quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"Ainda a Greve Geral de Dia 24"


Na sequência daquilo que digo imediatamente a seguir sobre a greve de hoje, acrescentaria ainda o seguinte, envolvendo a questão importantíssima das consequências mais ou menos previsíveis desta Greve Geral.

Uma dessas consequências é, como é óbvio, que o poder político vai inevitavelmente perceber que se lhe está a acabar a margem de manobra para continuar em segurança, em termos que já nem sequer são políticos mas imediatamente sociais, a descarregar, como até aqui tem feito, sobre o conjunto da sociedade civil as suas "políticas" de recapitalização e, em termos mais gerais, de refuncionalização global do sistema económico-financeiro e que daqui em diante vai ter de ver com muito cuidado o sítio onde põe os pés antes de avançar com novas 'medidas' [ou até com a implementação das que já estão aprovadas...] porque pode haver minas e... armadilhas onde, para ele, durante muito tempo houve terreno razoavelmente seguro e genericamente firme.

Mas essa pode ser uma "vitória de Pirro" para as forças progressistas no exacto sentido em que vai tornar na prática dificilmente resistível a tentação de encontrar fora do País, numa entidade suficientemente distante e... "eleitoralmente anónima" que permita aplicar medidas daquele tipo que atrás refiro e que todos conhecemos ou adivinhamos quais possam ser sem pôr directamente em causa projectos eleitorais internos dos impropriamente chamados "partidos de poder" [do poder são todos, desde que o eleitorado assim o entenda!] cujas clientelas começam, a partir de agora, a ter cada vez mais sérios e fundados motivos para recear ver comprometidos.

O que isto quer dizer é que, se já tudo indica ser exactamente para aí, i.e. para "discretas" sondagens e... oblíquias auscultações à opinião que apontam certas especulações e reflexões mais ou menos directamente "sopradas" das esferas do poder em volta de uma futura intervenção do F.M.I. em Portugal, o medo que vai previsivelmente instalar-se, a a partir de agora, no seio desse mesmo poder [actual ou outro qualquer outro que se lhe siga e que, aliás, todos estamos fartos de saber qual é!...] apenas pode encorajar a essa "saída airosa" que para ele, poder, representa a entrega do odioso da "gestão" da "crise", nos moldes exactos em que ele pretende que ela seja feita, a forças---pelo menos imediatamente---inatingíveis pela indignação e pela ira populares, agora inequivocamente expressas.

Pode, pois, a Greve Geral ser uma "vitória de Pirro", como atrás dizia, se os sindicatos e as forças partidárias que apoiaram e enquadraram esta manifestação clara de revolta social não quiserem ou não souberem utilizar, como tantas vezes tenho preconizado, a revolta em causa como ponto de partida para formas estáveis, realmente consistentes de organização popular que permitam criar na sociedade portuguesa realmente representativos interlocutores do poder político, capazes de levarem até ele, em tempo real, o sentimento e muito especificamente a vontade da base social da sociedade portuguesa, até aqui imolada a projectos de recapitalização e refuncionalização do sistema completamente desproporcionados, absolutamente leoninos, economicamente devastadores e socialmente de todo insustentáveis.

Até porque, como não me canso, de igual modo, de repetir, em Portugal existe o precendente recente do movimento das comissões [de moradores, de utentes dos serviços públicos, de inquilinos, etc.] e do movimento cooperativo que pode fornecer o modelo ideal para concretizar o desiderato em causa.

Não se trata---é preciso dizê-lo com toda a clareza!---nem de "sovietizar" a sociedade portuguesa [as "comissões" não são sovietes!] nem de construir pontos ou mesmo núcleos activos de anti-poder que ponham, directa ou indirectamente em causa o ordenamento jurídico-político nacional.

Exactamente porque as comissões não são sedes de um poder concorrente do poder constitucionalmente reconhecido, elas não concorrem com este antes o mantêem saudavelmente informado, volto a dizer: em tempo real, da vontade popular, sendo que foi justamente para representar e dar consecussão a esta que os poderes democráticos e especificamente os que se auto-designam de "representativos" foram historicamente criados e são regularmente eleitos.

Agora, o que não se pode, com esta Greve Geral é deixar que ela e as camadas sociais que nela se vêem representadas sejam usadas como instrumento e pretexto para introduzir em Portugal a tutela do F.M.I. com o propósito de encontrar soluções expedientes e expeditas para a pusilinamididade dos poderes internos, demasiado preocupados com o "report" eleitoral das medidas que querem [mas temem!] assumir.

Até porque, do meu ponto de vista, a solução dos males não está [longe disso!] no agravamento ou em qualquer forma de na intensificação das medidas já em vigor mas exactamente ao invés na renegociação e na redistribuição equitativa do ónus destas isto é, tendo em vista como elemento determinante para se acharem "salvadores" para o sistema por ela afectado a responsabilidade de cada classe e/ou sector da sociedade portuguesa no desencadear da própria situação de "crise".

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