Há uma questão muito mistificada [envolvendo aspectos que se prendem directa ou indirectamente com a matéria da "entrada" imediatamente a seguir a esta] e sobre a qual gostaria de tecer aqui algumas considerações.
A questão em causa é aquela que se prende com as diferenças de fundo entre "fascismo" e "liberalismo", supostamente dois adversários inconciliáveis ente si em matéria, quer económica, quer política quer até nesse território extremamente maleável, móvel e difuso, situado entre ambos que é o "social".
É evidente que, no plano formal, no âmbito das instituições políticas consideradas em si mesmas [como inclusive no das representações mentais e cultu(r)ais dela inevitavelmente derivadas] existem dfiferenças substanciais entre ambas as formas de gerir politicamente as sociedades.
Disso ninguém terá razões para duvidar, sobretudo se, como sucedeu com tantos de nós portugueses de hoje entre os quais me incluo, tiver idade suficiente para ter vivido sob ambos os regimes, primeiro sob o salazar-marcelismo derrubado pela revolução militar e política de '74 e em seguida no âmbito desta forma vaga política [democraticamente simbólica] de administrar a História das comunidades humanas que é aquela que conhecemos vulgarmente pelo nome de "democracia".
É comum, é verdade, em épocas de particular turbulência e insatisfação como aquela em que vivemos hoje a tendência para a perda da noção exacta das diferenças formalmente, de facto, substanciais entre ambos os regimes.
É comum essa perda de perspectiva imediata da realidade que envolve o olhar que sobre ambas lançamos assim como é comum, por trás dela, perder igualmente a noção das diferenças muito profundas que existem entre os modos de intervir cívica e politicamente sobre cada uma delas, no sentido de erradicar aquela que representa a meu ver uma aberração economica, social, política---a ditadura, o fascismo quando o há ou o houve---e de melhorar a segunda, aquela a que, muitas vezes de forma extremamente pouco crítica, pouco selectiva e, por conseguinte, genericamente pouco consistente, designamos poor "democracia".
Sobre este aspecto envolvendo aquilo que distingue o fascismo e/ou a ditadura em geral dos entendimentos mais 'liovres' ou mais 'liberais' da vida das sociedades ninguém terá, volto a dizer, dúvidas efectivas de fundo.
Essas podem surgir [de facto, surgem!] no que diz respeito àquilo que menos evidente e sobretudo menos fundamentadamente---i.e. no plano infra-estrutural---liga ambas entre si e cada uma delas à História, à Economia e à Política.
De facto, a diferença entre ambas não é como tantas vezes se dá implicitamente de barato nem algo de exterior à História concreta, designadamente económica e financeira, das sociedades onde cada uma delas surge nem ao modo essa História é concebida e "alicada" no que ela tem de mais material e concreto, digamos assim.
A diferença entre ambas não é, pois, nem algo de abstracta e descontextualmente meta-histórico nem, indo um pouco mais longe no desenvolvimento da ideia que me proponho aqui defender, algo de metafísico.
Quero eu dizer que as pessoas---a classe---que conduz a História; que tem poder para efectivamente condicionar e determinar para onde pretende que ela vá se mantêm exactamente a mesma quando de um regime se passa historicamente para outro, como sucedeu na Alemanha ou na Itália e no Japão dos anos '40 e no Portugal da década de '70, do século passado.
É, do meu ponto de vista e do das ideias que aqui pretendo apresentar, essencial que se perceba este ponto e dele se retirem as inevitáveis---determinantes---decorrências.
Ou seja: o fascismo representou a meu ver basicamente a consequência objectiva de duas realidades: a ascenção histórica da burguesia europeia ao poder no século XVIII [ao que chamo a "propriedade efectiva da História"] trazendo consigo o argumento legitimador da capacidade técnica para rentabilizar ulteriormente essa mesma História e, cumulativamente, num plano mais concreto ligado à consecução pontual, efectiva, concreta, desse projecto global burguês de rentabilizá-la [reorganizando integralmente a realidade económica e social em geral com esse propósito preciso] o de construir para ela, História, um formato institucional [e até mental] a que chamo de "capitalismo político" ou "total" que consistia basicamente na tentativa de alargar o modelo fortemente verticalizado e centralmente funcionalizado de organização fabril à sociedade no seu todo.
A ideia é a de que, se o modelo resulta, na produção deve resultar, de igual modo na política e que só se pode extrair toda a utilidade e toda a eficácia das potencialidades do conhecimento como gerador de "valor" se as questões de organização forem pontualmente submetidas a esse propósito primário condutor.
Dito de outro modo se o Social e o Político [que o operacionaliza no concreto] aceitarem submeter-se funcional e, sobretudo, totalmente ao Económico.
Se eles---a Política, desde logo---aceitarem perder a sua independência particular, específica, em favor de um objectivo histórico muito preciso que é aquele que presidira ao triunfo efectivo da burguesia, ou seja, o de rentabilizar contínua e, sobretudo, sempre ulteriormente, sempre mais, a realidade.
É este princípio que passa a iluminar todo o desenvolvimento [o "deployment"] do processo histórico e, por conseguinte, também político a partir do momento em que a burguesia consegue plasmar, de forma efectiva, nas instituições [sociais, políticas mas também mentais e, em geral, cultu(r)ais] a sua própria ideia de História---aquela que ela traz do limbo de onde foi emergindo até ganhar força bastante para, servindo-se do impulso conmplementar das classes populares, "roubar a História à aristocracia" e instalar-se nela como grande força "proprietária" e, por conseguinte, também condutora.
Esta passagem do ideal democrático [envolvendo os modelos de organização humana colectiva] a função e instrumento de um projecto maior é, em meu entender, absolutamente determinante para se perceber o que se passa hoje social, política e até civilizacionalmente à nossa violta.
É que, a partir daí, da subscrição dessa espécie de grande contrato social e civilizacional entre as clases e entre estas e a História que passa a vigorar na definição futura objectual das formas que esta há-de assumir, o papel politicamente distribuído às formas de expressão institucional onde devem encontrar-se consagradas as aspirações dos indivíduos e das sociedades por eles formadas passou claramente a ser o de "ligar ou prender" a História a si mesma", não a deixando fugir das tarefas de consecução de um projecto de natureza econonómica [e instrumentalmente técnica] que as condicionava [àquelas formas] e que elas estavam obrigadas, de facto ou de direito a viabilizar e possibilitar que, dos mais diversos modos e maneiras, se cumprisse.
Há, pois, aqui, ou a partir daqui, deste tempo e desta ideia, uma inversão [ou mesmo---por que não dizê-lo?---uma subversão!] primária e nuclear das componentes naturais [eu diria de toda a ecologia] do processo de desenvolvimento global da História humana.
De acordo com esta mudança e para utilizar uma linguagem filosófica conhecida é possível dizer-se que, à semelhança do que se passa nas formas conhecidas de cosmovisão teocrática que o processo histórico "copia" des-transcendentalizando-as e des-sacralizando-as, a essência da História precede a existência dessa mesma História, ou seja, a História para as novas formas de administrá-la e geri-la, nasce já com "o destino marcado", um destino que obriga a si todas as múltiplas modalidades de representação teórica, cultu(r)al, mental etc. que, a partir da relação dos indivíduos, com ela e, depois, dos indivíduos entre si e até consigo, se vão formando, no concreto.
Neste contexto, a Revolução [que pretende desfixar a História desse vínculo que obriga a política a mantê-la completamente imóvel e firmemente presa a si mesma, impossibilitada de transformar-se livremente]; neste contexto, dizia, a Revolução emerge, por seu turno, nessa mesma História como 'o nosso existencialismo colectivo', a nossa possibilidade de repensar e ressissignificar livremente a nossa relação com ela e connosco mesmos---algo que repele instintivamente o status quo civilizacional que, por razões óbvias, vê nisso apostasia e sacrilégio.
Quando, voltando um pouco atrás, a chamada Revolução Industrial triunfa como paradigma económico, de facto extremamente funcional no plano estrita-e-estreitamente técnico [dando expressão a esse projecto inversional de História que é suposto "torná-la rentável", sempre mais "rentável"] começa-se de imediato a pensar que, se a receita fabril funcionava no seu próprio âmbito ou espaço preciso, então, a política, dentro de uma mesma i/lógica inversional-funcional já globalmente vigente, devia aceitar funcionalizá-la reconhecendo para si um papel, na in/essência, apenas ancilarmente possibilitador e secundariamente funcionalizador.
É, pois, um passo natural aquele que leva, por um lado, da Revolução Francesa [de que sai vencedora a burguesia, a qual, utilizando o povo para ajudá-la a apear a aristocracia, tecnicamente inepta, do seu anterior lugar na... "casa das máquinas" da História, desse mesmo "povo" se livra quase de imediato, passando a ser ela a gerir e a administrar---ou a ministrar---a História sozinha] à Industrial [que é na essência a consecução do projecto de funcionalização intensiva do real com que a burguesia tinha prometido legitimar-se historicamente e que, agora, agrega a si todas as formas de organização humana que para esse projecto perdem, como disse, qualquer modalidade ou modo de autonomia própria] e, por fim, da Revolução Industrial ao Fascismo ou Capitalismo Político, Capitalismo Total, Integral, que visava "fechar a História" num grande círculo material e mental sem "saída para o exterior", se assim me posso exprimir.
E é aqui que se estabelece---que eu estabeleço---uma espécie de grande vínculo teórico de episteme entre 'fascismo' e 'democracia' [de facto, entre 'fascismo' ou 'democracia formal', "demomorfia", como prefiro designá-la---um vínculo que, admito, é, por vezes, muito difícil de ver "do exterior", digamos assim, sendo, por isso, extremamente importante---vital mesmo---que sobre tudo isto reflictamos muito séria e muito criteriosamente, como aqui, aliás, procura sempre fazer, sempre que abordarmos estas questões.
A minha tese neste ponto é que há uma verdadeira "falácia de composição" no projecto de 'capitalismo total' tentado pela grande burguesia europeia [e até americana e asiática] nos anos '20 e '30 do século passado.
Ou seja: até um dado ponto ou grau de composição, de "expansão composicional", digamos assim, a funcionalidade geral do modelo consegue ser globalmente sustentada, sobretudo, se o Estado [que, não por acaso, acaba historicamente concentrado, ele próprio, nas mãos de uma classe na forma do muito decantado Estado-nação moderno, chamado a colaborar, a partir de dada altura, verticialmente nas tarefas de funcionalização burguesa atrás descritas...] "der uma ajudinha", recolhendo as "baixas" do funcionamento natural do modelo e, como não me canso de repetir e de sublinhar, pondo toda a sociedade a recapitalizar continuamente eese mesmo modelo na forma do "Estado social" pago com os impostos de todos.
A partir desse grau ou "instante teórico" específico, o modelo deixa de se sustentar como o provaram as auto-extinções do fascismo e do nazismo que foram sociais e especificamente militares mas que não foram autonomamente militares, isto é, resultaram da própria lógica intensiva e extensivamente naturalmente concorrencial e obsessivamente funcionalizadora do modelo que passou a agregar a agressão bélica como instrumento de expansão e consolidação económica e financeira.
E é precisamente dentro desta lógica de refuncionalização contínua do mesmo que, vendo-se ameaçado pelos efeitos disruptores dinâmicas quasi-incontrolavelmente dissolutoras que desencadeou tentando fechar-se sobre si mesmo num "objecto económico-político" único, que este se vê, a partir de dado momento composicional correspondente à quase implosão militar, social e política ociorrida em 1945 forçado a "importar do exterior" formas selectas de "liberalicização funcional" que o possibilitem ulteriormente.
Que o possibilitem ulteriormente criando, para isso, como motor de decisionalidade, em lugar da compulsão anterior que marcara as formas clássicas de autoritarismo político, a ficção cultu[r]al e política da sobrevivência do modelo como resultado da acção autónoma do desejo, individual e colectivo regularmente reconfirmado em eleições.
De facto, o que nas modalidades comuns de "democracia funcional" ou "demomorfia" temos são formas ainda e sempre inversionais, politicamente ancilares, de manter a História [a variável funcionante] indissoluvelmente ligada à respectiva infra-estrutura económica e política inalterada [a "constante de referencialidade ultimativa permanente"] do sistema, através da "mediação estratégica" da "política", usada como... "cola" de todo o modelo.
E é por isso, devido a essa natureza "ancilarmente demonstrativa", "infixamente possibilitante", da 'democracia funcional' actualmente institucionaslizada no Ocidente que pessoas como eu se permitem chamar continuamente a atenção para a 'i/lógica de parentalidade estrutural', 'nuclear', digamos assim, existente entre os grandes autoritarismos históricos de meados do século XX e as formas modernas e 'pós-modernas' de organização histórica e política---de organização ou estruturação civilizacional---actualmente em vigor a que chamamos "democráticas" e que, volto a dizer, na in/essência, possuem exactamente devido ao vínculo funcional muito forte que as liga entre si, uma demonstrável "proximidade de função" com as modalidades de gestão histórica e política que as antecederam e das quais, por isso, no plano da visão crítica macro-histórica, não podem ser dissociadas e consideradas como algo de completamente independentre ou até, no limite, verdadeiramente distinto.
Não é que 'democracia' e 'ditadura' ou até 'fascismo' sejam, como muitas se diz, afinal, a "mesma coisa".
Existem, óbvia e demonstravelmente muitas diferenças na forma como se impõem às pessoas ou como são cultu[tr]almente impostas a essas mesmas pessoas.
São, pode dizer-se, historicamente diferentes.
Onde as distinções se esbatem e de forma considerável, estrutural mesmo, por tudo quanto deixo escrito, é, como disse, no plano macro-histórico.
Quando, por exemplo, no texto que imediatamente se segue, eu aproximo, para efeitos de análise, modelos económico-políticos aparentemente muito diferenciados como o estadunidense [formalmente democrático e liberal, em mais de uma das vários acepções possíveis do termo] e o brasileiro [que até por uma ditadura passou] não há, da minha perspectiva; da tal perspectiva orgânica e macro-histórica que aqui me norteia, qualquer contradição ou deformação artifical da realidade a fim de caber numa ideia prévia que se pretenda abusivamente demonstrar.
Daquela perspectiva macro-histórica, não há.
Trata-se em ambos os casos de um mesmo projecto de usar a História e a Política dentro dela como meros dispositivos demonstrativos e genérica ou implicitamente demonstraticvos---um projecto de classe cuja principal característica é, num certo sentido, o de, tendo-se por diversas vezes "funcional ou funcionantemente mutado" nunca se ter, de facto, interrompido desde que a burguesia tomou de assalto a História vai para trezentos anos...
A questão em causa é aquela que se prende com as diferenças de fundo entre "fascismo" e "liberalismo", supostamente dois adversários inconciliáveis ente si em matéria, quer económica, quer política quer até nesse território extremamente maleável, móvel e difuso, situado entre ambos que é o "social".
É evidente que, no plano formal, no âmbito das instituições políticas consideradas em si mesmas [como inclusive no das representações mentais e cultu(r)ais dela inevitavelmente derivadas] existem dfiferenças substanciais entre ambas as formas de gerir politicamente as sociedades.
Disso ninguém terá razões para duvidar, sobretudo se, como sucedeu com tantos de nós portugueses de hoje entre os quais me incluo, tiver idade suficiente para ter vivido sob ambos os regimes, primeiro sob o salazar-marcelismo derrubado pela revolução militar e política de '74 e em seguida no âmbito desta forma vaga política [democraticamente simbólica] de administrar a História das comunidades humanas que é aquela que conhecemos vulgarmente pelo nome de "democracia".
É comum, é verdade, em épocas de particular turbulência e insatisfação como aquela em que vivemos hoje a tendência para a perda da noção exacta das diferenças formalmente, de facto, substanciais entre ambos os regimes.
É comum essa perda de perspectiva imediata da realidade que envolve o olhar que sobre ambas lançamos assim como é comum, por trás dela, perder igualmente a noção das diferenças muito profundas que existem entre os modos de intervir cívica e politicamente sobre cada uma delas, no sentido de erradicar aquela que representa a meu ver uma aberração economica, social, política---a ditadura, o fascismo quando o há ou o houve---e de melhorar a segunda, aquela a que, muitas vezes de forma extremamente pouco crítica, pouco selectiva e, por conseguinte, genericamente pouco consistente, designamos poor "democracia".
Sobre este aspecto envolvendo aquilo que distingue o fascismo e/ou a ditadura em geral dos entendimentos mais 'liovres' ou mais 'liberais' da vida das sociedades ninguém terá, volto a dizer, dúvidas efectivas de fundo.
Essas podem surgir [de facto, surgem!] no que diz respeito àquilo que menos evidente e sobretudo menos fundamentadamente---i.e. no plano infra-estrutural---liga ambas entre si e cada uma delas à História, à Economia e à Política.
De facto, a diferença entre ambas não é como tantas vezes se dá implicitamente de barato nem algo de exterior à História concreta, designadamente económica e financeira, das sociedades onde cada uma delas surge nem ao modo essa História é concebida e "alicada" no que ela tem de mais material e concreto, digamos assim.
A diferença entre ambas não é, pois, nem algo de abstracta e descontextualmente meta-histórico nem, indo um pouco mais longe no desenvolvimento da ideia que me proponho aqui defender, algo de metafísico.
Quero eu dizer que as pessoas---a classe---que conduz a História; que tem poder para efectivamente condicionar e determinar para onde pretende que ela vá se mantêm exactamente a mesma quando de um regime se passa historicamente para outro, como sucedeu na Alemanha ou na Itália e no Japão dos anos '40 e no Portugal da década de '70, do século passado.
É, do meu ponto de vista e do das ideias que aqui pretendo apresentar, essencial que se perceba este ponto e dele se retirem as inevitáveis---determinantes---decorrências.
Ou seja: o fascismo representou a meu ver basicamente a consequência objectiva de duas realidades: a ascenção histórica da burguesia europeia ao poder no século XVIII [ao que chamo a "propriedade efectiva da História"] trazendo consigo o argumento legitimador da capacidade técnica para rentabilizar ulteriormente essa mesma História e, cumulativamente, num plano mais concreto ligado à consecução pontual, efectiva, concreta, desse projecto global burguês de rentabilizá-la [reorganizando integralmente a realidade económica e social em geral com esse propósito preciso] o de construir para ela, História, um formato institucional [e até mental] a que chamo de "capitalismo político" ou "total" que consistia basicamente na tentativa de alargar o modelo fortemente verticalizado e centralmente funcionalizado de organização fabril à sociedade no seu todo.
A ideia é a de que, se o modelo resulta, na produção deve resultar, de igual modo na política e que só se pode extrair toda a utilidade e toda a eficácia das potencialidades do conhecimento como gerador de "valor" se as questões de organização forem pontualmente submetidas a esse propósito primário condutor.
Dito de outro modo se o Social e o Político [que o operacionaliza no concreto] aceitarem submeter-se funcional e, sobretudo, totalmente ao Económico.
Se eles---a Política, desde logo---aceitarem perder a sua independência particular, específica, em favor de um objectivo histórico muito preciso que é aquele que presidira ao triunfo efectivo da burguesia, ou seja, o de rentabilizar contínua e, sobretudo, sempre ulteriormente, sempre mais, a realidade.
É este princípio que passa a iluminar todo o desenvolvimento [o "deployment"] do processo histórico e, por conseguinte, também político a partir do momento em que a burguesia consegue plasmar, de forma efectiva, nas instituições [sociais, políticas mas também mentais e, em geral, cultu(r)ais] a sua própria ideia de História---aquela que ela traz do limbo de onde foi emergindo até ganhar força bastante para, servindo-se do impulso conmplementar das classes populares, "roubar a História à aristocracia" e instalar-se nela como grande força "proprietária" e, por conseguinte, também condutora.
Esta passagem do ideal democrático [envolvendo os modelos de organização humana colectiva] a função e instrumento de um projecto maior é, em meu entender, absolutamente determinante para se perceber o que se passa hoje social, política e até civilizacionalmente à nossa violta.
É que, a partir daí, da subscrição dessa espécie de grande contrato social e civilizacional entre as clases e entre estas e a História que passa a vigorar na definição futura objectual das formas que esta há-de assumir, o papel politicamente distribuído às formas de expressão institucional onde devem encontrar-se consagradas as aspirações dos indivíduos e das sociedades por eles formadas passou claramente a ser o de "ligar ou prender" a História a si mesma", não a deixando fugir das tarefas de consecução de um projecto de natureza econonómica [e instrumentalmente técnica] que as condicionava [àquelas formas] e que elas estavam obrigadas, de facto ou de direito a viabilizar e possibilitar que, dos mais diversos modos e maneiras, se cumprisse.
Há, pois, aqui, ou a partir daqui, deste tempo e desta ideia, uma inversão [ou mesmo---por que não dizê-lo?---uma subversão!] primária e nuclear das componentes naturais [eu diria de toda a ecologia] do processo de desenvolvimento global da História humana.
De acordo com esta mudança e para utilizar uma linguagem filosófica conhecida é possível dizer-se que, à semelhança do que se passa nas formas conhecidas de cosmovisão teocrática que o processo histórico "copia" des-transcendentalizando-as e des-sacralizando-as, a essência da História precede a existência dessa mesma História, ou seja, a História para as novas formas de administrá-la e geri-la, nasce já com "o destino marcado", um destino que obriga a si todas as múltiplas modalidades de representação teórica, cultu(r)al, mental etc. que, a partir da relação dos indivíduos, com ela e, depois, dos indivíduos entre si e até consigo, se vão formando, no concreto.
Neste contexto, a Revolução [que pretende desfixar a História desse vínculo que obriga a política a mantê-la completamente imóvel e firmemente presa a si mesma, impossibilitada de transformar-se livremente]; neste contexto, dizia, a Revolução emerge, por seu turno, nessa mesma História como 'o nosso existencialismo colectivo', a nossa possibilidade de repensar e ressissignificar livremente a nossa relação com ela e connosco mesmos---algo que repele instintivamente o status quo civilizacional que, por razões óbvias, vê nisso apostasia e sacrilégio.
Quando, voltando um pouco atrás, a chamada Revolução Industrial triunfa como paradigma económico, de facto extremamente funcional no plano estrita-e-estreitamente técnico [dando expressão a esse projecto inversional de História que é suposto "torná-la rentável", sempre mais "rentável"] começa-se de imediato a pensar que, se a receita fabril funcionava no seu próprio âmbito ou espaço preciso, então, a política, dentro de uma mesma i/lógica inversional-funcional já globalmente vigente, devia aceitar funcionalizá-la reconhecendo para si um papel, na in/essência, apenas ancilarmente possibilitador e secundariamente funcionalizador.
É, pois, um passo natural aquele que leva, por um lado, da Revolução Francesa [de que sai vencedora a burguesia, a qual, utilizando o povo para ajudá-la a apear a aristocracia, tecnicamente inepta, do seu anterior lugar na... "casa das máquinas" da História, desse mesmo "povo" se livra quase de imediato, passando a ser ela a gerir e a administrar---ou a ministrar---a História sozinha] à Industrial [que é na essência a consecução do projecto de funcionalização intensiva do real com que a burguesia tinha prometido legitimar-se historicamente e que, agora, agrega a si todas as formas de organização humana que para esse projecto perdem, como disse, qualquer modalidade ou modo de autonomia própria] e, por fim, da Revolução Industrial ao Fascismo ou Capitalismo Político, Capitalismo Total, Integral, que visava "fechar a História" num grande círculo material e mental sem "saída para o exterior", se assim me posso exprimir.
E é aqui que se estabelece---que eu estabeleço---uma espécie de grande vínculo teórico de episteme entre 'fascismo' e 'democracia' [de facto, entre 'fascismo' ou 'democracia formal', "demomorfia", como prefiro designá-la---um vínculo que, admito, é, por vezes, muito difícil de ver "do exterior", digamos assim, sendo, por isso, extremamente importante---vital mesmo---que sobre tudo isto reflictamos muito séria e muito criteriosamente, como aqui, aliás, procura sempre fazer, sempre que abordarmos estas questões.
A minha tese neste ponto é que há uma verdadeira "falácia de composição" no projecto de 'capitalismo total' tentado pela grande burguesia europeia [e até americana e asiática] nos anos '20 e '30 do século passado.
Ou seja: até um dado ponto ou grau de composição, de "expansão composicional", digamos assim, a funcionalidade geral do modelo consegue ser globalmente sustentada, sobretudo, se o Estado [que, não por acaso, acaba historicamente concentrado, ele próprio, nas mãos de uma classe na forma do muito decantado Estado-nação moderno, chamado a colaborar, a partir de dada altura, verticialmente nas tarefas de funcionalização burguesa atrás descritas...] "der uma ajudinha", recolhendo as "baixas" do funcionamento natural do modelo e, como não me canso de repetir e de sublinhar, pondo toda a sociedade a recapitalizar continuamente eese mesmo modelo na forma do "Estado social" pago com os impostos de todos.
A partir desse grau ou "instante teórico" específico, o modelo deixa de se sustentar como o provaram as auto-extinções do fascismo e do nazismo que foram sociais e especificamente militares mas que não foram autonomamente militares, isto é, resultaram da própria lógica intensiva e extensivamente naturalmente concorrencial e obsessivamente funcionalizadora do modelo que passou a agregar a agressão bélica como instrumento de expansão e consolidação económica e financeira.
E é precisamente dentro desta lógica de refuncionalização contínua do mesmo que, vendo-se ameaçado pelos efeitos disruptores dinâmicas quasi-incontrolavelmente dissolutoras que desencadeou tentando fechar-se sobre si mesmo num "objecto económico-político" único, que este se vê, a partir de dado momento composicional correspondente à quase implosão militar, social e política ociorrida em 1945 forçado a "importar do exterior" formas selectas de "liberalicização funcional" que o possibilitem ulteriormente.
Que o possibilitem ulteriormente criando, para isso, como motor de decisionalidade, em lugar da compulsão anterior que marcara as formas clássicas de autoritarismo político, a ficção cultu[r]al e política da sobrevivência do modelo como resultado da acção autónoma do desejo, individual e colectivo regularmente reconfirmado em eleições.
De facto, o que nas modalidades comuns de "democracia funcional" ou "demomorfia" temos são formas ainda e sempre inversionais, politicamente ancilares, de manter a História [a variável funcionante] indissoluvelmente ligada à respectiva infra-estrutura económica e política inalterada [a "constante de referencialidade ultimativa permanente"] do sistema, através da "mediação estratégica" da "política", usada como... "cola" de todo o modelo.
E é por isso, devido a essa natureza "ancilarmente demonstrativa", "infixamente possibilitante", da 'democracia funcional' actualmente institucionaslizada no Ocidente que pessoas como eu se permitem chamar continuamente a atenção para a 'i/lógica de parentalidade estrutural', 'nuclear', digamos assim, existente entre os grandes autoritarismos históricos de meados do século XX e as formas modernas e 'pós-modernas' de organização histórica e política---de organização ou estruturação civilizacional---actualmente em vigor a que chamamos "democráticas" e que, volto a dizer, na in/essência, possuem exactamente devido ao vínculo funcional muito forte que as liga entre si, uma demonstrável "proximidade de função" com as modalidades de gestão histórica e política que as antecederam e das quais, por isso, no plano da visão crítica macro-histórica, não podem ser dissociadas e consideradas como algo de completamente independentre ou até, no limite, verdadeiramente distinto.
Não é que 'democracia' e 'ditadura' ou até 'fascismo' sejam, como muitas se diz, afinal, a "mesma coisa".
Existem, óbvia e demonstravelmente muitas diferenças na forma como se impõem às pessoas ou como são cultu[tr]almente impostas a essas mesmas pessoas.
São, pode dizer-se, historicamente diferentes.
Onde as distinções se esbatem e de forma considerável, estrutural mesmo, por tudo quanto deixo escrito, é, como disse, no plano macro-histórico.
Quando, por exemplo, no texto que imediatamente se segue, eu aproximo, para efeitos de análise, modelos económico-políticos aparentemente muito diferenciados como o estadunidense [formalmente democrático e liberal, em mais de uma das vários acepções possíveis do termo] e o brasileiro [que até por uma ditadura passou] não há, da minha perspectiva; da tal perspectiva orgânica e macro-histórica que aqui me norteia, qualquer contradição ou deformação artifical da realidade a fim de caber numa ideia prévia que se pretenda abusivamente demonstrar.
Daquela perspectiva macro-histórica, não há.
Trata-se em ambos os casos de um mesmo projecto de usar a História e a Política dentro dela como meros dispositivos demonstrativos e genérica ou implicitamente demonstraticvos---um projecto de classe cuja principal característica é, num certo sentido, o de, tendo-se por diversas vezes "funcional ou funcionantemente mutado" nunca se ter, de facto, interrompido desde que a burguesia tomou de assalto a História vai para trezentos anos...
[Imagem ilustrativa extraída, com a devida vénia, de taringa-dot-com]
2 comentários:
Análise muito profunda e feita com perspicácia...
Amigo Carlos já reparei que voltou a seguir o meu blog agora com um novo visual :)
Eu durante dois ou três dias de Março criei outro "Suores frios",
http://www.suoresfrios.blogspot.com onde inicialmente contava abordar vários e diversos temas mas como já para o actual tenho pouco tempo disponível, então com outro seria muito díficil de manter como desejava e tive de o fechar, mas o primeiro post até o posso considerar um erro da minha parte já que afirmava lá que considerava a candidatura do Dr. Fernando Nobre uma novidade muito agradável no actual sistema político e que iria sem dúvida votar nele mas de então para cá mudei totalmente de ideias, esse candidato não consegue ter uma mensagem que traga algo de novo e de saudável para a "Democracia" nacional actual. Ultimamente até tem vindo a elogiar figuras que pouco ou nada contribuiram para termos entre nós uma melhor política, economia,sociedade, etc. como é o caso Dr. Mário Soares principalmente, dizendo dele ser mesmo uma das figuras da política que mais admira! Elogiou também os esforços feitos para se ter este Orçamento, mesmo com este governo e oposição não se mostra quase nada crítico então o quer fazer afinal esse senhor para que o regime actual melhore? Não tem ideias de reforço do sistema presidencial que servisse de exemplo para o governo (o que com o actual Presidente não acontece), com uma nova ideia de ética ou de serviço público, no caso do P.R. de exemplo máximo a dar ao país de moralização das instituições, aumentando a exigência nos cargos públicos, começando pelos mais importantes. Não fala em nada disso, não basta dizer-se um democrata que se orgulha de ser português e cantar o hino é preciso muito mais, desiludiu muita gente além de mim, perdeu uma oportunidade única e muito por culpa dele que vai ter uma votação muito fraca o actual P.R. vai ser eleito à 1ª volta, embora as eleições sejam já viciadas pelo circo mediático das campanhas eleitorais, a sociedade não gosta de se esclarecer, de pensar no que será melhor, prefere distrair-se com overdoses de telenovelas,Preço Certo, Casa dos Segredos e por aí fora e enquanto fôr assim nada feito...
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