domingo, 7 de novembro de 2010

"A História Afinal É Cega?---breves reflexões pessoais sobre o presente e o futuro possível do sistema capitalista a partir de um editorial de jornal"


Já por mais de uma vez tive ensejo de trazer à colação e de comentar aquela que me parece ser uma das grandes [das mais tópcas e também mais inquietantes] marcas de "pós-modernidade civilizacional" [e política] a saber, a funcionalização ou mesmo a institucionalização---a "sistematicização", numa palavra---das elites, reconstituindo-se, desse modo aparentemente livre e espontâneo, voluntário, "democrático", modelos de compacticização e totalicização global do 'regime' [dito de outra maneira: do modo de produção que lhe subjaz e de que ele é 'expressão politiforme operativa'] modelos esses que antes eram alcançados por via mais ou menos formalmente autoritária, não-democrática e, por isso, copmparativamente mais fáceis de detectar [e de combater!] por quem se dispunha a essa higiénica e verdadeiramente essencial tarefa de introduzir um conjunto de modalidades de "educada ruptura crítica" [ou dialectização contínua] dos modelos de poder encontrados.

Já por outras tantas vezes [pelo menos!] insisti no facto [aparentemente irreconhecível, aliás para muitos de nós, cidadãos da e especificamente advogados do regime de "democracia formal e/ou demomorfia funcional" em que vivemos devido precisamente àquele fenómeno tópico de "deslaicização" e absorção pós-moderna contínua das elites] de que a morte [trágica, apocalíptica, até] dos modelos autocráticos históricos de "capitalismo total" ["totaler Kapitalusmus"] triunfantes nas décadas de 20 e 30 do século passado não resultaram simplesmente na morte desse projecto social e politicamente assustador assente na ideia de "fechar" e "totalicizar" obsessivamente o regime, apenas subtilizaram, na realidade, de forma subtilmente perversa, intrinsecamente maligna, os modos concretos de fazê-lo---e que o fenómeno da integração dos intelectuais, das elites, constuitui uma étapa verdadeira---perversamente!---essencial desse processo.

Enquanto, com efeito, "houve gente a "viver intelecional ou intelectiva---e eticamente---fora do regime" [os Zolas, os Sartres até num certo sentido os surrealistas; os comunistas e revolucionários, em geral---e não estou a confundir: trata-se de um ângulo de análise simultaneamente lato mas, de igual modo, noutro plano, muito específico e muito preciso] pôde esse mesmo regime reflectir-se e, sobretudo, ir-se desejavelmente refractando, ir-se saudavelmente deformando, de um modo que possibilitva que ele permanecesse [ao menos potencialmente!] participado [participável, sem dúvida] e descoberto, claro, patente, nítido.

É apenas quando os intelectuais do regime são pós-modernamente [a ajudando, aliás, de passo, eles mesmos, de passo, a sedimentar essa imensa e perturbadora disfunção inteleccional e histórica, social, cultu(r)al e política que é a 'Pós-modernidade'] chamados a "fechar o regime e acabar definitivamente a História, começando por acabar com ele" que esta deixa de poder continuar a movimentar-se; que ela fica retida em si mesma e inicia, a meu ver, toda a dinâmica inerente ao des/processo de desvitalização, de estagnação e apodrecimento, a que hoje assistimos, aterrados---aqueles de nós que se recusam ainsda teimosamente a deixar-se encerrar [ou a deixar-se... "enclose", para empregar---deliberadamente, aliás---um termo com ressonâncias sistémicas significadas, tópicas, bem conhecidas]...

Aqueles que teimaram em não se deixar "intelectionally round up" pelos publicistas oficiais do regime de "totalitarismo funcional" para onde kinvoluiram em termos reais os vários projectos teóricos de democracia que, em geral, existiam.

Por isso, se me afigurou sempre determinante o projecto político de manter, a todo o custo, a funcionar, na condição estratégica de pressupostos incontornáveis de intervenção e acção política, o que chamo de "saídas comunicacionais revolucionárias para o mar", isto é, toda uma imprensa, todo um modo de fazer-se conhecer e desencadear reacções críticas, cognicionais, que impeçam que o regime "feche" e pareça estar sozinho, para o bem e para o mal, isolado na História.

Que evitem quer o regime complete a "prise du pouvoir intelectionel" com que sonha e gira em absoluto descondicionamento, em absoluta liberdade as dinamias que se vão formando no interior dela e ajudando, assim, a consolidar ulteriormente a Idade Mídia que ele gerou e, em seguida, estrategicamente ocupou em total e absoluto exclusivo.

É preciso, como às vezes digo, devolver ao regime a sua estrutura granular "relativamente ideal", descentrando-o e recentrando-o sempre, de forma ininterrupta e permanentemente dinâmica, em ideias e representações autónomas, polipolares---dinâmica e dialecticamente... "anisotrópicas", diria um cientista, um cosmólogo, um estudioso da evolução física do universo---de si de maneira a que a História [e a Política!] permaneçam possíveis---e sempre vivas para o conjunto das pessoas e povos que a primeira contém e a cujas aspirações em geral a segunda confere erxpressão operativa concreta.

Ainda há pouco, lendo o editorial de um jornal diário [o jornal "Público" de 05.11.10] tinha eu ensejo para voltar a reflectir, ainda uma vez, de uma forma muito real e muito viva, sobre este motivo da integração das elites no ponto exacto em que a editorialista do jornal se entrega a um elogio [de uma forma a meu ver muito reveladora, muito significativa, aliás!] não tanto ao regime mas ao que se depreende da leitura e da consideração atenta da mesma, à inevitabilidade [para não dizer: fatalidade] do mesmo.

É outro dos traços tópicos do tipo de reflexão e discurso da intelectualidade "inbedded" que ela vai buscar a Churchill e à celebérrima lucubração em torno da 'excelência relativa' [ou "bondade relatival"] do que Churchill chamava 'a democracia'.

De facto, incapazes por razões óbvias de múltipla disdfucionalidade de louvar simplesmente o sistema, é comum aos intelectuais "imbedded" gabarem as virtudes que apesar de tudo e "en fin de partie", como diria Beckett, é possível achar nele.

Na verdade, já muito poucos parecem acreditar que é possível fazer muito mais relativamente a ele e à representação crítica e mesmo afectiva do que "count its blessings"---que é como quem diz aceitação de uma espécie de "sois belle et tait-toi!" onde se concentra todo o relatival entusiasmo [1] que a evolução da História e da Política, tal como herdámos ambas da civilização industrial [dos modelos históricos de capuitalismo industrial de que o actual regime demoformal é herança e «mutação funcionante»] ainda permite.

Diz a editorialista com efeito qualquer coisa "sim, o regime tem defeitos mas a verdade é que conseguiu gerar riqueza, prosperidade, desenvolvimento ["whatever you may choose to call it"!...] onde os restantes falharam".

Diz a autora:

"Para um europeu que cresceu nos 30 gloriosos anos de prosperidade, a declaração de que se vive melhor no mundo do que em 1970 pode parecer uma falsidade".

E aduz de pronto: "Mas não é: o mundo é hoje incomparavelmente melhor do que há 40 anos".

Porque, acrescenta:

"A leitura do último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre os indicadores do Desenvolvimento Humano mostra que a globalização e o alastramento do capitalismo foram uma boa notícia para centenas de milhões de pessoas na Ásia ou na América Latina.

E logo a seguir:

"E mesmo na Europa ocidental e nos Estados Unidos nada aponta para que os indicadores de saúde, de rendimento ou de escolarização tenham recuado. Pelo contrário".

Ora, esta descrição das repercussões do "alastramento", como lhe chama a autora do capitalismo mundial merece-me seguramente algumas reflexões que passo, de imediato, a enunciar:

Primeira: "o alastramento do capitalismo" terá sido uma boa notícia ANTES de ele se estabilizar e consolidar em sociedades [como a da RDA, por exemplo] que o não conheciam realmente ou que dele já estavam esquecidas e que, do meu ponto de vista pessoal, não tinham--longe disso!---esgotado todas as virtualidades positivas do modelo de economia social, isto é, do que chamo de «economização funcional» da sociedade que dispôs da posibilidade única de consolidar-se nelas mas que foi consistentemente, por razões que não virão agora ao caso mas que são, em meu entender basicamente internas, estruturais, endógenas, desvirtuado---que é uma coisa muito mais complexa e muito diferente do que simplesmente dizer que ao alastramento do capitalismo correspondeu de forma directa e linear a implementação directa de qualquer forma estável e tópica, simples, de 'progresso'.

Segunda: tendo em conta a natureza des/estruturalmente des-igual do próprio capitalismo, este não pôde [não pode, não poderia em caso algum, por imperativo sistémico] chegar a todos os pontos do universo para onde "alastrou" de forma harmónica e equilibrada, tendo acontecido que a certas sociedades como a certas classes dentro delas ele chegou na forma de um reforço do respectivo estatuto dominante anterior [geralmente associado, no caso das sociedades, a uma condição colonial e/ou imperial, de um modo ou de outro, pré-existente] enquanto que a outras veio, exactamente ao contrário, potenciar e subtilizar modelos de subsidiaridade funcional, de igual modo anteriormente vigentes.

A outras sociedades, por fim, mal chegou ou chegou mal, chegou pior ainda---e foi clara [foi desgraçadamente!] o caso da portuguesa que tem, hoje-por-hoje, "a cabeça na Europa mas as pernas ou todo o resto do corpo, cada vez mais, em África" e a outras ainda terá permitido que substituissem potências anteriores no estrito-e-estreito quadro das nações dominadoras sem todavia alterar no in/essencial o próprio modelo global de dominação.

Terceira: dizer, por outro lado, que o capitalismo fez "alastrar" formas de desenvolvimento e ficar por aí é não reparar naquilo que não foi o capitalismo a trazer mas, exactamente ao invés, as forças sociais e ideológicas de resistência que ele despertou como reacção à brutalidade económica, social e política e, de um modo geral, ao conjunto de disfuncionalidades de todo o tipo que ele inevitavelmente leva às sociedasdes e às pessoas para as quais "alastra" e que fizeram pontualmente acordar forças e projectos económica, social e politicamente saneadores que, mau grado tudo isso, foram permitindo à História mover-se e não permanecer eternamente presa a si própria, como, na realidade, dentro do sistema se pretendia e, de resto, por razões evidentes---e facilmente reconhecíveis, também, aliás---sempre, de um modo ou de outro, se pretendeu.

Ora, eu diria, concluindo, que é a falta, por lado de intelectuais "outbedded" do sistema ou ao sistema e, por outro, das tais "saídas genericamente comunicacionais para o mar" que permite que, não vou dizer o embuste mas seguramente o mito, da inevitabilidade das disfunções que a História a cada passo vai trazendo tivesse podido consolidar-se e inclusive institucionalizar-se parecendo, erradamente, a meu ver como digo, resumir em si a única forma de História possível que é, como é evidente aquela que convém ao poder e que ele quer que nós perfilhemos não apenas, insisto, como boa mas, de facto, como a única.


[Na imagem: "Blind Man's Buff/Jogo da Cabra Cega", gravura extraída com a devida vénia de tetradequestrian-dot-com]

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