terça-feira, 24 de agosto de 2010

"Gene Kelly"


Revendo recentemente no insubstituível ARTE um tributo a Stravinski e à sua colaboração com Diaguilev, designadamente no revolucionário "Pássaro de Fogo" [na versão do Marinski, com a coreografia original de Nijinski reconstituída a partir da documentação existente] tive ocasião de reavaliar o que já era, de resto, a minha própria enorme admiração pelo [nem sempre suficientemente valorizado] trabalho de Kelly, como bailarino e, num certo sentido, sobretudo, como coreógrafo.

Muito menos clássico ou, pelo menos, não tão canónico ou tão ortodoxo como Fred Astaire [a imediata referência---"the ultimate reference"...---da dança no cinema] Kelly foi, a meu ver, muito mais longe e, sobretudo, muito mais fundo na concepção de dança e da sua possível---questionadora e não-raro, abertamente subversora---relação com o real.

Há no cerne da sua visão da dança uma, por vezes, cáustica ironia e uma permanente inquietação [a angústia existencial e até, em mais de um sentido, ontológica...] magicamente sublimada em orgástica festividade, em ritual celebratório triunfalmente "primitivo"] que vêm, em meu entender, precisamente daqui, das rupturas introduzidas por Stravinski e Diaguilev/Nijinski na dança do século XX, tradição que Kelly "apanha" muito bem e que retransporta, com uma argúcia e uma inteligência visual, por vezes prodigiosamente triunfal e contagiante para a realidade pop do seu tempo.

... Que, todavia, o não acompanharia até ao fim tendo o seu "Hello, Dolly" marcado o término de uma carreira notabilíssima marcada por momentos absolutamente geniais e cinematograficamente definitivos de onde sobressaem, entre outros, as participações nos inesquecíveis "Singing in the Rain" [co-dirigdo com Stanley Donan] ou "An American in Paris", de Minelli, com Cole Porter 'a fazer de' Stravinski.

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