sábado, 7 de agosto de 2010

"Sobre a Abertura das Grandes Superfícies ao Domingo: uma Visão de Esquerda"

Pareceu-me importante trazer hoje, aqui ao “Quisto”, a questão em epígrafe da abertura dos hipermercados ao Domingo.

E faço-o, devo dizer, assumindo conscientemente uma perspectiva que poderá naturalmente surpreender quantos me conhecem assim como àquele que é não menos assumidamente o posicionamento ideológico e político do blogue e obviamente do se titular e anfitrião: a de incondicional concordância com quantos [ainda que se trate do patronato e do social e politicamente ínfimo e menor governo de Sócrates] a preconizam.

Porque, de repente, tenha eu mesmo, sem saber, viradosocrático” ou [tão mau como isso...] “cavaquista”?

Claro que não!

Parece-me é que a tentativa [não duvido que, em si mesma, generosa e bem intencionada] de quantos vêm, num certo espírito de instintivamente generosa… “esquerdidade”, a público tomar posição solidária com o “underdog” [neste caso o “underdog” comercial que é o pequeno comércio retalhista] de deter o esmagamento final desse mesmo “underdog” não passa, de facto, do projecto, tão “quixotesco” quanto realmente vão, de deter o próprio “progresso”.

O que para o “sistema” surge óbvia e inescondivelmente como tal.

Ou seja: o que é e como se posiciona no contexto das sociedades ditas em geral [e muito acriticamente] ‘modernas’ um hipermercado?

Do ponto de vista de quem os dirige e possui é uma máquina de fazer dinheiro, claro.

De escoar produtos, próprios ou alheios.

De reciclar e multiplicar, re/produzir, capitais investidos nos diversos ciclos ou estádios do próprio processo de produzir autonomamente capital na área comercial.

Do ponto de vista do mercado [que é evidentemente uma parte e um utensílio, uma fase crucial do próprio sistema] são uma forma de fazer girar continuamente esse mesmo capital o que, do ponto de vista de quem o produz é obviamente, por sua vez, um modo de “valorizá-lo” ulteriormente e utilizá-lo na condição verdadeiramente in/essencial de “matéria-prima” da produção do próprio capital que é, como ninguém que pense um pouco duvidará, a única coisa que verdadeiramente é produzida pelo sistema como tal, sendo todos os bens de autêntico consumo em circulação actual ou futura nele meros subprodutos dessa indústria nuclear e verticial que é a da produção do próprio capital.

Do ponto de vista do consumidor médio moderno e pós-moderno, porém, eles revelam-se importantíssimos por duas razões primárias, básicas: porque lhe permitem obter preços comparativamente mais baixos dado que o investidor adquire por atacado as mercadorias que lhe servem de ferramenta no comércio de capital a que se dedica e porque lhe possibilitam compaginar os seus próprios horários de trabalho com a necessidade de comprar e, ao mesmo tempo, lhe permitem gerir com maior autonomia os períodos de necessário e justo repouso.

Para tudo isso, emergiram nas sociedades capitalistas contemporâneas as chamadas “grades superfícies”.

Tentar, ainda que generosamente, travar o “desenvolvimento” natural da própria lógica específica do capitalismo comercial “indo juridicamente um pouco atrás” buscar aqueles que essa lógica está inevitavelmente condenada a aniquilar não só não tem, do meu ponto de vista qualquer lógica em si mesmo como acaba por condenar a pouca que o sistema pode, apesar de tudo, possuir.

A solução para os problemas do pequeno comércio, sejam eles problemas de consumo, de habitação ou até de serviços, passa, em meu entender, obviamente por algo que já devia estar há muito a acontecer, patrocinado por quantos pura e simplesmente acham que “há vida para além do totem capitalista” e não aceitam consequentemente o paradigma producional e relacional por ele gerado e determinado como o único alicerce económico das sociedades modernas.

Verdadeiramente modernas.

O cooperativismo.

Não se pode [é quixotesco e, a todos os títulos, absurdo] pretender, de forma, por isso mesmo, arbitrária e espontânea [eu diria mesmo: “espontaneísa”] deter a poderosa máquina capitalista hoje-por-hoje solidamente instalada no “subsolo funcionante e representacional”, [“cultu[r]al”, até] das sociedades ditas “modernas” quando aquela, num determinado ponto em particular do seu funcionamento ‘normal’, fere ainda mais do que o costume os interesses dos que se acham, como diria um observador ou um falante anglófonos, “do lado errado” do próprio sistema.

Pois não---mas pode-se obstar a que destruam tudo em seu redor contrapondo-lhe paradigmas humanizados fruto de uma concepção radicalmente distinta, humanista e mesmo “essencialista” de redistribuição da riqueza e até de entendimento e consideração da natureza real dos produtos em circulação na própria sociedade.

Pode-se fazer pedagogia da relacionalidade humana nas suas diversas formas [relacionalidade dos indivíduos com a realidade, consigo mesmos e com os frutos do seu trabalho, com a vida enquanto tal, para já não falar na que deve saudavelmente estabelecer-se entre os indivíduos e os utensílios em geral de que eles se servem para “abordar e explorar” continuamente essa mesma realidade] através, repito, da contraposição aos modelos predadores em todos esses domínios de paradigmas verdadeira e responsavelmente alternativos que, neste caso, seriam [são] obviamente os tradicionais modelos de organização co-operativa e ressocializadora.

Ressocializadoramente co-operativa ou co-operativamente ressocializadora.

É, em meu entender, o único caminho coerente e consistente.

Coerente com os verdadeiros valores de Progresso---e por isso mesmo, consistente.

O resto não passa de combate contra moinhos de ventos, à partida condenado ao insucesso, generosidade vã e/ou mera “boa consciência” vácua e inutilmente apenas [“if at all] “reformista”.


[Na imagem: gravura extraída de direitoeeconomia-dot-com]

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