sábado, 20 de novembro de 2010

Incompl. [Texto em Construção] [I]


Que relação podem ter entre si factos aparentemente, de facto, tão distintos [e até fisicamente algo distanciados] como a recente visita do líder chinês Hu Jintao a Portugal e uma onda de crimes por esclarecer ocorridos na Suécia, em Malmö em Outubro?

À primeira vista, com efeito, coisa alguma.

Se a estes dois factos juntarmos a presente "crise" global reiterando, agora de modo a incluir esta, a pergunta atrás referida envolvendo a [im?] possível a relação entre todos esses factos mais improvável e absurda parece qualquer resposta que os relacione directa ou indirectamente entre si.

O que aqui me proponho fazer, não sendo em bom rigor "colar" entre si por vínculos de qualquer natureza directa e estrutural todos os factos referidos, é, partindo, porém, de um conjunto de sugestões possíveis de serem vistas como emanando deles ou associando-se, relacionando-se potencialmente, de um modo ou de outro, com eles, tentar avançar com matéria de reflexão histórica e política admissivelmente relevante para todos nós, cidadãos da Europa [e, por enquanto, ainda também da tal "Europa"] ocidental, neste início de milénio.

Antes, porém, gostaria ainda de dizer o seguinte à maneira de enquadramento genérico.

Fortemente marcada pela longa ditadura a que esteve sujeita, a sociedade portuguesa [em especial, essa ilha ou essa estreita faixa de terreno... "intelectual e criticamente cultivável" situada entre a agnosia e a alegre "insouciance" geral; aquilo a que chamo a "sociedade mental e crítica" nacional, os seus intelectuais, alguns dos seus políticos e até, de outro modo menos assumido e menos reflectido, o conjunto da população] ficou, de igual modo, em inúmeros aspectos, marcada por um conjunto de representações de natureza histórica, política, cultu[r]al, etc. que têm origem, enquanto formas mais ou menos precisas de descrever, de representar e, de um modo mais geral, de pensar em abstracto a realidade, exactamente em representações não apenas nascidas ou alimentadas durante a ditadura mas inclusivamente pertencentes a essa mesma ditadura e dela e do mundo ao serviço do qual ela existiu, indissociáveis .

Ou seja: quando, em '74, cai o 'regime', como então se dizia, foi preocupação da Esquerda [dos teóricos, dos que pensavam a Esquerda como dos repectivos, daqueles que a praticavam] que o haviam combatido como puderam ao longo dos quase cinquenta anos que ela durou, lutar agora para que ela não regressasse, não encontrasse condições objectivas e subjectivas para que pudesse regressar.

Simplesmente, como atrás digo, vencida embora nos quartéis e nas ruas, a ditadura teve artes de se sobreviver a si própria---e não apenas nas mentes e nos "sonhos"... endotópicos de uma extrema-direita legal, legalmente acoitada agora, primeiro, já nem digo nos tenebrosos E.L.P.s e M.D.L.Ps mas em partidos à época legais, hoje extintos, como o P.D.C. ou o P.P. [o 'outro', o que se chamou "do Progresso" onde militaram, aliás, indivíduos que hoje regiriam profundamente escandalizados se por outra coisa os referíssemos que não fosse por convictos "democratas" e indefectíveis "homens da liberdade"...] e, depois, no herdeiro natural de todos eles que foi o C.D.S.

Com efeito, também na Esquerda se prolongou uma certa "alma" [ou um certo---como dizer?---"fantasma conceptual e conceptuante"...] da ditadura na forma de um mitário e de uma imagética específicas que, a dado passo, haviam já deixado de corresponder àquilo que a História concreta ia produzindo [aquilo que ela ia tranquilamente produzindo---exactamente porque a Esquerda se mantinha ainda, para muitos efeitos e sob muitos aspectos, absorta, ocupada com a luta contra uma série de "fantasmas conceptuais" vindos do passado, porém, já sem qualquer acção verdadeiramente relevante nas modalidades subsequentes de História.

Até na iconografia parietal da época é fácil perceber como, por exemplo, a imagem do velho capitalista gordo e sinistramente distinto das "pessoas normais" ou a do tenebroso e embuçado agente da polícia secreta que, de uma esquina, meio encoberto por ela, de gola do sobretudo levantada tapando-lhe o resto da funesta face, espreita, deixou já de corresponde às imagens históricas reais.

Se quisernmos ser mais precisos: deixou já de corresponder às respectivas imagens históricas reais.

Francis Ford Coppola, no conjunto dos "Padrinhos", fala de um problema sob muitos aspectos semelhante envolvendo a Mafia cuja evolução para formas extremamente mais sofisticadas e, sobretudo, legais, "integradas" tornou, a dado passo, a luta contra ela particularmente complexa exactamente devido a esse mimetismo funcional e a essa colagem por ela encetados relativamente ao edifício institucional tópico da própria vida das sociedades onde actua.

Aquilo que a Esquerda---alguma Esquerda! Demasiada Esquerda!---portuguesa logo-logo não parece ter entendido é que, apanhado de surpresa pelo caminho seguido pelo que a infra-estrutura económico-financeira do regime imaginava poder ser um 'ajustamento funcional' que, devidamente gerido pelos respectivos "agentes no terreno", lhe iria permitir sobreviver intacta numa "nova História" ou melhor: numa História aparentemente nova; aquilo que dizia, muita Esquerda não foi capaz de apercveber, pelo menos de imediato, foi que ela, essa base infra-estrutural económica e financeira, a breve trecho se havia já recomposto e, tal como sucedeu no caso da Mafia nos filmes de Coppola, teve artes de se "confundir com a própria História", nela adoptando todo um conjunto de condutas exteriormente "canónicas" no plano social e político que pareciam indiciar mudanças genuínas de padrão ou de paradigma estrutural do próprio modo-de-produção.

Assestar armas, a partir de dado momento do processo já revolucionário [ou ainda revolucionário---não é fácil decidir qual a expressão corerecta para o que entre Abril de '74 e Novembro de '75 teve lugar a todos níveis, mentais e físicos, sociedade portuguesa...] contra o velho anedotário económico e político que havia ao longo de décadas servido para identificar o inimigo apenas podia conduzir a que a luta, assim concebida, se limitasse a reproduzir o que o Quixote conduziu contra os proverbiais e clássicos moinhos de vento...

O combate era, de facto, em última análise, na altura, no fundo, um combate contra a própria sociedade como tal; contra o modelo de organização económica, social e política e o "turn of events" [eu chamar-lhe-ia secundário, um verdadeiro "passageiro clandestino" da Revolução] que o 25 de Abril inviamente desencadeou quando, um ano depois de Abril de 74 as forças económicas e políticas que se tinham transferido do frustre marcelismo para um certo expectante limbo, aguardando que a poeira da explosão social assentasse para poderem então retomar a História e voltar a colá-la exactamente no lugar onde a atabalhoada tentativa de "aggiornamento" marcelista tinha ficado; o combate, dizia, tinha de ser já contra essas forças que haviam conseguido, finalmente, recuperar as rédeas da condução de um processo renovador que um poder realmente popular demasiado confuso e fragmentado, demasiado tentativo ainda e internacionalmente demasiado desapoiado para poder opor-lhes com sucesso um projecto seu minimamente organizado e idealmente orgânico não tinha podido conservar.

Quero eu dizer muito claramente o seguinte: é verdade que houve Spínolas---"Spinochets"...---e MDLPs e ELPs e Partidos do Progresso e coisas parecidas; que hou o 28 de Setembro e o 11 de Março; que tinha havido o Chile, Pinochet, Allende, La Moneda, e que havia por toda a América Latina de então os "our sons of bitches" que o imperialismo norte-americano aí havia plantado ou conservado cirurgicamente.

Mas não é, em meu entender, menos verdade que não sendo a Europa exactamente a América Latina---a América... Latrina de Banzers, Somozas e quejandos---o grande perigo para a afirmação de regimes políticos verdadeira e não apenas formal ou funcionalmente democráticos residia na capacidade de adaptação mimética da infra-estrutura económica e financeira das sociedades europeias que há muito já tinham descoberto formas eficientes de evoluir politicamente sem, todavia, se deslocarem um milímetro só que fosse da mesma exacta posição sistémica que haviam ocupado ao longo de décadas, inclusive quando mandaram para a 'superfície da História' os seus agentes mais radicais nas décadas de '20 e '30 do século XX.

Ou seja: sempre me pareceu, com efeito, evidente [a partir até da experiência e das lições de precedentes clássicos de respeitabilização funcional como aquele o regime alemão protagonizou com as suas forças mais conotada e mais activamente "callejeras" quando, de cumplicidade com o grande capital financeiro germânico, decidiu que havia chegado a hora exactamente da "respeitabilidade" e da integração]; sempre me pareceu, com efeito, dizia, que só numa situação extrema envolvendo uma improbabilíssima intervenção directa do universo socialista de então---uma nova "crise dos mísseis" à europeia---a "questão" do poder em Portugal iria resolver-se de forma "moderna" e perfeitamente "civilizada".

É verdade que, como ainda há pouco, revelava Otelo Saraiva de Carvalho, houve, em solo alemão, uma exigência formal, um ultimatum, do presidente dos Estados Unidos ao representante português para que as forças "da ordem" pusessem definitivamente fim ao período de laboratório social, à época já em completa desintegração e em pleno processo de autofagia: era isso "or else..." mas não é menos verdade que a porta ficou completamente aberta para a solução "pacífica" do incómodo do projecto revolucionário [o "or else..." era apenas se as tais forças não lograssem decapitar e neutralizar sozinhas, internamente, aplicando-lhes um mais do que previsível "coup de grâce", um movimento popular na altura já completamente acefalizado e irreversivelmente fragmentado, vivendo de impulsos descontínuos ad hoc e, no fundo, apenas já da própria inércia] como não é menos verdade que os norte-americanos tinham no terreno os seus "homens de mão", os seus agentes "at high places"---não vale a pena recordar as suas identidades, os seus nomes e o seu papel na contenção do que poderia ter sido um verdadeiro processo de refundação nacional mas eram, como depois se comprovaria, gente capaz de ganhar o poder "legalmente" e de assegurar às forças do grande capital nacional e internacional a vitória no assalto final ao poder em Portugal, conservando sempre uma aparência exterior de decoro e até de democraticidade imediata que "é sempre bom" manter nestes casos, como se compreende...

A grande questão, considerado tudo isto; a força das... forças que levaram o grande capital de volta ao poder, agora em versão democrática, não era, numa palavra, se o fascismo voltava: era como voltava ele---que é uma coisa consideravelmente diferente.

Eu sempre pensei e sempre afirmei que, usada com astúcia; usada---para recorrer a um termo e a uma ideia que me são [como dizer?] "critica" ou "semanticamente caras": usada "significadamente"---a democracia pode ser a melhor e mais eficaz das formas de opressão no sentido preciso em que, sabiamernte 'manuseada', ela possui recursos histriónicos bastantes para ser capaz se dissimula em si mesma a ponto de transformar a própria opressão em 'desejo'.

De facto, a democracia é basicamente um espírito e um não-sistema, um meta-sistema, susceptível de ser aplicado, como força de contenção, no fundo, a todos os sistemas, no sentido de humanizá-los e torná-los, em maior ou menor escala, conforme a natureza dos próprios sistemas, permeáveis àquilo que quase... kantianamente, poderíamos designar pela 'razão' humana.

Uma "razão de humanicidade" consolidável num número determinado de instituições de participação e vigilância [ou, no caso dos regimes autoritários, de crítica e denúncia] que visam, sobretudo, frear as derivas autocráticas por que, nio fundo, todos ou quase todos os regimes num momento ou noutro, pelo menos, passam.

No limite, eu diria mesmo, que a democraticidade da democracia se mede incomparavelmente mais por quanto começa por evitar do que propriamente por aquilo que, infundamentada e espontaneamente, ela se propõe 'oferecer'.

Isto, para dizer que as formas modernas de autoritarismo possuem maneiras extremamente sofisticadas de se dissimular na própria democracia---na aparelhagem instituiconal avulsa dela---pervertendo-a exactamente a partir do interior, ou seja, dos lugares da respectiva "anatomia" ou mesmo da respectiva pura... "geometria" onde ela está mais exposta e é, por conseguinte, mais vulnerável.

Assistimos, hoje, com efeito, por toda a parte a uma aplicação cultu[r]al e claro, política da "democracia" que a torna, na realidade, um "autoritarismo plebiscitário" objectual caracterizado, na in/essência pela circunstância politicamente perversíssima de não ser já, na realidade, o exercício sempre fiscalizável do poder mas o próprio poder que é regularmente cedido pelas sociedades aos respectivos agentes políticos cuja acção não responde, como deveria, em tempo real, perante os eleitorados senão que apenas é suposto que o faça a posteriori, por descarte dos próprios agentes e quando aquela acção se converteu já num facto consumado juríco-político e institucional, masis ou menos consolidado---legalmente consolidado.

O que eu digo, pois, é, em síntese, que quando as forças que dominaram a História durante o fascismo regressaram ao poder, o fizeram metamorfoseando-se ou "mutando" funcionalmente e são precisamente essas "mutações funcionais" [que nada alteraram de substantivo nem no modo de produção, nem, como é natural, no paradigma estável, tópico, de relacionalidade económica e social que dele deriva] que têm de ser combatidas e não os anteriores modelos de intervenção histórica e política, formal e assumidamernte autoritários, que o sistema já há muito, por razões de pura funcionalidade e imperativos de mera sobrevivência imediata, deixou de usar.

E é aqui que entronca aquela questão da relação [im] possível entre o actual líder político chinês e a tal onda de crimes ocorridos recentemente na Suécia.

Parece já não restarem dúvidas de que se trata de crimes de motivação xenófoba que envolveram [segundo a edição de 24.10.10 do diário "Público"] um atirador furtivo que, ao que parece, percorrerá as ruas da cidade sueca de Malmö atirando indiscriminadamente sobre cidadãos estrangeiros, sendo que, sempre segundo o jornal, havia sido "referenciado 18 vezes pelas autoridades" daquele país escandinavo como estando envolvido no abate, tentado ou consumado, de estrangeiros "pertencentes a minorias étnicas" como ciganos, turcos, bósnios, croatas, sérvios e até [imagine-se!] finlandeses.

É evidente que um indivíduo [ainda que se trate de alguém que assassina ou tenta assassinar indiscriminadamente pessoas] não são todos nem sequer, talvez, a maioria dos suecos mas, se, além de termos em conta que já é possível ter-se chegado a este ponto num dos países económica e socialmente mais avançados ou, pelo menos, mais gabados da Europa, a isto juntarmos, por exemplo, o recente "caso" dos ciganos em França e, sobretudo, se dele retivermos desde logo a ideia de que quase 70% dos franceses [segundo o "Público" de 28.08.10] apoiam a iniciativa de desmantelamento dos acampamentos ciganos e que apenas um pouco menos subscreve e aprova as deportações maciças [há uma outra sondagem com valores um pouco menores apontando para 48% por cento de aprovações, ou seja, ainda assim, quase metade dos inquiridos, num país que teve Laval e, sobretudo, Pétain e que sofreu directamente, ainda não há assim tanto tempo como isso, a ocupação alemã, que teve campos de concentração em território nacional---Drancy, Beaune-La-Rolande---de onde foi expedida---deportada---parte considerável da população judia de França para os de extermínio na Alemanha]; se a isto juntarmos a tibieza de várias agências humanitárias, desde logo, das da ONU à cumplicidade "europeia" com a autocracia bielorussa que a "Europa" não se importaria nada de integrar [pensando, com certeza, muito mais no custo das matérias primas e da mão de obra local no que nos valores humanitários e especificamente democráticos...]

Se a isto juntarmos os elogios do inefável Berlusconi ao "último ditador da Europa" [como o re/classifica o "Público" de 28.08.10] o bielorruso Lukhatchenko, recebido em audiência pelo Papa...---Berlusconi que o descreve, com a grotesca incontinência verbal e mental que tão eloquentemente o caracteriza e identifica, como "amado pelo povo" [cf. Dulce Furtado, "O jogo dos equilíbrios entre Ocidente e Rússia de Lukachenko" in loc. cit.] ou, por outro, a... "despreocupada" colaboração económica com regimes como o angolano [ainda não há muito acusado de limpeza étnica em Cabinda a coberto da ajuda militar ao combate à cleptocracia zairota de Mobutu...] e o descarado namoro ao "musculado" regime chinês, teremos, com certeza [e com "bênção" papal...] uma série de indícios que podemos entender já como possivelmente consideráveis de uma preocupante imagem da duplicidade moral e política por parte de uma ordem mundial que, diria eu, não encoraja nem dá sólidas esperanças relativamente ao futuro---muito em especial a aprtir do momento em que, a tudo isto juntamos a "crise" actual e os valores verdadeiramente apocalípticos do desemprego sistémico e agravamento drástico das contradições dentro do sistema envolvendo um conjunto de disfunções profundas nascidas da "quaternarização" intensiva ou passagem consistente ao "estado gasoso" do próprio modelo económico-financeiro que tende a perder aquele que foi o seu grande argumento político para entrar na História pela porta grande: uma muito mitificada aptidão particular para "gerar" riqueza"---tende agora a gerar ou a produzir directamente lucro na forma de "gás", i.e. sem passar já pela produção dos bens que eram a base da produção deo lucro na fase "terciária" anterior.

Sintetizando: quando hoje os que lutam pela Democracia opondo-se frontalmente às forças económicas e políticas para quem a democracia só conta se aceitar negociar com elas os seus próprios limites e caderrno de encargos social e político quiserem vir a público identificar os inimigos terão inevitavelmente de fazê-lo esquecendo as velhas imagens "arqueológicas" deste, antes buscando-o no seu interior, astuciosamente confundido com o padrão mesmo do... "papel de parede institucional" do regime, os aparelhos avulsos daquilo que o sistema segue imperturbavelmente chamando "democracia" e "sistema democrático".

Existe, pois, por um lado, um capital de compreensível mas extremamente confuso, muito volátil e globalmente infixo descontentamento no seio das económica e socialmente martiririzadas populações do "Ocidente", em particular, "europeu", de hoje; depois, por outro, um conjunto de lideranças "funcionais" nacionais [muitas delas gritantemente incapazes de equilibrarem politicamente os níveis preocupantes de desemprego e pauperização global das sociedades que lideram] convergindo todas essas lideranças para uma espécie de grande conselho de administração transnacional [com muito, aliás, na sua constituição e funcionamento, de condomínio fechado e até de sociedade secreta] sedeado em Bruxelas e "democraticamente eficacíssimo" quando se trata de gerir situações de relativa prosperidade geral mas claramente incapaz de manter a mesma eficácia e a mersma serenidade institucional quando se trata, pelo contrário, de acomodar fases de desequilíbrio e mesmo de aberta pré-ruptura como está a acontecer, neste preciso momento, em países como a Irlanda [o desabamento de cuja economia a "Europa" não conseguiu mesmo ali, diante do seu sempre sapiente nariz, vir-se aproximando...] a Grécia e Portugal.

Existe ainda uma fuga para a frente clara dessas mesmas lideranças conmpletamente alheias aos perigos de desmantelamento da 'almofada de segurança', económica mas também social e política, do chamado "Estado Social", afinal, o grande dispositivo sistémico de segurança política do modo que, em meu entender, vem há muito garantindo a sobrevivência material do produção capitalista industrial e pós-industrial.

Esse projecto de desarticular disfarçadamente o Estado "Social" implica, como é evidente e inevitável, um reforço do potencial de intervenção repressora do próprio Estado uma vez que ele, projecto, não pode deixar de levantar reacções cada vez mais deternminadas e enérgicas à medida que se fiorem agravando as condições de "habitabilidade social e política" do sistema.

Tudo isto junto prefigura, a meu ver, a possibilidade de este se ver, a prazo, compelido a encontrar formas práticas, expeditas, de contenção e cada vez mais activo policiamento social e político não completamente "abertas" e por isso previsivelmente impopulares---e cá está o cerne daquela equacionação inicialmente feita envolvendo, por um lado, formas, algumas delas, já preocupantemente "callejeras" de histeria descontrolada, desnorte e "vigilantismo" declarados---ao lado de outras que, por enquanto, se vão mantendo, sobretudo, na sua forma tácita e muda, apenas potencial mas que podem, umas e outras, como aconteceu em momentos anteriores de péssima, de sinistra memória, necessitar de ser "recuperadas" e usadas pelo próprio sistema contra inimigos externos que lhes confiram sentido sistémico reconhecível, digamos assim!---e implicando, por outro, a evolução tendencial do próprio sistema para modelos objectivamente "musculados" para os quais os "exemplos" chineses [volta e meia maldisfarçamente admirados pela sua eficácia por um mundo "democrático" que nunca perdoou a excessiva complacência da democracia para com certos "pietismos" e "garantismos" sociais, no plano do emprego ou do paradigma de empregabilidade---coisas que, para ele, só atrapalham o funcionamento "eficaz" do sistema e impedem que ele opere "em pleno", "full steam ahead"....

A "bottomline" destas reflexões é, pois, para terminar:

a. ninguém deve hoje supreender-se [ninguém tem hoje o direito de se surpreender se um sistema que já impôs uma suposta União supostamente europeia venha num futuro mais ou menos próximo ver-se forçado a impor outras coisas coisas ainda e cada vez mais determinantes para a vida de cada um de nós, cidadãos da Europa de hoje; assim como,

b. em tese, poucas ou nenhuma das formas ou das fórmulas achadas pelo próprio sistema para se operacionalizar ulteriormente e tornar-se ainda mais... "expedito" [embora possa na prática aproximar-se muito daquela "reivindicação" recentemente apresentada por uma conhecida figura do nosso universo partidário, envolvendo a "suspensão estratégica e expediente" temporária da democracia] assumirá a replicação dos modelos históricos anteriores, cuja previsibilidade e evidência social e política os torna [a não ser, repito, "en cas de malheur, de très grand malheur"...] inexequíveis por demasiaso arriscados.

Pelo que é para outro lado---para dentro de nós e do mundo que nos rodeia que é preciso, a partir de agora, com particulares incidência e acuidade olhar...


[Na imagem: "Cry Wolf", colagem sobre papel impresso de Carlos Machado Acabado]

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