Volto aqui, brevemente a "Bienvenido, Mr. Marshall" de Luis Garcia Berlanga que revi hoje num curto ciclo de cinema espanhol no S. Jorge.
Já aqui falei dele---uma das coisas mais surpreendentemente espirituosas, delicadas, subtis, esclarecidas e globalmente cintilantes produzidas numa Espanha de Carmens Sevillas e Saras Montieis até dizer chega.
Retomo-o hoje aqui para voltar a destacar a sua espantosa vitalidade e a agudeza do seu humor que [eis a verdadeira razão, o motivo imediato desta curtíssima reevocação] por mais de uma vez me levou até... Tati, o o grande, o genial Tati.
Mas apenas em alguns momentos, muito marcados aliás.
No conjunto, porém e na sua aparente bonomia, Berlanga não perdoa nada a uma Espanha, a tal "de charanga y pandereta, de cerrado y sacristía", "una de las dos Españas" de que fala Machado, aquela que a hipocrisia do franquismo "obrigou" ou mesmo condenou a uma felicidade "de Potenkine" [as fachadas de uma cidade inexistente, construída sobre um equívoco imenso] cantada precisamente pelas Carmen Sevillas, Saras Montieis, Paquitas Rico e noutro registo [em versão... júnior] pelos Joselitos e pelas Marisois todas que lhe foi possível arranjar para se dotar de uma alegria que nunca passou, de facto, em termos genéricos, da superfície cuidadosamente encenada da sua própria impossibilidade económica, social e política real.
Onde, todavia, Berlanga é, senão propriamente corrosivo, seguramente incisivo e subtuilmente "político", Tati [o Tati, sobretudo, de "Jour de Fête" ou até um pouco menos "Les Vacances..." que recordei, como digo, por mais de uma vez, fugazmente embora, ao rever três ou quatro décadas depois, verdadeiramente deliciado, a obra-prima de Berlanga] é sobretudo o poeta, o aguarelista cândido, quase naïf.
Não é ainda menos verdade que, depois de "Jour de Fête", na sua obra-prima, o sublime "Playtime", Tati se abstractiza e abstractiza a tal ponto o seu espantoso 'olhar cinemático' sobre o real que ultrapassa já enriquecendo-as as fronteiras do Cinema e deriva assumidamente já para a "Ópera" ou, se assim preferirmos dizer, para a "operização" do seu Cinema, a ponto de o que há nele de crítico [e há obviamente muito!] ser já [como dizer?] estruturalmente indissociável do próprio modo como está apresentado, como se enconmtra [genialmente, em meu entender!] convertrido num discurso que, precisamente, de tão envolvente e tão fascinante, está já muito para além da simples intenção crítica estrita [e, num certo sentido, também estreitamente] como tal.
Mas há inquestionavelmente em Berlanga soluções de comicidade e até especificamente ritmos ou ritmizações de comédia que são demonstravelmente "tatiescos" pela contenção e pela lúcida intelectualização da 'mensagem' neles contida.
É claro que Tati é um caso à parte: um poeta e um génio da narratividade cinematográfica---que Berlanga seja capaz de sugeri-lo pelo tipo de movimento falsa ou subtilmente abafado [não consigo pensar num termo português que transmita exactamente a ideia que a expressão inglesas "muffled" veicula...], enganadoramente contido, quase circunspecto e quase lânguido ["berlânguido"...---"Bienvenido, Mr. Marshall" é um filme narrado "uma ou duas oitavas abaixo" dos grandes sucessos cómicos latinos e latino-americanos da época, de Tótó a Cantinflas"] que imprime que imprime ao discurso; que, dizia, Berlanga seja capaz de sugeri-lo diz bem do interesse, da qualidade, da inteligência da sua concepção---a começar pela própria ideia de que parte muito bem desenvolvida, aliás, num guião em que colaboraram também Bardem e Miguel Mihura, o dramaturgo.
[Na imagem, fotograma de "Bienvenido, Mr. Marshall". Em cena 'Pepe' Isbert e Lolita Sevilla]
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