segunda-feira, 9 de agosto de 2010

"Na Morte de Dias Lourenço"


Já o "Quisto" [assim como, de resto, o respectivo irmão mais novo, o "Zanzibar"] se encontravam de malas aviadas para um período de "férias existenciais" a terem lugar para aí numas "Bahamas emocionais e afectivas" remotas quaisquer do "Planeta das Vivências" quando foi surpreendido pela notícia do falecimento aos 95 anos do histórico militante do Partido Comunista Português, José Dias Lourenço e decidiu que era um imperativo absolutamente incontornável de coerência ideológica e política regressar, quanto mais não fosse por breves instantes, para se juntar aos que quiseram, num tempo de socráticas mutilações do ideal democrático saído do 25 de Abril de 1974, homenagear um Homem que era dos últimos a poder legitimamente aspirar a representar aquele e a falar em seu nome por tê-lo, com risco da própria vida, defendido ao longo da toda uma preenchidíssima e, a mais de um título, exemplar existência.

Evadido de Peniche em 1954 com, entre outros, Álvaro Cunhal, durante muito tempo director do "Avante", a ele justamente com Cunhal, se deve, no início da década de '40 do século passado, o crucial movimento de reorganização interna do Partido que viria a fazer deste a solidíssima força ideológica e política de afirmação própria, segundo a assumida linha de defesa do marxismo-leninismo assim como, naturalmente, de consistente resistência à ditadura que viria a conduzir à queda final desta em 1974.

Era, pois, um dos "velhos" do Partido.

Um dos que traziam da experiência da duríssima luta política contra o salazarismo a cultura não apenas de defesa intransigente da identidade ideológica do Partido como a da necessidade concomitante de agir sempre em consonância com aquela, sem tergiversações ou cedências fáceis e oportunistas.

Do movimento re/estruturador que Dias Lourenço ajudou a consolidar em 1940-41, seria hoje importante [seria, aliás, melhor dizendo: essencial!] que se retirasse a lição de que só mediante três condições absolutamente cruciais, vitais, que fazem parte do, chamemos-lhe: património conceptivo e cosmovisional do movimento interno de 40-41, é possível, nos tempos de persistente cepticismo e desagregação ideológica que hoje se vivem; nos tempos de generalizada apatia e "melancolia democrática" que hoje se experimentam na sociedade portuguesa, fazer face ao afundamento terminal do próprio regime apesar de tudo ainda formalmente democrático vigente entre nós.

A saber: a necessidade de manter o património marxista-leninista que está no âmago da identidade mais básica e mais essencial/essenciante do Partido na condição distintiva reconhecível, demonstrável, de "teoria global e dinâmica da realidade", isto é, como referência angular de intervenção cívica, cultural e política na sociedade e na própria História; a necessidade não menos crucial de perceber, pessoal e, como é evidente, também institucionalmente com toda a clareza, aquilo que, nesse património, é resposta histórica especificamente circunstancial e circunstanciada e aquilo que nela é princípio teórico continuamente re/circunstanciável enquanto tal, passível, portanto, de regressar activamente à própria História de onde se originou em formas circunstancialmente novas porque criteriosamente adaptadas a igualmente novas condições, de natureza quer objectiva, quer subjectiva expressas ou geradas por essa mesma História no seu incessante devir; e, por fim, a necessidade de fazer da experiência organizada [e organicamente] transformadora ainda e sempre da História por parte das sociedades humanas uma vivência colectiva alargada, idealmente total, de que é expressão teórica e operativa referencial o conceito luckacsiano tardio de "Psychologisches Klassbewusstsein" por oposição [por oposição dialéctica!] à de "Zugerechnetes Bewusstsein", adoptado inicialmente pelo próprio Luckcs e, por ele, posteriormente substituído, em termos dialécticos, pelo conceito anteriormente referido.

A História dificilmente se repete, como é sabido---o que significa que, num certo sentido básico absolutamente crucial, ela também "não volta, em caso algum, realmente para trás".

A questão não é, pois, nunca a de "imitar" e muito menos a de "copiar" servilmente um passado que triunfou mas o de procurar moldar organicamente o futuro tendo percebido com exactidão e verdadeira profundidade, como e por quê, para lá das circunstâncias concretas em si, a sociedade em causa pôde ter triunfado.

Foi precisamente porque este exercício de cuidada abordagem teórica e escrupulosa análise e conceptuação histórica esteve prioritariamente no espírito desses brilhantes comunistas de '40, como Dias Lourenço e a figura absolutamente incontornável de português, de artista, de intelectual, de pensador e de comunista que foi Cunhal que o Partido pôde sobreviver às fragilidades de uma existência pioneira e à época sobretudo tentativa e ter sobrevivido, com a pujança única que se conhece até aos nossos dias.

Reconhecer a lucidez e a acção fundamental de Dias Lourenço, agora que já muito poucos restarão dessa geração re/fundadora do Partido será, sem dúvida, a melhor maneira; a maneira comunista de homenagear Dias Lourenço e, acima de tudo, de fazer do tributo que aqui se lhe quis absolutamente prestar por ocasião do seu desaparecimento agora ocorrido um acto político realmente relevante e um gesto efectivamente importante porque de facto revolucionário.


[Foto: extraída com a devida vénia do "Jornal de Notícias" online]

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