terça-feira, 2 de novembro de 2010

"Endireitando a Sombra à Vara na Famigerada «Question Tzigane»..." [por rever]


Não gosto especialmente, várias vezes o tenho repetido, da chamada União Europeia--não tenho dinheiro bastante para gostar e penso mesmo que, se Portugal já não tem,ele próprio, dinheiro bastante para manter uma sociedade, a sua própria, de que vai, como é sabido, tendo de se desfazer aos poucos [uma sociedade é cada vez mais, nos tempos que correm, um luxo bizantino, uma coisa de ricos!] onde é que vai arranjá-lo em quantidade suficiente para ajudar a manter, mesmo em parceria, várias ao mesmo tempo?...]; não gosto, pois, dizia, da tal União [que, de resto, nunca vi "ao vivo" e para acreditar que existe tenho de fazer fé na palavra de uns quantos que dizem que já viram!] por isso, confesso que estou sempre de pé atrás e nunca espero nada de verdadeiramente bom para mim e para os que como eu não têm dinheiro bastante para investir nela [tenho nas sucessivas eleições investido, sim, mas coerentemente comigo próprio, contra ela] sempre que ela se põe a 'ter ideias' e a legislar.

Sou, por outro lado, como é evidente, também [por razões morais e éticas] contra certas patologias mentais, cívicas e políticas---doenças com nomes esquisitíssimos como "Sarkosy" e "Berlusconi" [nunca hão-de me surpreender bastante, com efeito, os nomes esquisistos que os cientistas descobrem para as doenças!...] e muito em particular contra os respectivos projectos de deportar indiscriminadamente [para já...] ciganos [projectos paridos, aliás, pontualmente no quadro da tal União que se mostrou muito enfadada et al mas que não faz nada, excepto talvez, por razões muito próprias, de natureza estratégica, um bocado da tal "magistratura de influência" de que falava o outro qundo queria dizer que pouco ou podia ou queria efectivamente fazer];

Não gosto, repito, de nenuma dessas coisas e pessoas do mesmo modo que não gosto da criminosa hipocrisia dos vários governos nacionais ['locais?] a começar pelo romeno e pelo húngaro [onde o problema---a "questão"---cigana, muitas vezes esquecida, oculta pela incomparavelmente mais conhecida, mais mediática, "question juive" foi sempre, "to say the least", uma "question" complicada...] e a acabar no que vulgarmente, à falta de melhor termo, chamamos vulgarmente "o nosso" [isto de vir sempre em último parece sina, ham?...];

Por isso, quando a tal "União" se saiu com aquela do "princípio da focalização explícita mas não exclusiva" [sempre pomposa, a criatura, ham? Também, pelo dinheiro que nos custa mantê-la bem pode sê-lo, não? Isto é, andar---como dizer?---"sempre verbalmente bem-arranjadinha: é o mínimo que se exige dela, não?] achei engraçado mas desconfiei logo: acho que os princíos como as palavras sempre foram um excelente meio para manter escondida a falta de acções...

...mas pronto! Quis crer!

Fui ver e o que era o tal princípio?

Segundo revela um senhor com nome de componente do leite, George Soros, num texto vindo a lume no "Público" de 25 de Agosto deste ano de 2010 [intitulado precisamente "O destino dos ciganos"] tal princípio consiste basicamente em "permitir que fossem usados fundos estruturais para intervenção em habitações a favor de comunidades marginalizadas, com particular atenção nos ciganos".

Bonito?

Lá bonito é só que...

... só que parte logo, na prática, do princípio errado [invertido] de que o problema da marginalização económica, social [e étnico-económico-social!] se deve nuclearmente à falta de casas e não de [vamos ser claros e para isso, tenham lá paciência, temos mesmo de "ser políticos"!] por um lado, a um sistema económico-financeiro [a uma étapa da "volução" concreta, material, objectiva, histórica desse sistema] que há muito, em consequência do modo profunda e in/essencialmente disfuncional como geriu a entrada contínua de conhecimento na História deixou de saber [como Saramago ao livro...] o que fazer às pessoas que lá estavam---e estão!---dentro enquanto que, por outro, continua teimosamente a fingir ignorar que, para além das consequências social, económica, política e até civilizacionalmente trágicas da aceitação implícita do que chamo o conceito da "cidadania funcional" que é o que está, de facto, na origem da consolidação de um conjunto de formas modernas de impor civilizacionalmente a exclusão às sociedades como um preço "legítimo" a pagar pelo "desenvolvimento"] o que permite propagar [com um tristíssimo e cada vez maior sucesso] a exclusão é a falta de investimento numa cultura de dignidade humana [humanista] e cívica para a qual, porém, por um conjunto vastíssimo de razões não tem qualquer utilidade prática.

Basta ver o que se passa nos currículos escolares e, a montante ainda deles, com o tipo, o modelo, o "desenho teórico" da "filosofia" obsessivamente funcionalista e, às vezes, mesmo histericamente practicista que anima o projecto de formar e reformar aqueles: o conhecimento como um primeiríssimo capital que se vai, a prazo, investir na produção de todas as restantes formas históricas, sociais e políticas dele.

Sem se considerarem nuclear---sem se terem verticialmente em conta e, mais do que em conta: em equação---ambos esses factores: o uso sistémico do saber pelo sistema [um uso cegamente privatizador que vai romper a prazo com os instáveis, delicadíssimos, equilíbrios anteriores/interiores, dificilmente mantidos no seio da própria ecologia concreta do modo de produção entre capital variável e capital fixo, por um lado assim como, daí resultante, o que foi podendo ser historicamente mantido, com recurso à intervenção sistémica do Estado dito "social", entre cidadão produtor e cidadão-mercado];

Sem se considerar, dizia, por um lado, o papel estrutruralmebnte disfuncionante desta componente sistémica do saber-capital e, por outro, de forma cumulativa e como resultado dessa circunstância anterior, a inexistência de formas operativas de uma verdadeira cultura humanista usada para "pensar o sistema" desde a origem, desde o ovo; uma cultura que, como costumo dizer, "não desse resto zero" e valorizasse ou "valorasse" efectivamente as pessoas, isto é, que soubesse sempre converter a humanicidade como tal em "valor"] introduzindo, no seio dos diversos mecanismos e dispositivos institucionais de concretizá-la historicamente, modos reconhecíveis de recuperar social e politicamente aquele "resíduo formante" que é, no fundo, o verdadeiro objectivo da cultura e que se situava, afinal, na base das múltiplas formas de erudição pré-industrial e especificamente clássica;

Sem se considerarem nuclearmente, dizia, esses dois aspectos absolutamente angulares da "questão", não me parece; não me restam muitas dúvidas, de facto, de que se trate apenas de "brincar" [ou, mesmo, de... "jogar"] às inclusões tudo o que sejam, por aquilo que atrás digo, repito, as múltiplas formas avulsas de fingir fazê-lo, desde as que a tal União dita europeia tão vaga quanto pomposamente promove às que propõe, por seu turno, o senhor com nome de... parte do leite.

"Integrar" misturando, atirando "pêle-mêle" para o meio de comunidades exteriores comunidades "alternativas" com um longo historial de rejeição e de rejeição reactiva já substancial e até substantivamente "culturalizada" é, no fundo, um erro simétrico na disfuncionalidade como na eficácia efectiva, do "ghettizar".

Porque o problema é um problema de cultura [e de Cultura], um problema ligado ao uso social tópico das representações e das auto-representações estáveis [estabilizadas, objectualizadas] de ordem individual como colectiva e só no plano da cultura ]e, volto a dizer: da Cultura] se podem operar as transformações sobre aquele conjunto de representações e auto-representações e sobre as dinâmicas ou dinamis sociais e económicas que são um dos vértices-chave do problema.

Aliás, faça-lhe justiça, no seu artigo Soros alude a isto: a questão, a meu ver, é que não se podem dissociar sem começar de imediasto a neutralizá-las e, por conserguinte, a inoperacionalizá-las, as diversas componentes das práticas integrativas.

Dissociá-las, sobretudo, como faz a tal União começando pelos epifenómenos, pela camada epifenoménica, pode inclusivamente constituir um modo perversíssimo, oblíquo, de potenciar a conflitualidade e a própria exclusão.

É bonito e "fica bem" como escreve Soros dizer que "a principal diferença entre os ciganos e as populações maioritárias não é cultural nem de estilo de vida [...] mas a miséria e a desigualdade.

Pois, o problema é que a miséria não surge por acaso ev os seus efeitos prolongadíssimos no plano cultu[r]al acabam por converter-se, por seu turno, num problema que, num certo sentido... circular ou dialéctico, acaba por reentrar, de algum modo, central e determinantemente na História na medida em que se converteu numa forma socialmente dinâmica de representar a miséria e de lidar social e politicamente com ela.

Isto é, converteu-se já secundária e reactiva ou reaccionalmente numa identidade-casulo onde se tornou, por sua vez, muito difícil [a quem quisesse verdadeiramente fazê-lo, quanto mais aos "outros"...] penetrar mas onde se concentro já na prática o essencial dos mecanismos socialmente dinâmicos do problema.

Porque como atrás dizia a cultura [como a in-cultura que é dialecticamente uma forma perversa de cultura...] nunca "dá", de um modo ou de outro, "resto zero".

"Dá sempre resto"---e é esse resto, por existência ou absurdo que passa, a dado momento, a condicionar tudo.

É uma conscienciação [e, depois, naturalmente uma "consciência"] da realidade, uma representação subjeccional da História para cuja gravidade específica esta começa, de imediato, a ser atraída e a correr.

Lukács fala disto embora tivesse levado vários anos para chegar à formulação certa da ideia de "Psychologisches Klassbewusstsein"...

É que também ele [que era marxista e tinha potr isso uma ideia não apenas global como "teticamente orgânica" da realidade e da História] andou anos a tentar... "endireitar a sombra à vara" ...


[Na imagem: Frans Hals, "A Cigana" 1626, óleo sobre madeira, 23x20, Museu do Louvre]

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