Na página do Provedor de 31.10.10, traz o do "Público", José Queiroz, à colação, um tema que me é particularmente caro que é o da precisão linguística e especificamente lexical enquanto meio de organizar minimamente a língua, protegendo-a da pressão [de da contaminação] muito forte dos modismos ligafos à "indústria da palavra" nas suas diversas formas actuais [jornalismo, política, etc.] e tentando, desse modo, proceder a uma fixação conceptual [e às vezes mesmo a reparações e rconceptualizaç~es pontuais] uma e outras tão necessárias e, em inúmeros casos, urgentes.
O texto do provedor [partindo do que entende---e a meu ver, com toda a correcção e propriedade---constituir a necessidade de distinguir os "islamitas" dos "islamistas" nos artigos de jornal e, de um modo mais lato, no debate envolvendo essa questão hoje-por-hoje candente das relações entre o mundo genericamente cristão e o muçulmano nas suas múltiplas formas e nos seus múltiplos matizes: há muito que venho, eu próprio, fazendo uma coisa em tudo análoga com "palestino" e "palestiniano"]; partindo daí, desse aspecto particular do discurso jornalístico designadamento do do "seu" jornal, dizia, o texto do provedor aponta, porém, em meu entender e em última análise, para aquela que constitui, para mim, a grande lei que rege o funcionamento correcto e epistemologicamente são das línguas vivas [não das línguas... viúvas de verdadeiro conteúdo e, em geral, da capacidade para o exprimirem de forma sempre dinâmica e eficaz]: a lógica e a educada estabilidade conceptuais [e conceptuantes] aplicadas a um corpus básico estrutural/estruturado [lexical e organizacional] de cuja re/des-construção organizada contínua se vai ininterruptamente fazendo eficieazmente a própria língua.
Ou seja: tal como eu a vejo a questão do "correcto" e do "incorrecto" em linguística constitui, de facto, num certo sentido dinâmico profundo, orgânico, global, em termos reais, um mero jogo dialéctio intermédio para se atingir o "correcto expressional" e, num certo sentido lato, "funcional" que representa a síntese dialecticamente final das duas.
Se assim não fosse, estaríamos todos hoje ainda a falar... indo-europeu correcto e não as múltiplas modalidades de indo-europeu "errado" que são as inúmeras línguas modernas à excepção do basco, como se sabe.
O problema não é "falar errado": o problema é, como titularia Saramago, não saber o que fazer lógica e, por isso, educadamente com o "erro".
As línguas modificam-se por duas ordens de razões: porque se modifica o seu próprio conteúdo [porque a realidade não é estática e as línguas 'inteligentes' estão sempre disponíveis para entenderem o fenómeno e darem-lhe epistemologicamente abrigo adequado e funcionante no seu núcleo básico de princípios, no seu código genético estável] ou porque pretendem arbitrariamente modificá-las uns quantos utilizadores ou grupos de utilizadores segundo uma i/lógica em tudo típica da que preside à fixação genérica dos diferentes tipos de "modas", algo que constitui, aliás, uma espécie de "regra" metalinguística tópica no universo da chamada "[in] cultura mediática".
A questão não é, pois, "errar" ou divergir": é a de como reintegrar e explicar linguisticamente a cada "momento construcional" o "erro dialéctico", ajudando a língua a, como gosto de dizer, "voluir" continuamente, isto é, a modificar-se, como digo, contínua mas também organizada e, sobretudo, organicamente.
Parar uma língua a pretexto do erro [que era, como é sabido... um erro comum da linguística normativa do passado] significa, na prática sufocá-la e, pior ainda [mais grave ainda!] sufocar o seu próprio conteúdo expressional possível e, de facto, desejável.
"Cortar-lhe as asas", parar a História, disciplinar a criatividade e tutelar tão autoritária quanto, de facto, gratuitamente a própria liberdade---que era algo, como também é sabido e é evidente, absolutamente típico-e-tópico dos regimes políticos que deram em geral cordial abrigo a essa visão quasi-metafísica da língua, como foi o caso português durante a ditadura.
... ou espanhol durante o franquismo período em que a pressão política traduzida na imposição oficial do uso do castelhano paralisou e quase inviabilizou definitivamente a língua basca, artificialmente presa a um léxico agrarizante, parado no tempo---e isto por muito pouco que progredisse o "tempo franquista", linguisticamente também...
Pessoalmente, terei começado a perceber isto nas aulas de Latim quando, nas famigeradas [mas utilísimas para o processo de construção e de consolidação de um modelo organizado de pensar, de estruturar o pensamento!] retroversões latinas a cada passo se punha a necessidade de "inculcar" retroactivamente na "geométrica" e robusta, fechada, gramaticidade do latim, termos como "avio, avionis" ou "televisor, televisoris", prática que o meu professor de latim da época, o saudoso José Lino Pereira Lopes, um dos melhores mestrsws que tive ocasião de conhecer, muito inteligentemente, a cada passo, incentivava...
A alternativa, como ele soube eficazmente explicar-nos, era, naturalmente, não falar de aviões ou frigoríficos, esquecer que eles existiam, simular linguística e academicamente a sua inexistência---que é como quem diz e como, de resto, facilmente se percebe, viver, desde logo, linguística mas, na realidade, conceptivamente uma quantiodade maior ou menor não de anos mas de séculos---de "séculos mentais e cognitivos" ou "cognicionais" atrás...
Assim, nas aulas, fazíamos---começámos a fazer---pela língua, neste caso, latina aquilo que ela por razões óbvias não pôde por si mesma fazer.
Mas mais: começámos sobretudo a fazer outro tanto pelo pensamento.
Pelo pensamento que subjaz às línguas, que explica a existência de línguas, que faz e/ou permite [continuar a] fazer as línguas mas que faz e permite, sobretudo, continuar a fazer o pensamento, a consciência, a identidade existencial e cognitiva estável e, à sua maneira, necessária ["necesitária", prefiro dizer...] dos indivíduos.
Era o tempo, não "do arco-íris", como na canção famosa mas dos tenebrosos "galicismos" e "anglicismos", severamente banidos e castigados com um implacável e quasi-inquisitorial rigor que se reflectia, como é evidente, tãon imediata quanto tragicamente nas "notas"...
O tempo em que partíamos diariamente à [e não emprego aqui o termo de forma gratuita!...] "cruzada" contra os "estrangeirismos" corruptores da nossa própria suposta "pureza linguística" [a cruzada contra os "detalhes" "e os "faz frio" que deixavam os nossos mestres liceais em geral apopléticos e invariavelmente nos valiam os tenebrosos "medíocres mais e menos" que tanto trabalho davam, depois, a "justificar" em casa...
Era o tempo em que era 'legalmente' impossível subtilizar ulteriormente a língua dizendo, por exemplo [é um exemplo que dou sempre porque me valeu rigorosas---e embaraçosas!---censuras públicas numa aula de Português do velho "Gil Vicente"...] a "oficina do artista" [integrando obviamente a ideia do labor, do trabalho, do suor, da "transpiração" de que falava Chaplin numa frase célebre ou, por outro lado, cumulativamente, a sugestão subtil da incapacidade de um certo artista se elevar acima da mediania: estava tudo lá, no uso subtilmente adjectivado do termo "oficina" como algo perfeita e, sobretudo, intencional, estudadamente distinto do "atelier"]---uma dinâmica expressional educadamente transgressora que os rígidos e inflexíveis códigos morais-linguísticos da época nem sequer sonhavam admitir ao menos como ideia ou conceito.
Li há dias num jornal que uma certa criancinha tinha regressado da primeira aula do ano, a clássica "Aula de Apresentação"] já ao que parece completamente "desmotivada" porque, "explicava" o pai solícito, pressuroso, o respectivo professor tinha "passado a aula toda" a dizer "prontos".
Só conheço, repito, o "episódio" [que diz, aliás, muito---que diz, afinal, tudo!---sobre o nosso paradigma---não hesito em dizer: em geral estupidamente---"puerocrata" e "pedómano" ou "pedomaníaco"---supostamente---"educativo"];
Desconheço, por isso, o grau de cultura [e em geral de inteligência] deste pai, o mimo que dá à criancinha e todos esses... "detalhes"...
... que, de resto, para o caso interessam pouco, interessando, sim, a partir do episódio, explicar como procederia um pai ou um educador realmente esclarecido e adulto.
Desde logo, explicando tudo isto, ou seja, o que chamo "a permanente instabilidade criacional continuamente ressignificável" da matéria linguística e a necessidade de ser lúcido e tolerante [sem deixar obviamente de ser contrextualizador e, sobretudo, em todos os casos, crítico!] com ela.
Porque é essa "instabilidade" ideal e inteligentemente "positivável", digamos assim, que permite, como atrás dizia, continuar eficazmente a construir "idiomaticidade", ou seja, a a participar activamente [mesmo que seja "apenas" sob forma crítica e analítica] na respectiva construção.
Um educador esclarecido e tolerante começaria, em meu entender, por explicar, desde logo, que "era curioso que a criancinha se tivesse dado conta daquela repetição", admissivelmente porque ela terá sido, de facto, muito frequente e que justamente uma primeira regra [não exclusivamente linguística, aliás!] envolvendo o bom uso dos objectos expressionais, de um modo genérico, consiste exactamente na ideia ou na pretenção de evitar o respectivo esvaziamento por repetição mecânica e, ao invés, no projecto de estabelecer um balanceamento judicioso constante entre a originalidade e essa mesma [aliás, utilíssima, genericamente funcionalíssima!] mecânica, no sentido de potenciar a primeira enquanto marca de intervenção marcadamente pessoal no processo específico de "construir língua" mas, de igual modo, a segunda enquanto componente socializadora e genericamente integradora indispensável no contexto dos dispositivos básicos de partilha global eficaz de sentido.
Este, um primeirio ponto.
Depois, esse mesmo educador explicaria, por exemplo, que aquilo que verdadeiramente faz a língua no seu todo não é [lá voltamos nós ao mesmo!] exactamente, de forma necessária, a sua correcção técnica e/ou formal [senão, repito, ainda hoje estaríamos todos a falar... "indo-europeu"] é a aceitação em larga medida "objectual" que ela encontra junto dos que a usam.
Se eu, com efeito, repetir continuamente uma determinada formulação, a tendência inevitável, a partir do momento teórico em que a respectiva "gravidade sémica" fixa a si estavelmente "sentido" ou "significado" especifico, é para que essa formulação se torne "correcta".
Torna-se correcta exactamente porque é capaz---se tornou capaz---de veicular autonomamente "sentido" ou "significado": a partir daí, impõe uma redefinição ulterior [que é sempre num cert sentido demonstrável "objectualmente dialéctica"] do próprio conceito de "correcto", sob pena de começarmos a desenquadrar [de facto, a alienar!] a língua da sua relação "lógica" e ecológica---porque ecológica---natural com a própria realidade e, portanto, consigo própria.
Explicaria [por palavras mais fáceis, mais acessíveis a uma criança, como é evidente!] ainda que há termos que se trans-substanciam e re-substanciam recategoriando-se neste contrexto dialéctico permanente.
Por exemplo: se a criança estranhou [se se... "desmotivou"] pelo facto de o professor repetir o termo "prontos" e não, por hipótese, "pronto" num contexto de menor frequência por que não, desde logo, admitir a intenção inclusiva em tese atribuível ao termo usado: "estamos todos prontos a passar a outro ponto da minha exposição ou da minha proposta de apresentação recíproca", por exemplo?
Mas há, de facto, como atrás dizia, também por exemplo, formas originalmente verbais que, a dado passo da sua "volução" concreta, adverbializam espontaneamente, sendo a partir daí, dessa recategoriação dialéctica específica, ilegítimo, sem recurso ao exercício de formas de violência arbitrária e varbitrariamente exterior sobre o processo de construção linguística, continuar simplesmente a dizer que "estão erradas".
Bastava que o nosso pai esclarecido e tolerante explicasse à criança que, se ela se "desmotiva" com o "prontos", deveria naturalmente "desmotivar-se" ainda mais, por exemplo, com a professora ou qualquer outra pessoa do sexo feminino que dissesse "obrigado" e não "correctamente" "obrigada" para agradecer.
Ou o professor ou professora que, falando em nome da escola que recebe os jovens [ou qualquer pessoa pronunciando-se em nome de um colectivo] não dissesse, em todos os casos, "obrigados" e até [coisa estranha!] "obrigadas" igualmente num contexto de similar agradecimento.
Isto porque, queiramo-lo ou não, o termo "obrigado" passou já por um processo normalizador de adverbialização que tende demonstravelmente para a uniformidade de género que permite, de modo prático, universalizá-lo e, num certo sentido, associado desde logo, ao princípio do menor esforço", funcionalizá-lo.
Pais e educadores esclarecidos não se "desmotivam", pois, com os fenómenos da prática linguística nem deixam que os seus filhos e educandos o façam: não estabelecem com eles, fenómenos, um "rapport" arbitrariamente "moral" e "metafísico" tentam contextualizá-los e analisar criteriorisamente a possibilidade da sua reintegração secundária na língua ou, em último caso, procuram reconstituir esse processo, no caso de já se ter verificado, reflectindo, sempre critica e, se possível, também inteligentemente, com os seus educandos, sobre ele.
Voltando ao início destas reflexões: têm toda a razão o provedor dos leitores do "Público" e o "Livro de Estilo" do jornal por fazerem este esforço particular de especificação ou 'taxonomização distintiva' da língua e assim procederem, de passo, como digo, à precisão conceptual no âmbito do uso do idioma pelos respectivos jornalistas.
O pedantismo, aliado à ignorância e ambas à pressão transversal da indústria da [chamada] comunicação levaram a língua portuguesa a altserar-se ao acaso da des/inspiração de quem a utiliza para vender informação e tem em geral como estratégia "embelezar o produto palavra" com todo o tipo de motivo de "decoração textual" supostamente sugestivo de originalidade e/ou "cosmopolitismo".
Sucedem-se os "expectáveis" e os "gratificantes", por um lado: é o tal "cosmopolitismo" a funcionar [embora aqui, como em tudo, a "correcção"---que é, por tudo quanto digo, de facto, sobretudo, uma "normalicização" ulterior do discurso acabe inevitavelmente por sobrevir, induzindo posteriormente, a contrario, por desgaste, novas intervenções indesejavelmente do mesmo tipo no léxico] e os "climatéricos" [aqui é sobretudo a "pompa textual", a falsa ciencialidade do discurso que se procura ou é, pelo menos, ela que substancia o uso de um vocábulo, "climatérico", que, à semelhança, aliás, do que preconiza o citado "Livro de Estilo" do "Público" para "islamita" e "islamista", devia ser usado para referir especificamente incidências no âmbito da meno- e da andropausas, em articulação com a variante "climático", utilizada esta palavra no contexto meteorológico para onde "climatérico" saltou, de modo, a meu ver, completamente disfuncional porque empobrecedor do próprio idioma no qual o uso indiscriminado ou cruzado induz um verdadeiro "curto-circuito sémico"].
Para concluir: à imagem do que sucede num âmbito filosófico lato, verifica-se no âmbito específico da linguística, a meu ver uma premente necessidade de operar uma "revolução" profunda a nível do próprio modo básico, de episteme, de entender e de representar histórica e cientificamente os mecanismos dinâmicos transformadores ou transformacionais da língua; uma "revolução" em tudo semelhante à que ditou a emergência histórica e especificamente filosófica dos existencialsmos.
Ou seja: é preciso readequar em termos conceptivos básicos, epistemológicos, essenciais, o estudo do próprio modo como se origina e se multiplica o "significado" e, de uma forma mais ampla, o "sentido" no interior ds diversos compartimentos inter-dinâmicos [ou «localizações significadas»] da língua, admitindo em todas as suas implicações o princípio de que, também nas línguas [também em "idiomaticidade"] a "existência precede a essência" a qual representa, na realidade, em última análise, tão-somente a atrás citada "renormalicização contínua integrada" e, neste sentido objectual---e objectualizador---específico, sempre secundariamente "orgânica" do próprio discurso levado a cabo pelos indivíduos interagindo com a sua História e com a sua própria consciência, dentro desta.
É, pois, para mim, a própria "ontologia" como a própria "metafísica" da língua que estão em causa, i.e., todo o processo ou processos de reportar esta mesma língua à História e à praxis concreta dos indivíduos e das sociedades por eles formadas.
Sucede que este processo de reflexão estrutural séria sobre os mecanismos do uso da língua pode [de facto, deve] perfeitamente começar pelo "Livro de Estilo" de um jornal diário, pela acção prudente de um "Provedor" dos respectivos leitores ou, "last but not least" pela actuação inteligente de um pai e educador.
O texto do provedor [partindo do que entende---e a meu ver, com toda a correcção e propriedade---constituir a necessidade de distinguir os "islamitas" dos "islamistas" nos artigos de jornal e, de um modo mais lato, no debate envolvendo essa questão hoje-por-hoje candente das relações entre o mundo genericamente cristão e o muçulmano nas suas múltiplas formas e nos seus múltiplos matizes: há muito que venho, eu próprio, fazendo uma coisa em tudo análoga com "palestino" e "palestiniano"]; partindo daí, desse aspecto particular do discurso jornalístico designadamento do do "seu" jornal, dizia, o texto do provedor aponta, porém, em meu entender e em última análise, para aquela que constitui, para mim, a grande lei que rege o funcionamento correcto e epistemologicamente são das línguas vivas [não das línguas... viúvas de verdadeiro conteúdo e, em geral, da capacidade para o exprimirem de forma sempre dinâmica e eficaz]: a lógica e a educada estabilidade conceptuais [e conceptuantes] aplicadas a um corpus básico estrutural/estruturado [lexical e organizacional] de cuja re/des-construção organizada contínua se vai ininterruptamente fazendo eficieazmente a própria língua.
Ou seja: tal como eu a vejo a questão do "correcto" e do "incorrecto" em linguística constitui, de facto, num certo sentido dinâmico profundo, orgânico, global, em termos reais, um mero jogo dialéctio intermédio para se atingir o "correcto expressional" e, num certo sentido lato, "funcional" que representa a síntese dialecticamente final das duas.
Se assim não fosse, estaríamos todos hoje ainda a falar... indo-europeu correcto e não as múltiplas modalidades de indo-europeu "errado" que são as inúmeras línguas modernas à excepção do basco, como se sabe.
O problema não é "falar errado": o problema é, como titularia Saramago, não saber o que fazer lógica e, por isso, educadamente com o "erro".
As línguas modificam-se por duas ordens de razões: porque se modifica o seu próprio conteúdo [porque a realidade não é estática e as línguas 'inteligentes' estão sempre disponíveis para entenderem o fenómeno e darem-lhe epistemologicamente abrigo adequado e funcionante no seu núcleo básico de princípios, no seu código genético estável] ou porque pretendem arbitrariamente modificá-las uns quantos utilizadores ou grupos de utilizadores segundo uma i/lógica em tudo típica da que preside à fixação genérica dos diferentes tipos de "modas", algo que constitui, aliás, uma espécie de "regra" metalinguística tópica no universo da chamada "[in] cultura mediática".
A questão não é, pois, "errar" ou divergir": é a de como reintegrar e explicar linguisticamente a cada "momento construcional" o "erro dialéctico", ajudando a língua a, como gosto de dizer, "voluir" continuamente, isto é, a modificar-se, como digo, contínua mas também organizada e, sobretudo, organicamente.
Parar uma língua a pretexto do erro [que era, como é sabido... um erro comum da linguística normativa do passado] significa, na prática sufocá-la e, pior ainda [mais grave ainda!] sufocar o seu próprio conteúdo expressional possível e, de facto, desejável.
"Cortar-lhe as asas", parar a História, disciplinar a criatividade e tutelar tão autoritária quanto, de facto, gratuitamente a própria liberdade---que era algo, como também é sabido e é evidente, absolutamente típico-e-tópico dos regimes políticos que deram em geral cordial abrigo a essa visão quasi-metafísica da língua, como foi o caso português durante a ditadura.
... ou espanhol durante o franquismo período em que a pressão política traduzida na imposição oficial do uso do castelhano paralisou e quase inviabilizou definitivamente a língua basca, artificialmente presa a um léxico agrarizante, parado no tempo---e isto por muito pouco que progredisse o "tempo franquista", linguisticamente também...
Pessoalmente, terei começado a perceber isto nas aulas de Latim quando, nas famigeradas [mas utilísimas para o processo de construção e de consolidação de um modelo organizado de pensar, de estruturar o pensamento!] retroversões latinas a cada passo se punha a necessidade de "inculcar" retroactivamente na "geométrica" e robusta, fechada, gramaticidade do latim, termos como "avio, avionis" ou "televisor, televisoris", prática que o meu professor de latim da época, o saudoso José Lino Pereira Lopes, um dos melhores mestrsws que tive ocasião de conhecer, muito inteligentemente, a cada passo, incentivava...
A alternativa, como ele soube eficazmente explicar-nos, era, naturalmente, não falar de aviões ou frigoríficos, esquecer que eles existiam, simular linguística e academicamente a sua inexistência---que é como quem diz e como, de resto, facilmente se percebe, viver, desde logo, linguística mas, na realidade, conceptivamente uma quantiodade maior ou menor não de anos mas de séculos---de "séculos mentais e cognitivos" ou "cognicionais" atrás...
Assim, nas aulas, fazíamos---começámos a fazer---pela língua, neste caso, latina aquilo que ela por razões óbvias não pôde por si mesma fazer.
Mas mais: começámos sobretudo a fazer outro tanto pelo pensamento.
Pelo pensamento que subjaz às línguas, que explica a existência de línguas, que faz e/ou permite [continuar a] fazer as línguas mas que faz e permite, sobretudo, continuar a fazer o pensamento, a consciência, a identidade existencial e cognitiva estável e, à sua maneira, necessária ["necesitária", prefiro dizer...] dos indivíduos.
Era o tempo, não "do arco-íris", como na canção famosa mas dos tenebrosos "galicismos" e "anglicismos", severamente banidos e castigados com um implacável e quasi-inquisitorial rigor que se reflectia, como é evidente, tãon imediata quanto tragicamente nas "notas"...
O tempo em que partíamos diariamente à [e não emprego aqui o termo de forma gratuita!...] "cruzada" contra os "estrangeirismos" corruptores da nossa própria suposta "pureza linguística" [a cruzada contra os "detalhes" "e os "faz frio" que deixavam os nossos mestres liceais em geral apopléticos e invariavelmente nos valiam os tenebrosos "medíocres mais e menos" que tanto trabalho davam, depois, a "justificar" em casa...
Era o tempo em que era 'legalmente' impossível subtilizar ulteriormente a língua dizendo, por exemplo [é um exemplo que dou sempre porque me valeu rigorosas---e embaraçosas!---censuras públicas numa aula de Português do velho "Gil Vicente"...] a "oficina do artista" [integrando obviamente a ideia do labor, do trabalho, do suor, da "transpiração" de que falava Chaplin numa frase célebre ou, por outro lado, cumulativamente, a sugestão subtil da incapacidade de um certo artista se elevar acima da mediania: estava tudo lá, no uso subtilmente adjectivado do termo "oficina" como algo perfeita e, sobretudo, intencional, estudadamente distinto do "atelier"]---uma dinâmica expressional educadamente transgressora que os rígidos e inflexíveis códigos morais-linguísticos da época nem sequer sonhavam admitir ao menos como ideia ou conceito.
Li há dias num jornal que uma certa criancinha tinha regressado da primeira aula do ano, a clássica "Aula de Apresentação"] já ao que parece completamente "desmotivada" porque, "explicava" o pai solícito, pressuroso, o respectivo professor tinha "passado a aula toda" a dizer "prontos".
Só conheço, repito, o "episódio" [que diz, aliás, muito---que diz, afinal, tudo!---sobre o nosso paradigma---não hesito em dizer: em geral estupidamente---"puerocrata" e "pedómano" ou "pedomaníaco"---supostamente---"educativo"];
Desconheço, por isso, o grau de cultura [e em geral de inteligência] deste pai, o mimo que dá à criancinha e todos esses... "detalhes"...
... que, de resto, para o caso interessam pouco, interessando, sim, a partir do episódio, explicar como procederia um pai ou um educador realmente esclarecido e adulto.
Desde logo, explicando tudo isto, ou seja, o que chamo "a permanente instabilidade criacional continuamente ressignificável" da matéria linguística e a necessidade de ser lúcido e tolerante [sem deixar obviamente de ser contrextualizador e, sobretudo, em todos os casos, crítico!] com ela.
Porque é essa "instabilidade" ideal e inteligentemente "positivável", digamos assim, que permite, como atrás dizia, continuar eficazmente a construir "idiomaticidade", ou seja, a a participar activamente [mesmo que seja "apenas" sob forma crítica e analítica] na respectiva construção.
Um educador esclarecido e tolerante começaria, em meu entender, por explicar, desde logo, que "era curioso que a criancinha se tivesse dado conta daquela repetição", admissivelmente porque ela terá sido, de facto, muito frequente e que justamente uma primeira regra [não exclusivamente linguística, aliás!] envolvendo o bom uso dos objectos expressionais, de um modo genérico, consiste exactamente na ideia ou na pretenção de evitar o respectivo esvaziamento por repetição mecânica e, ao invés, no projecto de estabelecer um balanceamento judicioso constante entre a originalidade e essa mesma [aliás, utilíssima, genericamente funcionalíssima!] mecânica, no sentido de potenciar a primeira enquanto marca de intervenção marcadamente pessoal no processo específico de "construir língua" mas, de igual modo, a segunda enquanto componente socializadora e genericamente integradora indispensável no contexto dos dispositivos básicos de partilha global eficaz de sentido.
Este, um primeirio ponto.
Depois, esse mesmo educador explicaria, por exemplo, que aquilo que verdadeiramente faz a língua no seu todo não é [lá voltamos nós ao mesmo!] exactamente, de forma necessária, a sua correcção técnica e/ou formal [senão, repito, ainda hoje estaríamos todos a falar... "indo-europeu"] é a aceitação em larga medida "objectual" que ela encontra junto dos que a usam.
Se eu, com efeito, repetir continuamente uma determinada formulação, a tendência inevitável, a partir do momento teórico em que a respectiva "gravidade sémica" fixa a si estavelmente "sentido" ou "significado" especifico, é para que essa formulação se torne "correcta".
Torna-se correcta exactamente porque é capaz---se tornou capaz---de veicular autonomamente "sentido" ou "significado": a partir daí, impõe uma redefinição ulterior [que é sempre num cert sentido demonstrável "objectualmente dialéctica"] do próprio conceito de "correcto", sob pena de começarmos a desenquadrar [de facto, a alienar!] a língua da sua relação "lógica" e ecológica---porque ecológica---natural com a própria realidade e, portanto, consigo própria.
Explicaria [por palavras mais fáceis, mais acessíveis a uma criança, como é evidente!] ainda que há termos que se trans-substanciam e re-substanciam recategoriando-se neste contrexto dialéctico permanente.
Por exemplo: se a criança estranhou [se se... "desmotivou"] pelo facto de o professor repetir o termo "prontos" e não, por hipótese, "pronto" num contexto de menor frequência por que não, desde logo, admitir a intenção inclusiva em tese atribuível ao termo usado: "estamos todos prontos a passar a outro ponto da minha exposição ou da minha proposta de apresentação recíproca", por exemplo?
Mas há, de facto, como atrás dizia, também por exemplo, formas originalmente verbais que, a dado passo da sua "volução" concreta, adverbializam espontaneamente, sendo a partir daí, dessa recategoriação dialéctica específica, ilegítimo, sem recurso ao exercício de formas de violência arbitrária e varbitrariamente exterior sobre o processo de construção linguística, continuar simplesmente a dizer que "estão erradas".
Bastava que o nosso pai esclarecido e tolerante explicasse à criança que, se ela se "desmotiva" com o "prontos", deveria naturalmente "desmotivar-se" ainda mais, por exemplo, com a professora ou qualquer outra pessoa do sexo feminino que dissesse "obrigado" e não "correctamente" "obrigada" para agradecer.
Ou o professor ou professora que, falando em nome da escola que recebe os jovens [ou qualquer pessoa pronunciando-se em nome de um colectivo] não dissesse, em todos os casos, "obrigados" e até [coisa estranha!] "obrigadas" igualmente num contexto de similar agradecimento.
Isto porque, queiramo-lo ou não, o termo "obrigado" passou já por um processo normalizador de adverbialização que tende demonstravelmente para a uniformidade de género que permite, de modo prático, universalizá-lo e, num certo sentido, associado desde logo, ao princípio do menor esforço", funcionalizá-lo.
Pais e educadores esclarecidos não se "desmotivam", pois, com os fenómenos da prática linguística nem deixam que os seus filhos e educandos o façam: não estabelecem com eles, fenómenos, um "rapport" arbitrariamente "moral" e "metafísico" tentam contextualizá-los e analisar criteriorisamente a possibilidade da sua reintegração secundária na língua ou, em último caso, procuram reconstituir esse processo, no caso de já se ter verificado, reflectindo, sempre critica e, se possível, também inteligentemente, com os seus educandos, sobre ele.
Voltando ao início destas reflexões: têm toda a razão o provedor dos leitores do "Público" e o "Livro de Estilo" do jornal por fazerem este esforço particular de especificação ou 'taxonomização distintiva' da língua e assim procederem, de passo, como digo, à precisão conceptual no âmbito do uso do idioma pelos respectivos jornalistas.
O pedantismo, aliado à ignorância e ambas à pressão transversal da indústria da [chamada] comunicação levaram a língua portuguesa a altserar-se ao acaso da des/inspiração de quem a utiliza para vender informação e tem em geral como estratégia "embelezar o produto palavra" com todo o tipo de motivo de "decoração textual" supostamente sugestivo de originalidade e/ou "cosmopolitismo".
Sucedem-se os "expectáveis" e os "gratificantes", por um lado: é o tal "cosmopolitismo" a funcionar [embora aqui, como em tudo, a "correcção"---que é, por tudo quanto digo, de facto, sobretudo, uma "normalicização" ulterior do discurso acabe inevitavelmente por sobrevir, induzindo posteriormente, a contrario, por desgaste, novas intervenções indesejavelmente do mesmo tipo no léxico] e os "climatéricos" [aqui é sobretudo a "pompa textual", a falsa ciencialidade do discurso que se procura ou é, pelo menos, ela que substancia o uso de um vocábulo, "climatérico", que, à semelhança, aliás, do que preconiza o citado "Livro de Estilo" do "Público" para "islamita" e "islamista", devia ser usado para referir especificamente incidências no âmbito da meno- e da andropausas, em articulação com a variante "climático", utilizada esta palavra no contexto meteorológico para onde "climatérico" saltou, de modo, a meu ver, completamente disfuncional porque empobrecedor do próprio idioma no qual o uso indiscriminado ou cruzado induz um verdadeiro "curto-circuito sémico"].
Para concluir: à imagem do que sucede num âmbito filosófico lato, verifica-se no âmbito específico da linguística, a meu ver uma premente necessidade de operar uma "revolução" profunda a nível do próprio modo básico, de episteme, de entender e de representar histórica e cientificamente os mecanismos dinâmicos transformadores ou transformacionais da língua; uma "revolução" em tudo semelhante à que ditou a emergência histórica e especificamente filosófica dos existencialsmos.
Ou seja: é preciso readequar em termos conceptivos básicos, epistemológicos, essenciais, o estudo do próprio modo como se origina e se multiplica o "significado" e, de uma forma mais ampla, o "sentido" no interior ds diversos compartimentos inter-dinâmicos [ou «localizações significadas»] da língua, admitindo em todas as suas implicações o princípio de que, também nas línguas [também em "idiomaticidade"] a "existência precede a essência" a qual representa, na realidade, em última análise, tão-somente a atrás citada "renormalicização contínua integrada" e, neste sentido objectual---e objectualizador---específico, sempre secundariamente "orgânica" do próprio discurso levado a cabo pelos indivíduos interagindo com a sua História e com a sua própria consciência, dentro desta.
É, pois, para mim, a própria "ontologia" como a própria "metafísica" da língua que estão em causa, i.e., todo o processo ou processos de reportar esta mesma língua à História e à praxis concreta dos indivíduos e das sociedades por eles formadas.
Sucede que este processo de reflexão estrutural séria sobre os mecanismos do uso da língua pode [de facto, deve] perfeitamente começar pelo "Livro de Estilo" de um jornal diário, pela acção prudente de um "Provedor" dos respectivos leitores ou, "last but not least" pela actuação inteligente de um pai e educador.
[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de ]
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