu ontem à noite no canal 2.

Carlos Machado Acabado disse...

Viu, Gonçalo?
Eu revi---e regravei...
Não resisti!
É uma autêntica orgia de técnica teatral (de Teatro com maiúscula!) 'milagrosamente' transformada numa «coisa» estética e psicologicamente freudiana, pungente e (quase?...) 'perfeita'.
A eloquência do excesso corporizada no prodigioso animal Brando, è época, em pleno apogeu das suas incomparáveis virtudes e não menos dificilmente imitáveis (ainda que, nem por isso, menos imitados...) defeitos mas, sobretudo, nessa tão... "tennesse-williamsiana" Vivian Leigh em torno da qual tudo, afinal, gira.
Houve quem na altura achasse o filme "frio" mas com... "frios" daquele nível se podia e pode aquecer uma cinematografia inteira e até, de algum modo, uma carreira (a de Kazan) que a coragem e a dignidade decididamente estiveram longe de 'iluminar', em toda a sua extensão...
Seja como for, um grande momento de...
...a dúvida é apenas sobre se é mais exacto dizer "Teatro no Cinema" se "simplesmente" "Cinema"...
Eu atrevo-me a dizer: de uma perspectiva crítica, superativa e ousadamente dialéctica, Cinema!

Gonçalo disse...

Não vi porque não sabia que ia dar,só vi a parte final, mas já tinha visto em DVD e gostei bastante e eu até gosto mais de filmes de ficção científica ou de épicos.São filmes de um cinema industrial ainda numa fase inicial,agora fazem-se filmes em série e à pressão e a maioria é de muito fraca qualidade.Mas é uma obra-prima que recomendo.

Gonçalo disse...

E ainda sobre filmes vi sim pela primeira vez também no 2 "Laranja Mecânica" de Kubrick e francamente não gostei muito.Mas esses filmes com o Marlon Brando e a "Laranja Mecânica, que julgo foi realizado uns meses antes do 25-4 deviam dar grandes dores de cabeça à censura eheheh!

Carlos Machado Acabado disse...

O "Eléctrico..." correu no circuito comercial mas levantou, de facto, muita celeuma.
Aliás, como toda a obra do Tennesse Williams (de cujas peças se fizeram filmes que eram invariavelmente olhados com enorme receio pelo establishment crítico e não só do 'regime').
Mesmo a do próprio Kazan no cinema ("A Leste do Paraíso", "Viva Zapata" e por aí adiante) não era exactamente de molde a deixá-lo propriamente muito sossegado...
Quanto à de Kubrick (como a do Pasolini, por exemplo) chegava-nos, sobretudo, de... nome, em revistas de cinema e na primeira série do "Jornal de Letras e Artes".
Às vezes, era, de resto, preferível não ver do que "ver" tudo mutilado e escortinhado pela censura...
Voltando ao Kubrick: "Paths of Glory", antes do 25 de Abril... "é mentira".
"Lolita", se bem me lembro, outro tanto e "A Laranja..." nem pensar!
Quem queria ver... ia a França, à Bélgica ou à Holanda onde eu a vi, pela primeira vez, dobrada em... holandês.
Mas é, de facto, um filme-chave do século XX.
E não só...
O "Eléctrico...", por sua vez, é um verdadeiro hino ao Teatro e um autêntico «festival de excessos» de todo o tipo (desde o plano teórico ou conceptual: Stanislavski via "Actor's Studio") ao especificamente técnico (no que respeita ao trabalho de composição estritamente individual dos actores).
Sem esquecer o modo como a narrativa é em si mesma concebida e equacionada em termos muito concretos, objectivos.
A proposta de organização «simbiótica» pessoal entre Teatro e Cinema oferece, de facto, propostas, sem dúvida, muito estimulantes.
Pena o Kazan ser o tipo que era, como pessoa---uma circunstância que alguns aspectos do seu cinema, aliás, incorporaram e, de um modo ou de outro, reflectem (como, desde logo, o famosíssimo "Há Lodo no Cais" (que passou entre nós, de resto) e onde ele tenta, através da ficção, 'justificar-se'...)