domingo, 8 de agosto de 2010

"Chama-se a isto «a História»"


Um artigo de jornal que tinha há já algum tempo “em lista de espera” para entrar aqui devidamente comentado é do “D. N.” de 15.08.08.

Escreveu-o Helena Tecedeiro e intitula-se “Brancos Perdem Maioria nos E.U.A. em 2042”.

É o típico título-provocação, título-choque, título... tablóide.

Lido mais ou menos apressadamente num tempo de [muitas vezes habilmente cultivada e instrumentalizada!...] histeria anti-imigração soa a rebate de sinos: coitados dos americanos! O que vai ser deles, imersos a prazo num mar de gente "esquisita" e "estrangeira", índia, negra, eu sei lá---eles que foram tão generosos para com aquela gente toda que os acolheram há muito no seu seio como se fossem, afinal, "dos seus"!...

Lido só assim [e lido sem mais] causa inequívoca, em larga medida reflexa [mais reflexa do que reflexiva, sem dúvida!] inquietação.

Pois causa mas, pensando, um pouco melhor, sobre os diversos aspectos possíveis de toda esta questão, uma outra questão acabará inevitavelmente por se pôr e que é esta: que é, afinal, “um americano”?

Um inglês que se chateou e decidiu mudar de clube?

Um alemão que «sobejou» e decidiu transplantar-se para onde o quisessem ou, pelo menos, onde não fosse tão imediatamente visível que também ali, não era exactamente o sonho de quem já lá estava tê-lo por "Nachbar"?

Um italiano que se fartou e acabou por apanhar o mesmo "Mayflower" dos outros dois?

Um irlandês farto de comer batatas ou, pior ainda, farto de as não comer?

A verdade é que toda essa gente é americana, ou melhor: é, hoje“os americanos”.

Acabou por ser.

Tornou-se.

Quando lá chegou, até não era.

Eram ingleses chateados, alemães “sobejados” e irlandeses fartos, uns de comer batatas, outros de as não comer---gente que quando ali arribou encontrou [e, já agora, de caminho, chacinou!...] os americanos de então que de brancos tinham, de facto, muito pouco...
... ou nada.

Eram os índios que, aliás, se calhar já tinham, ao chegarem eles próprios de um ponto qualquer perdido algures na Ásia, encontradosabe Deus quem

O que me leva, desde logo, a especular, a interrogar, por exemplo, que diriam [que teriam dito antes?...] os “D. N. s” índios se os houvesse; como titulariam; com que preocupação e alarme redigiriam os seus próprios cabeçalhos de jornal perante o avanço irreversível e demolidor dos Buffalos Bills, dos Davy Crocketts, dos Jim Bowies e/ou dos generais Custer de má memória para alguns deles?

Diriam, por exemplo, que os peles-vermelhas “vão perder a maioria em mil oitocentos e trocòbico”?

Que dentro de meia-dúzia de anos não vai haver apaches no Novo México nem Sioux sabe-Deus-onde?

E como seriam, já agora, os títulos dos jornais romanos ao aperceberem-se os seus inexistentes redactores da sonora, tumultuosa, "animada" chegada de Alanos, Vândalos e Suevos à "sua" Península tão branca e tão romanamente Ibérica até aí?...

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Sabem como se chama isto?

Chama-se “a História”.

Só que há uns que fazem questão de conhecê-la e de reflectir com seriedade sobre os respectivos mecanismos composicionais, sobre a lógica específica da sua evolução e sobre a dialéctica que a anima e gera enquanto que há outros que, a tudo isto, preferem, simplesmente... escrever títulos de jornal.


São gostos...


[Imagem extraída com a devida vénia de montanaatravelguide-dot-com ]

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