quarta-feira, 10 de novembro de 2010

"Economocratas e Euro-vegetativos, Graças a Deus!"


Informa-nos o "Correio da Manhã" de 05.11.10, entre outras coisas, em particular sobre duas que quero partilhar aqui com todos vós, inexistente 'povo quístico', juntamente com algumas reflexões de natureza pessoal que me parece importante que sejam feitas.

Começo pelo texto que refere o tal Sócrates de que por aí tantas vezes se ouve falar e que, mau grado o estado a que deixou [de facto, a que ajudou!] a que "isto" chegasse---"isto" que alguns persistem em tentar persuadir-nos que se trata de um país, de uma sociedade---ainda consegue pelos vistos, por uma razão qualquer que me escapa, recolher, de vez em quando sinais de aprovação e até, como adiante se verá, encómios expressos.

Foi o caso de um tal Mira Amaral [li bem? Seria Amaral ou Amoral? Tenho de confirmar isto!] ao que parece economista e antigo ministro de um governo [dos muitos que por aí foram passando e que pouco ou nada fizeram para evitar que se caísse na actual situação dos salários e pensões "de borracha", i.e. que deram agora em fazer-nos curtas visitas de cortesia regressando de imediato "à base" ou aos "respectivos lugares em xadrez", como se dizia nas minhas saudosas aulas de ginástica do velho Lisboa Ginásio, na forma de uma carrada de obrigações e impostos com que nos obrigam a todos a pagar a inépcia, a cretinice, a vã prosápia e a indecorosa cupidez alheias...]; foi o caso, dizia do tal Amaral vir a público louvar "o esforço de Sócrates" na [desesperada] procura de "mercados não-comunitários" de que, diz ainda o dito senhor, "precisamos como de pão para a boca" [Cf. in "Correio da Manhã" de 5 de Novembro de 2010, Manuela Teixeira, artigo "Sócrates elogiado por ex-ministro PSD".

Registo indisfarçavelmente surpreendido a reflexão e o elogio.

Primeiro, porque desde quem um tal Mário [ou Primário] Soares [que hoje parece, aliás, bastante mais contido nesta matéria mas enfim] nos tentou pela primeira vez convencer de que «a Europa» era, para «nós», um novo Brasil ou pouco menos; de que "só no quadro da «Europa» ou não-sei-quê é que «nós» não-sei-quê [algo que o velho Marcello, açudado embora pela ala ultra da ditadura e com os cães desta todos já "à perna" tinha descoberto---tarde, porém, e a más horas, para azar dele]; primeiro, dizia, porque depois de nos andarem, então, não sei-quantos-anos a chatear a cabeça com a solução milagrosa para o atraso estrutural do país que nos juravam a pés juntos estar, afinal, "lá fora", na "Europa", pela qual era preciso, aliás, que nos sacrificássemos porque, depois, eram só maravilhas, vem agora este senhor descobrir, por sua vez, que, afinal, a tal mirífica solução está é... fora dela!

Reconheçamos que é, no mínimo, intrigante, desconcertante!

Com tanta gente a pedir-nos que nos esqueçamos por momentos de que "isto" [a "choldra", como dizia o tal D. Carlos que, sugere o Baptista Bastos, o Aquilino ajudou a matar] é, mau grado as sugestões ocasionais e avulsas da Dra. Manuela Leite e o modo como os tratados "europeus" são aprovados, suposto ser uma democracia, não espantará que até a negregada China [que tem ajudado tanta gente esquisita a ganhar prémios Nobel] e a tenebrosa Venezuela do "perigoso comunista pró-castrista" Chávez sirvam, agora [no desespero do que mais do que um fim de ciclo me parece francamente constituir um autêntico "fim de festa" global de todo o 'sistema' mas enfim] para "resolver" o que a "Europa" [mesmo com aquelas "pequenas elisões estratégicas" deliciosas da democracia que lhe dão, afinal, tanta gracinha...] não pode, não sabe ou não quer resolver.

É obra!

Andarem-nos a... "pedir" [pronto!] que "engolamos sapos democráticos" vivos que a "Europa" não há-de esquecer-se disso no momento em que venhamos precisar de "uma atençãozinha" [em que tenhamos por cá um "rainy day", como idiomaticamente se diria lá pelas Irlandas---que não trago, de resto, aqui, agora, à colação inocentemente, devo dizer...]---tudo isso para agora vir um fulano---aliás, um dos que fizeram parte de governos "europeus" da linha dura tecnocrática euro-vegetativa no "front económico-financeiro"] dizer que, afinal, o que é preciso é exactamente esquecer a «Europa» e arrancar oceano fora à descoberta económica do que, até hoje, eram funestas ditaduras e os respectivos líderes execráveis adversários da liberdade...

"Vaya consistencia, no?"!...

Já perdi, por outro lado, a conta às vezes em que trouxe aqui [aqui e em todos os lugares e circunstâncias em que me foi possível fazê-lo, devo dizer!] um aspecto que considero, aliás, absolutamente essencial---e tópico da 'pós-modernidade civilizacional e política' europeia que é a supressão, por enquanto ainda, em larguíssima medida, apenas ou sobretudo de facto, não ainda completamente de direito [há, com efeito, umas quantas "coisinhas teóricas" na Constituição que, embora ninguém pense em cumprir, fazem ainda um bocadinho de "confusão" a alguns e que, de um modo geral, projectam ainda alguma "sombra ideológica" e até "moral" sobre o desígnio em causa...]; mas, dizia eu, já perdi a conta às vezes em que me referi aqui ao fenómeno tópico da substituição do "Estado consciência" moderno pela figura do "Estado broker" pós-moderno nas nações "europeias" ou "ocidentais" de hoje.

O "Estado broker" ou "Estado almocreve" que é exactamente aquilo que as reflexões, os elogios e os apelos do economista Amaral vêm, agora, confirmar---desde logo quando quem os profere propõe um verdadeiro 'rebate sistémico' [ou parassistémico] envolvendo a diplomacia portuguesa no estrangeiro cujos membros, diz ele, "devem mudar a agulha para os negócios e abrir portas".

Pergunto eu: pode-se ser mais claro?

Embaixadores? Qual quê?! Isso era dantes! Agora, é como dizia 'o outro', agora é mais... "dentes" que o "caso", diz o dito senhor, "mete pão para a boca" e tudo!...

Embaixadores? Antes, angariadores de pastinha, caixeiros viajantes de empresa rasca [estamos a falar de Portugal, não?!...] almocreves aos pulinhos, vendendo, como o saudoso Pitum da Cornélia, "relógios de marca e postais de macacas nuas"!

Ao qu' isto chegou, Senhor!...

Mas... será que os tipos como eu negam a importância, ao lado daquelas "chinesices" todas de que estão sempre a falar e sempre a defender; aquelas "mariquices" da Cultura, dos livros [dos livros "a sério", ham? Não dos que escreve o Rodrigues dos Santos e dos que rescreve permanentemente a D. Margarida Rebelo Não-sei-quantos]; será, dizia, que os tipos como eu se recusam a perceber---metidos, como eles estão sempre lá no meios dos livros e dos filmes deles; dos Kafkas, dos Becketts ou dos Godards!---a importância das exportações para a sustentabilidade global de um sistema que, apesar dos Sócrates, dos ministros da presidência e dos da defesa, ainda consegue produzir Kafkas, Becketts e Godards?

Não!

Aquilo que "os tipos como eu" recusam não é obviamente que as economias funcionem, que os empregos sejam garantidos [tanto quanto é possível garantir empregos que é, todavia, aliás, uma coisa muito diferente do que imolá-los indecorosamente à produção de capital, como alguns pretendem e outros, sem hesitação, lhes possibilitam, ham?] e, em geral, que os países sejam mais do que meras parcerias público-privadas, tais como as concebe o actual poder político em Portugal.

Pelo contrário!

Aquilo que os "tipos como eu" defendem é que os países permaneçam países e não meros pretextos para enriquecer banqueiros e casas de má fama onde se reunem periodicamente, entre dois negócios, financeiros e os respectivos políticos.

Aquilo que os "tipos como eu" recusam não é que se "produza riqueza" como gostam de elipticamente dizer, na sua melíflua semântica tão particular os advogados e apóstolos da economocracia.

Aquilo que os "tipos como eu" recusam não é, pois, que se zele para que funcionem os mecanismos globais de produção de riqueza: é, como também noticia o "Correio da Manhã" onde vêm as reflexões do dr. Amaral que, por exemplo, enquanto se cortam abonos de família de 50 euros se paguem a um técnico quatro mil por mês para fiscalizar um Orçamento que sete meses antes ainda ele estava a fazer ou a ajudar a fazer enquanto adjunto do secretário de estado das finanças; ou que se afirme ter-se chegado ao ponto de ser necessário que se sobretaxem pensões de duzentos e trezentos euros enquanto que só quatro bancos portugueses alcançam mais de quatro milhões de euros diários de lucro e uma tal EDP em nove meses atinja a dificilmente imaginável soma de 774 milhões igualmente em lucros de investimento.

Porque o que está mal para a Esquerda na qual assumidamente "tipos como eu" se posicionam não é que se produza riqueza: é que se atrele a política à economia [princípoio básico da obsessão economocrata vigente] e que desta se faça em seguida um mero pretexto para geometrias e engenharias financeiras que com a produção de verdadeira riqueza pouco ou nada têm a ver.

Mas mais ainda: aquilo que está mal para "tipos como eu" é que se tenha disssociado, des-integrado, alienado, num, por isso, sistemicamente "esquizofrénico", "bipolar" paradigma economocrata, a 'produção de riqueza' do respectivo uso social que é onde se situa nuclearmente o cerne da «disfunção economocrata» que à actual "crise" [como era, aliás, de um modo ou de outro, inevitável e fatal!] de cambolhão e "aos esses" pela História fora nos acabou por trazer.

O problema do sistema não está na Europa como não está na Venezzuela ou na China ou Atrás-do-Diabo-Mais-Velho---com ou sem Chavez ou Hu Jin Taos pelo meio: o problema do sistema está dentro dele no modo como ele opera: no modo como utiliza a sociedade para produzir capital, como ele inessencializa sistémica [ou a-sistemicamente] as necessidades humanas [as necessidades biológicas, sociais, culturais, políticas mais básicas e essenciais] instrumentalizando-as e utilizando-as como uma simples matéria-prima sem relevância específica ou significação própria na 'produção de capital'; no modo como ele usa o Estado para esse efeito, subordinando a respectiva vocação humanizadora básica à missão completamente espúria de recapitalizar cíclica e, sobretudo, estrategicamente todo o modelo, comprando-se, no fundo, a si mesmo com o dinheiro do trabalho de todos; numa palavra, no modo como ele aceita alienar-se sistemicamente fazendo da disfunção um pressuposto nuclear de funcionamernto normal.

É aí, nessa fenomenologia ou nessa fenomenicidade des/estruturalmente disfuncional [não no tiro-ao-alvo ou totoloto investimental que parece ser a única política que governo e «críticos», em última instância, re/ conhecem] que se situa o cerne da "questão economocrata" é é contra essa e contra quem a preconiza como modelo de organização económica, social e política e paradigma específico de desenvolvimento que, quero muito claramente dizer para terminar, "tipos como eu" nunca se hão de cansar de lutar...


[Imagem extraída com a devida vénia de newhorizonsgroup-dot-com]

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