sábado, 7 de agosto de 2010

"Uma Normalidade Que... Dói"


Já por diversas vezes aqui fiz referência ao meu caótico mas bem nutrido “arquivo” de recortes de imprensa de onde extraio hoje, sem ter de procurar muito, material para suportar documentalmente uma pergunta que faço vezes sem conta a mim mesmo, a cada novo dia que passa.

São ambos os recortes citados do “Público”: um, é do de 27.05.07 [de antes de todo este «folclore» da “crise” se ter instalado na “Europa”, portanto] e tem um título esclarecedor que baseando-se num estudo inédito sobre a pobreza em Portugal afirma, textualmente [e cito] que “Metade das famílias portuguesas esteve em situação de pobreza pelo menos um ano entre 1995 e 2000”.

Não menos eloquente é o subtítulo que diz por seu turno: “Primeiros resultados de estudo inédito confirmam persistência da pobreza”.

Sobre o tema corrobora, segundo o jornal, para que não restem dúvidas, o coordenador do estudo, Alfredo Bruto da Costa, durante a conferência da Comissão Nacional Justiça e Paz da Igreja Católica: “Esta é a verdadeira dimensão da pobreza em Portugal.”

Agora o segundo texto.

É mais recente.

É, como disse, igualmente do “Público”.

É sua autora a jornalista São José Almeida, deu-o à estampa o jornal em 07-08.10 e intitula-se tão esclarecedoramente quanto o anteriormente citado [da autoria de João Marujo, acrescente-se, já agora] “Pobres Mais Pobres”.

“Pobres mais pobres”, portanto, só para a gente se situar [e enquadrar com o necessário rigor toda esta questão] três anos depois.

Aí se refere que vivem hoje em Portugal 395.341 pessoas, números oficiais, que estão a receber o chamado “Rendimento Social de Inserção”.

Escreve São José Almeida: “Ou seja, [que] vivem com uma verba que tem como valor máximo [] 189,52 euros por mês []”

Para por fim concluir pouco mais adiante:

“No país em que, mesmo com o anterior quadro de apoios do Estado, havia 20 por cento da população a viver abaixo do limiar de pobreza e em que, de acordo com os dados da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social, é sabido que, se não houvesse apoios estatais, a percentagem de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza seria de 40 por cento, não deixa de ser politica e ideologicamente expressivo---e não apenas simbólico---que a posição do Governo seja a de diminuir os apoios sociais.”

Não seria necessário acrescentar muito mais para se ter achado [para além de uma imagem perfeitamente esclarecedora do papel estruturalmente conservador porque objectualmente essencial possibilitador do proprio 'regime' para o qual tem, afinal, servido de recapitalizador exógeno verdadeiramente crucial: sem ele, com 40% da população pobre onde estaria o mercado para absorver a produção e possibilitar o funcionamento da própria máquina económica] fundamentação bastante para a tal pergunta que comecei por afirmar fazer regularidade praticamente diária a mim próprio.

Que é, muito claramente esta que se segue: “COMO é possível que seja isto que se apresenta a um país europeu, do século XXI como, ao menos em termos objectivos, não apenas normalidade como a própria normalidade?

E COMO é [mais grave ainda!] possível que isto seja paradigma de seja o que for e seja para quem for?

Ou, numa formulação que resume, afinal, tudo, todas as perguntas: “COMO é possível que isto seja possível?!

E aqui poderíamos até, no fundo, quase ao acaso acrescentar uma outra citação.

Concretamente do “D. N.” de 11.05.07 [portanto, do mesmo ano da primeira que citei do “Público”] onde se recorda, entre outros "casos" eloquentes, que “[Os] grupos [económicos] crescem oito vezes mais que o País” e se explicita que, por exemplo, a... famigerada GALP com um investimento que “caiu 29%” teve um crescimento no que respeita ao “resultado operacional” de 78% e um aumento de 400% nos dividendos.

Esta mesma GALP foi, ainda de acordo com o jornal, uma empresa que em 4 anos, isto é, de 2002 a 2006, aumentou seis vezes o lucro.

Já a Sonae, por seu turno, sempre de acordo com o jornal, desempregou em apenas cinco anos 21 mil pessoas, ou seja, 42% da sua força de trabalho.

No conjunto, as “as grandes empresas não financeiras” reduziram, sempre segundo a mesma fonte, essa força de trabalho, nos mesmos cinco anos, em 16%, isto é, quase um quinto, portanto, da força global de trabalho em Portugal.

Em todas as citações que recolhi, fala-se de uma [sempre a mesma] situação económica, social, política [geopolítica] e histórica.

Que é como quem [e os documentos atestam-no à saciedade] de uma situação social e humanamente vergonhosa mas, mais grave ainda, segundo o próprio coordenador do estudo que comecei por citar, não efémera, não atípica nem transitória ou fugaz e pontual mas, dito por quem sabe, “persistente”.

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De uma situação que, por conseguinte, se converteu já, de um modo ou de outro, num padrão estável, característico, nacional, olimpicamente indiferente às “crises”, completamente impermeável às conjunturas: da nossa inquietante, deprimente e, pelos vistos, estabilíssima, “normalidade” colectiva social, económica e politica nacional.


[Imagem extraída com a devida vénia de sputnikafalaserio-dot-co-dot-uk]

1 comentário:

Ezul disse...

A inquietante situação de um país “colonizado” por uns quantos, apostados em extrair benefícios até à exaustão e ao comprometimento total e irreversível do futuro de um País que, por não existir, facilmente será entregue à sua sorte. Políticos e os grupos económicos continuarão a cavar a mina, contribuindo para alimentar as notícias dos jornais, umas sob a forma de estudos que nos “ensinam” [se é que alguém aprende o que quer que seja] aquilo que, afinal de contas, a população “sente” [se é que isso acontece, pois esperar-se-ia que à capacidade de sentir correspondesse qualquer outro tipo de reacção que não se resumisse ao bater com a cabeça no muro das lamentações do conformismo nacional] diariamente no acto da sobrevivência diária, outras sob a forma de anúncios escandalosamente desavergonhados das subidas dos preços dos combustíveis, das comissões dos bancos, ou de notícias de “soluções“ milagrosas para o sucesso nacional, como o corte dos salários, o corte dos apoios sociais, já para não falar noutras medidas extraordinárias de poupança em que se traduzem, no fundo, as alegadas vantagens pedagógicas decorrentes das teorias mirabolantes que insistem em aplicar ao ensino português [se é que ainda é possível utilizar conceitos como educação e ensino] e sem esquecer tantos outros “cortes”, ou “acrescentos”, que vão sendo idealizados e concretizados [à revelia (?) de meia dúzia de protestos típicos do(a) … carácter (?), consciência (?) do povo português – num país onde tanto conta a tradição, honra feita aos “brandos costumes”.] ou, como vai sendo o “pão nosso de cada dia”, sob a forma de mais uns quantos títulos bem gordos que anunciam um qualquer escândalo de corrupção, com o enredo a decorrer num número infinito de episódios mas com um desfecho anunciado desde o início – a impunidade. Depois de bem cavada a mina, esgotado o filão, a magnífica opção por um cargo de prestígio bem remunerado lá fora [é sempre um motivo de orgulho nacional ver Portugueses em altos cargos europeus!], por um sólido investimento num outro qualquer recanto do Mundo que ainda ofereça algo a sugar, por uma merecida e bem recheada reforma [várias reformas, de preferência e de acordo com os padrões que têm vindo a ser divulgados] a gozar algures, longe do território nacional.