terça-feira, 27 de outubro de 2009

"Do «nacional-tanatopismo» português..."[incompleto, em construção]

Regresso, hoje, aqui àquele 'motivo' témico pessoal envolvendo uma persistente (e, em meu entender, cada vez mais estável) "fisionomia" ou "silhueta" tanatópica nacional como forma particular, própria, portuguesa, de "conscienciar", abstracta e, também, subliminar, inconscientemente, a relação tópica da nação (enquanto representação abstracta e meta-histórica de si mesma) com a própria História (desde logo, com a sua própria) assim como, num âmbito mais amplo (chamemos-lhe, com os devidos reserva e escrúpulo:) "filosófico", com a realidade em geral.
Como já por mais de uma vez defendi, creio, com efeito, que reside aí, na gradual formação (e subsequente assimilação substantiva pelo inconsciente colectivo nacional) desse modo particular de (não) pensar a História e, de um modo geral, como referi, a realidade a que chamei a "tanatopia nacional", uma espécie de "específico consciencial" e "(auto) representacional" trans-histórico ("trans-historizado") português, originado, em última instância, numa inabilidade historicamente adquirida nossa para, como sociedade, nos irmos relacionando, individual e colectivamente, com a in/acção histórica (e, num certo sentido, sobretudo com a in/acção política!) que veio a desembocar, tal como eu a vejo, então, nessa espécie de pulsão persistentemente desmaterializadora, desfactualizadora e possivelmente mesmo, de algum modo e a seu modo, transcendentalizadora que nos leva, como nação, sempre tipicamente a procurar a "verdade última" (o "sentido" último não tanto já para a História mas---e a distinção é muito significativa e relevante!---da História fora dela (para além dela: "jenseits der Geschichte", como diria um Nietzsche...) e também num conjunto de representações substantiva e inessencialmente apóricas dela que, invariavelmente, a precedem, condicionam---e, sobretudo, em última instância, determinam---quando se trata de (lá está: não) fazê-la.

Não vou regressar aqui à enunciação dos aspectos que, a meu ver, permitem na sua essência identificar e descrever os contornos gerais desse nosso persistente "ver distópico" nacional.

Sobre alguns deles já tive, de resto, ocasião de me pronunciar noutras "entradas" deste "Diário".

Aqui, vou, sim---porque permite seguramente perceber algo do mecanismo que, passando verticialmente pela integração do elemento capital Morte nos modos de (auto) representar a realidade, liga umbilicalmente o elemento laico, de natureza especificamente cultural ao âmbito declaradamente religioso que estão, em meu entender, assim acoplados, na génese daquele pensar; aqui vou sim, dizia, citar um pequeno fragmento de uma reflexão do "padre e poeta" (diz o "Público" de 24.10.09, no suplemento P2, de onde o extraio com a devida vénia)

Que, em última instância, tal como eu o vejo, é, aliás, apenas um.



[Nota: para ilustrar um tema que gira, de algum modo, em torno do "mito" de Inês (não da História, do 'mito'---Armando Nascimento Rosa fala, num contexto sob alguns aspectos análogo, não exactamente de um 'mito' mas de um "complexo" inesiano) escolhi uma imagem do bailado "Pedro e Inês" de Olga Roriz pela Companha Portuguesa de Bailado, desde logo pela fabulosa plasticidade e pela soberba "eloquência visual e estética" da mesma, num registo onde estão perfeitamente marcados erotismo fortemente subversor, quase onírico, fantástico num sentido e numa acepção hoffmannianos]

domingo, 25 de outubro de 2009

"Um aspecto de exegese hitchcockiana" [incompleto]


Estive grande parte da tarde a ver no Mezzo um documentário sobre Puccini.

Devo, porém, desde já dizer que não é do compositor de "Turandot" que me proponho aqui, hoje, falar.

É, sim, de algo que tem que ver com um aspecto que no documentário é abordado sobre a persdonalidade de Puccini, a saber, a sua visão radicalmente ambivalente da Mulher formada, a partir de uma relação não completamente resolvida, na infância, com a mãe.

É essa, pelo menos, a tese exposta no documentário---e aí usada para contextualizar e tentar 'explicar' uma série de aspectos da opus pucciniana.

Ora, eu sempre acreditei (e isto está, como é evidente, longe de ser uma proposta original) que algo semelhante pode ser feito com uma outra obra pelo menos tão luminosa quanto a de Puccini, embora desenvolvendo-se no âmbito de um medium distinto: o Cinema de Alfred Hitchcock.

Dois aspectos sempre me perturbaram de modo particular na opus hitchcockiana conduzindo irresistivelmente a minha abordagem quer específica, quer mais genérica e abarcante desta, num sentido, em tese e no fundo, muito possivelmente semelhante à que no documentário do Mezzo nos é fornecido sobre o compositor italiano.

Com uma origem análoga, em todo o caso: a figura materna (o arquétipo maternal) e uma certa situação de hipotética irresolução identitária gerada a esse nível e nesse domínio, nesse âmbito.

Falo concretamente do motivo narrativo, sempre, de um modo ou de outro, latencial na obra do Mestre da supressão, da "elipse ou elisão simbológica", por um lado e da indefinição identitária feminina, por outro.

Em diversos filmes do realizador de "Psico", com efeito, surgem circunstâncias narrativas ficcionais em que se verifica um fenómeno crítico recorrente de "substituição", no âmbito das figuras femininas.

Acontece em "Under Capricorn" (onde a personagem de Ingrid Bergman, a Mulher, a Esposa, é simbolicamente substituída---ou elidida e "executada"?---pela governanta); acontece classicamente em "Rebecca" (onde essa mesma entidade arquetipal que é ou parece, de resto, no caso, ser dupla---Rebecca e a "rapariga"---das quais, uma não aparece mesmo fisicamente em momenmto algum, dela existindo apenas a memória, aliás, viva, condicionadora, pairando sobre toda a "estória" e outra, as "rapariga"---de um modo, a meu ver, longe de ser isento de significação---nem nome chega a ter).

[É verdade que ela corresponde ao "eu narracional" do romance de Daphne du Maurier mas, ainda assim, julgo que tendo em vista o conjunto da opus hitchcockiana, podfe não deixar de ser significativo que, em momento algum, Hitch lhe atribua um nome, sendo ela, afinal, num certo sentido, pelo menos, a heroína do filme]

Volra a acontecer de forma ainda mais labiríntica em "Vertigo", onde a figura se organiza numa espécie de jogo de espelhos e/ou de bonecas russas envolvendo várias figuras de Mulher sobrepostas no Tempo e acontece (ou pode seguir acontecendo) até, por exemplo, em "North By Northwest" onde há também uma personagem, desta vez masculina, que, num certro sentido, não existe (Beckett é um outro Autor que leva este motif até ao extremo limite, numa obra como "All That Fall") ou, se assim preferirmos dizer, cuja estrutura identitária sofre uma espécie de "crise" simbólica disfarçada de "ficção" hesitando continuamente entre dois polos: Roger Thornhill/Mr. Kaplan.

Esta ideia da supressão do elemento feminino possivelmente na origem remetendo para a referencialidade maternal desencadeia, em tese, a meu ver, uma outra questão: a de uma, em diversos casos, consistente e recorrente insatisfação/perturbação do sujeito ficcional que, se por um lado, como sucede no já citado "Vertigo" luta consigo mesmo (com a sua memória) para recriá-la, para fazê-la aparecer, sendo ele mesmo, a dado passo, a conferir-lhe forma, por outro, passa claramente por uma espécie de pulsão simbólica da circunstância e sinal exactamente contrários, i.e. aquela que envolve a necessidade interior de destruir (e torturar: há inúmeros exemplos a começar por, ainda antes daquele "Under Capricorn", na figura de Silvia Sydney em "Às 10.4o" e continuando em "Rebecca") a figura que não se consegue entender e à qual, por isso, se guarda um irrecusável ressentimento subconsciente que alterna com o desejo de com ela se reencontrar, como no documentário que referi sobre Puccini sucede, em tese, com este.

[A este propósito, recorde-se, também, por exemplo, o conflito entre Roger Thornhill e Eve Kendall, em "North By Northwest" com Eve acusada injustamente por Roger e redimida, no final, onde aparece, na realidade, como outra Mulher, purificada das acusações de que era objecto, Mulher essa que sucede, assim, à "execução" da "anterior", a Eve que engana Roger].

Muitos críticos, com efeito, sublinham este aspecto a propósito do qual poderíamos, por exemplo, falar de "infixidez simbólica ou simbológica da realidade imediata" e que, no Cinema de Hitchcock se materializa pela existência de constantes ilusões, coisas e pesoas que nunca são aquilo que parecem, motif esse que, pode, em meu entender, admitir-se como estando teticamente relacionado com a questão que temos vindo aqui a abordar, ou seja, aquilo que eu ponho como tese é que esse motivo da referida "infidez" constante e (des?) estrutural da realidade, de facto, um topo autêntico na ficção hitchcockiana, possa estar ligado a uma circunstância de irresolução ou captura nuclear na dinâmica da construção e definição edípica do Eu.

Outro aspecto: aquele que envolve a destruição da---a vingança sobre?---a figura original, perdida, problemática mas que pode ressurgir, reaparecer, por exemplo, na forma significativamente gélida e distante de uma "loira": a Mulher----a Mulher ideal porque qualquer mulher real é, em última análise, impossível?...

Há ou parece haver, em todo o caso, um processo amplo e recorrente, mais ou menos admissível, de punição/redenção da mulher que desemboca ficcionalmente num certo apaziguamento circunstancial, digamos assim, uma vez que, a cada novo filme, é possível supor que o processo, de uma forma ou de outra, se reinicie.

Se pensarmos, em "Psico", por exemplo, é possível ver como a personagem de Janet Leigh ('Marion Crane') que nos é apresentada como mantendo uma relação amorosa "pecaminosa" com a de John Gavin ('Sam Loomis') e que à "luxúria" junta, como se sabe, o roubo no sentido de oferecer-se precisamente uma solução para as dificuldades que o caso amoroso que mantém lhe levantam) é castigada indo cair no tenebroso motel de Norman Bates vindo, posteriormente a "ressurgir" redimida, depois de ela própria se ter arrependido, na personagem de Vera Miles, ('Lila Crane') a irmã, a "Maria" da "Madalena" que foi 'Marion'.

'Bates' (Anthony Perkins) que, curiosamente, tem ele mesmo um gravíssimo problema de identitarização motivado por um "curto-circuito edípico" anterior que o conduzirá a essa espécie de "misoginia militante" e identificação com a Mãe que está na própria base temática do filme.

São, por outro lado, comuns no Cinema de Hitch as figuras de mulheres "camaradas", uma espécie de lado tranquilizador do arquétipo feminino (aquele a quem algumas personagens pedem apoio na sua busca de estabilização identitária no contexto do conflito egótico de índole masrcadamente erótica, sexual): toda uma galeria de personagens, algumas delas crianças, e que vamos sucessivamente encontrando em "Shadow Of A Doubt", em "Strangers On A Train" e/ou "Vertigo", com a personagem de "Midge"/Barbara Bel Geddes, para citar apenas estas.

"«O Milionário», filme de Perdigão Queiroga"


Observando com um mínimo da atenção que ele (queiramo-lo ou não: é o único que temos...) justifica, o cinema português--aquilo que ele foi fazendo ao longo dos tempos e os homens e mulheres que o foram construindo---é quase impossível não constatar a existência, no seu seio, de uns quantos "mal-amados" (na melhor das hipóteses: mal estudados e mal compreendidos) entre todos eles---homens, mulheres e filmes que, por uma razão ou por outra, nos habituámos todos a esquecer e/ou consequentemente a remeter para uma espécie de limbo comum---mau grado o maior ou menor interesse que todos ou alguns deles possam eventualmente, se adequadamente considerados, suscitar.

Vou hoje referir aqui os nomes de dois homens nessa injustíssima situação: Manuel Guimarães, um realizador que o Estado Novo e a sua bárbara censura, destruíram literalmente como excelente cineasta que podia ter chegado a ser se o tivessem deixado crescer e expressar-se com um mínimo de liberdade criativa (mesmo tendo em conta a escassíssima dinâmica da "indústria" nacional) e Perdigão Queiroga.

Pessoalmente, de dizer que gosto francamente mais de Guimarães, que foi uma espécie de artista em bruto cuja obra, sempre que revisitada, nunca deixa (a mim, pessoalmente, pelo menos) de causar uma desagradável impressão de desconforto e perturbação exactamente pela permanente sugestão de inacabado e de, por uma razão ou por outra, de desperdiçado que consistentemente a marca.

É, no entanto, preciso dizer que Queiroga foi, ainda assim, uma interessante figura de realizador a quem tenho por hábito chamar (com as devidas reservas e alguma compreensível, julgo eu, ironia) o "Frank Capra português".

Quem, com efeito, conhece o Capra, por exemplo máximo, de "It's A Wonderful Life", para mim possivelmente a sua obra mais característica e definitiva (é uma opinião!)---a defesa que ele faz de uma certa ideia de organização cooperativa e/ou estreitamente ligada a ela, de triunfal redescoberta individual da democracia como forma básica de organização da sociedade com os "little people" a acordarem e a levantarem-se institucionalmente, em nome precisamente da genuinidade daquela ideia ideal de democracia, contra a degradação que nela foram consistentemente introduzindo os financeiramente poderosos que, por sua vez, a foram consistentemente descaracterizando; quem assim procede, dizia, e em seguida se debruça sobre "coisas" mais próximas, "coisas" comparativamente (muuuito!) mais modestas, e cinematograficamente discutíveis e imperfeitas como o portuguesíssimo "Sonhar É Fácil" e, sobretudo, um "O Milionário" recentemente reexibido na televisão nacional, não pode, penso eu, deixar de reparar nas singulares 'coincidências' que ligam todas essas obras (e que ligam até estas a um, a meu ver, frustre "You Can't Take It With You", onde Capra, em meu entender, se desencontra, claramente, do registo ideal que tinha achado noutros momentos e noutros filmes).

Algo que é ainda mais significativo se pensarmos como "Sonhar É Fácil" é uma obra realizada em pleno fascismo quando, não apenas "toda a nudez", como no título célebre de Arnaldo Jabor, mas toda a iniciativa de organização individual (para mais económica...) desenvolvida de forma autónoma e, por conseguinte, à revelia da máquina corporativa do regime era invariavelmente talvez não, toda ela, automaticamente "castigada" mas seguramente desencorajada e sempre (também neste caso, muito!) vigiada...

É verdade que "O Milionário" é um filme, sob inúmeros aspectos, modesto e, de um modo ou de outro, 'conformado'.

É certo que em termos técnicos e no tom de farsa, o filme desce, por vezes, até ao (quase?) rudimentar e caricatural.

É certo que ele, filme, joga muito popularmente (e precisamente porque sabe que eles são populares) com uma série de clichés típicos da moral e, em termos mais latos, da "cultura" fascista: a rapariga que "caíu" (Pietro Germi criará um título paradigmático no seu "Sedotta e Abbandonata" de 1964, com Stefania Sandrelli), o apaixonado simples mas tímido e o galã sedutor---e, através deloes, com a subliminar oposição entre sexualidade e "verdadeiro Amor", o amor "santificado", o amor-renúncia---a mãezinha doente que "explica" o sacrifício e a própria "queda" da heroína, o "toque" de "modernidade"---e de crítica!---dado pelo Conselheitro adúltero e lúbrico e pela "menina" que lhe explora a lubricidade, etc. etc.)

Mas, ao contrário de outros filmes portugueses mais ou menos contemporâneos (ou pouco menos, alguns) como o clássico "A Canção de Lisboa" ou o muito posterior e já mais modesto "Um Marido Solteiro" (que explora o mesmo filão dos equívocos e do 'justo castigo' dos imoderadamente ambiciosos; dos "sapateiros" que "sobem muito além da chinnela"---pecado que o regime---"et pour cause"!...---decididamente não perdoa...) "O Milionário" é um filme que sugere ainda que muito disfarçada e muito obliquamente um caminhjo ou, pelo menos, a sugestão indirecta dele---a organização autónoma dos humildes que era uma ideia que já vinha de "Sonhar É Fácil" e que eu, pesoalmente, não me recordo de ver tratada noutros filmes de outro realizador para além deste desigual mas interesante (até por isso, por essa singularidade) Perdigão Queiroga.

Claro que a Capra era fácil advogar uma ideia análoga que cabia perfeitamente no politicamente correcto "double standard" da própria "democracy".

Mas num país onde o cooperativismo de um António Sérgio, por exemplo, era olhado com particular suspeita pelo 'regime', a proposta fílmica de Queiroga nestes filmes que citei possui alguma ousadia e mesmo alguma irrecusável coragem merecendo, sem dúvida, alguma atenção e alguma tolerância para com as "facilidades" de que esse interesse e essa coragem vêm inegavelmente acompanhados.

Mas já não é exactamente o cinema "do" fascismo, aquele a que António Ferro torcia o nariz (preferindo-lhe a retórica façanhuda de um peplum à portuguesa que fracassaria, aliás estrondosamente, como é sabido).

Já não é o cinema do conformismo disfarçado secundariamente de digna modéstia---em cujo contexto, o motif do "aldrabão castigado" (repetido até à exaustão de filme para filme) desempenhará um papel verdadeiramente crucial na medida em que põe em relevo a questão essencial do ponto de vista da "cultura" do 'regime' da existência de uma espécie de "lugar natural de cada um" na escala económica e social que ninguém pode impunemente ultrapassar.

É essa, a meu ver, aliás, a lição-chave daquele que, para mim é o verdadeiro cinema do regime: a comédia "à portuguesa" (na realidade, ela chega-nos por via do teatro, sobretudo francês, da comédia dita "de boulevard", de Labiche ou Courteline de que, entre nós, André Brun é um curioso epígono) onde o castigo dos imoderadamente ambiciosos pode processar-se rindo, é verdade, mas sempre de um modo que não deixa dúvidas seja a quem for.

Em Queiroga e neste seu (eu, que até já citei aqui um título do cinema italiano, diria: "zavatinniano" ou... "de-sica-eano") "O Milionário"---como no anterior "Sonhar É Fácil"---as coisas são, como disse, singularmente algo diferentes: há, pelo menos, uma sombra ou uma sugestão clara de iniciativa popular há a recusa a deixar que o esforço cooperativo venha a ser recuperado e reintegrado na arquitectura económica e financeira "mainstream" com Solnado, "o milionário" a recusar-se a aceitar a personagem de Emílio Correia como intermediário do negócio; há aquela singular distinção feita entre "venda" e "troca"; há, enfim, um curiosíssimo espírito de intervenção social que confere a Perdigão Queiroga (nestes dois filmes citados, seguramente) um posicionamento social que "fere invulgarmente a vista crítica" do espectador exactamente pela originalidade relativa que o caracteriza no contexto da época em que é revelado através de uma cinematografia que nem por ser técnica e formalmente modesta deixa de ser digna e, a mais de um título, respeitável.
Não por acaso, as ilustrações desta 'entrada' são fotogramas d' "O Milionário" de Queiroga e de "Ladri di Biciclette" de De Sica.
A coicidência plástica entre as imagens é, só por si, insusceptível de ser ignorada e permite seguramente um espessamento adicional no que se refere a uma nossa percepção global maia lata e abarcante do filme.

sábado, 24 de outubro de 2009

"Godot ou «Do Deserto Total»"


Porque estou a traduzir para "A Comuna" um novo Beckett, aqui deixo uma colagem minha inspirada no genial criador de 'Godot', definitivamente um dos meus autores de referência---colagem que é também o meu tributo pessoal a uma Arte que sempre me apaixonou e onde conheci algumas das pessoas mais interessantes de sempre, a começar pelo 'velho' Rogério de Carvalho de Almada e, entre outras coisas, das "apocalípticas" assembleias sindicais de '74...
Volto a questionar: por ondas tu, meu velho?...

"«Adeus, Oh Personagem!» ou «A Dolores e a Bolores»..."

A Dolores...

...e a BOLORES!

"Patricia Highsmith recordada no «Quisto»"

Não nego (e por que haveria de fazê-lo?!) que os meus interesses em matéria de expressão artística, designadamente literatura e cinema, são tudo menos limitados.
Desde muito jovem que adoptei, com efeito, a prática corrente de ler, por exemplo, tanto Camilo (li "As Novelas do Minho" no liceu e, desde aí, frequento a obra do seu autor com alguma periódica regularidade) como o (para mim, genial) Chandler (que, nesse mesmo período de liceu começou por escandalizar---julgo já tê-lo aqui recordado---um conjunto de professores que me ouviram publicamente admitir a minha, já então profunda e emocionada, admiração pelo autor de "The Long Good-bye").

Ora, num plano literariamente distinto deste mas, de igual modo, merecedora de uma atenção que, por mais de um motivo, aliás, lhe não recuso, está Patricia Highsmith, a criadora da personagem de "Tom Ripley" a que Alain Delon (em "Plein Soleil" de René Clement) ou Matt Damon (em "The Talented Mr. Ripley" de Anthony Minghella) conferiram rostos---para mim, pelo menos...---incontornáveis e até, a seu modo, um e outro, definitivos.

Este "Ripley" regressaria, aliás, ao cinema ainda com reconhecível garbo, com o rosto expressivíssimo de John Malkovitch em "Ripley's Game", dirigido por Liliana Cavani em 2002 e, posteriormente, com o facies de Barry Pepper numa globalmente vulgar adaptação de "Ripley Under Ground", de 1970, realizada em 2005 por Roger Spottiswood).

Highsmith, a criadora da personagem, vale claramente pela excelente escritora que é mas vale, também, pelo sentido social que, subliminar mas ainda assim reconhecivelmente, confere ao seu "herói".

"Tom Ripley" é, com efeito, uma espécie de arrivista amoral eternamente fascinado pelo mundo "glossy" dos ricos que vê desfilar diante de si, um homem que tudo sacrifica (a começar pela própria dignidade e auto-respeito) ao sonho de enriquecer também e/ou (o que não é exactamente a mesma coisa...) entrar, ainda assim, nesse mundo de luxos que, visto por dentro, não se revela, todavia, afinal, assim tão perfeito quanto isso (também aí há, de resto, uma lição a tirar da leitura da obra de Highsmith...)

Ao contrário do que sucedia, por exemplo, com Agatha Christie, a obra da autora de "The American Friend" (adaptado como é sabido, também ele, ao cinema por Wim Wenders) não é apenas e só um produto gratuito de consumo exclusivamente lúdico e mais ou menos "intelectualmente desportivo", digamos assim, isto é, uma espécie de "quiz" de suplemento dominical alargado à dimensão física da ficcção.

Ela possui, de facto, um olhar atento sobre um mundo de onde a ética anda em larga medida ausente, falando-nos de uma realidade social... "pós-moral" que, afinal, vem a ser, queiramo-lo ou não, a nossa própria realidade, aquela em que, hoje-por-hoje, somos forçados, como indivíduos e como sociedade, a mover-nos regularmente.

Ao contrário, por outro lado, de Ruth Rendell (que é a cronista de uma certa "old England" em regra tranquilizadoramente rural, pontualmente posta em causa por um ou outro inimigo, inteiramente marginal a esse espírito de serena e reconfortante ruralidade) Highsmith fala-nos---sobretudo, na figura deste "Ripley"---de uma Inglaterra que foi gradualmente perdendo os valores éticos e de civilização que havia trazido da (e consolidado na) 2ª Guerra Mundial e aos quais se associava, aliás, indissocialmente a 'silhueta ideológica e institucional' do 'Labour' e, em termos mais latos, a figura civilizacional e política do Estado Social---do exemplar Estado Social britânico pré-thatcherista, hoje, aliás, como se sabe, praticamente extinto.

Aliás, os livros dos quais "Tom Ripley" é o protagonista são, também de algum modo, especificamente sobre isso, sobre a emergência da "pós-modernidade social" integral (a sociedade inorgânica e o neo-liberalismo funcional "à la Major", "à la Thatcher" e, depois, naturalmente, "à la Blair" onde a ideia da aquisição do poder e do enriquecimento, um e outro a qualquer preço, substituíu já definitivamente a velha ética social, ao menos teórica, herdada, como disse, designadamente da geração que sofreu a "blitz" e que integrou, por meio dessa experiência histórica e pessoal limite, o espírito de fortíssima coesão nacional e especificamente social que desse trágico esforço de sobrevivência individual resultou e que potenciou, como poucas outras coisas saberiam fazer, uma percepção durável de unidade nacional, o espírito de uma identidade colectiva que se materializaria, então, como disse, naquilo que convencionou chamar-se a "solidariedade social" e especificamente no modelo de Estado que permite adequadamente institucionalizá-la.

O que é, a meu ver, fascinante em "Tom Ripley" é precisamente o modo como a pura amoralidade e a condição ficcional de 'heroi' significativamente se fundem numa única entidade através da qual a autora organiza e habilmente estrutura o olhar subtilmente desencantado (e mal disfarçadamente crítico!) que lança sobre a realidade, tornando o acto de "ler livros policiais" uma prática (potencialmente, ao menos) menos irrelevante e menos politicamente arbitrária do que havia, em larga medida, sido regra até aí, mesmo com excelentes escritoras como, por exemplo, a hoje muito esquecida mas ficcionalmente correctíssima Ngaio Marsh (uma autora que, tendo essa reserva sempre presente e em conta, aprecio, de resto, bastante---precisamente por essa correcção e uma muito britânica elegância, entre outras coisas, textual).


[Na imagem: autógrafo de Patricia Highsmith com o plano do seu "Strangers On A Train" que seria, como se sabe, adaptado ao cinema, num filme hoje clássico, dirigido em 1951 por Alfred Hitchcock com Farley Granger, Robert Walker e Ruth Roman---um filme em cujo argumento curiosamente colaborou Raymond Chandler]

"Ainda Saramago e o seu «Caim»"

Um imenso equívoco o frente-a-frente entre José Saramago e o padre Carreira das Neves.
Custa-me, sinceramente, a perceber como Saramago se deixou conduzir para "aquilo"!

Que diabo!

Saramago não é um teólogo nem aquilo que produz é teologia.

Com todo o respeito pelo próprio Saramago e pela sua liberdade de abordar a questão como lhe parecer que deve fazê-lo e nos termos que considerar dever fazê-lo, a questão levantada pelo seu "Caim" não é, nem de longe nem de perto, teológica: essa far-se-á nos seminários ou nos conclaves de bispos e gente dessa, em geral.

A questão levantada recentemente, a propósito do livro, por alguma igreja mais obstinadamene retrógrada e fixista é a do desejo (eu diria mesmo: do projecto tópico) de coagir e continuar a tutelar indevidamente a cultura, definindo designadamente as fronteiras da própria liberdade de interpretação e (mais importante ainda) de criação.

É o arrogar-se essa mesma igreja (e isso, ontem, ficou muito claro nas palavras de Carreira das Neves) o "direito" a fixar pontualmente as fronteiras dessa mesma liberdade (que não é, porém teológica: é cultu(r)al, é cívica, é intelectual, é civilizacional e é política mas não seguramente teológica!) e deixa, naturalmente e por definição, de sê-lo---liberdade---se tutelada.

Mais: que aceitando nós que ela permaneça localizadamente teológica, estamos também, de algum modo, a aceitar implicitamente que ela possua um fundamento para existir (é esse único domínio onde ela possui alguma possível substância de episteme), deixando completamente de perceber a integral extensão que a sua existência fora desse 'habitat epistemológico' natural limitado e específico pode pressupor---e, na realidade, pressupõe.

Eu (como supunha que acontecesse com Saramago) vejo na tradição cultural judaico-cristã em geral um património cultu(r)almente identitário comum e livre cuja integração na construção das nossas próprias identidades individuais e colectivas não pode, de modo algum, seguir estando mediada e mais ou menos tomisticamente determinada nos seus limites e na sua própria essência por uma entidade censória que medeia todo o processo de identitarização que também daí resulta, em que nos integramos e que, como sociedade ou sociedades, genericamnte protagonizamos.

A acção tuteladora--a indevida coacção!---da teologia sobre a Cultura e a liberdade de pensamento em geral (como valor intelectual e de Conhecimento básico) continua, a meu ver, na prática, a manifestar-se nesse permitir que a questão ora levantada permaneça teológica e seja consequentenente dirimida no âmbito exclusivo (ou prioritário) da teologia---onde Saramago, ainda por cima, não é confessadamente---nem tem de ser!---especialista.

Sem dúvida, na sua boa (na sua, excelente!) fé, Saramago deixou-se, em meu entender, afinal, "enrolar" numa teia (argumentativa, epistemológica, etc.) que, aliás, até estava a ser muito razoavelmente desmontada pelo próprio Saramago com a sua Obra e, de um modo geral, com a sua posição na Cultura.

É essa, pelo menos, a minha opinião.


[Na imagem: o diploma do Nobel atribuído a José Saramago]

"O «Zé» Gomes Ferreira"


Um programa da RTP Memória trouxe-nos ainda muito recentemente (ontem, de facto, talvez porque a nova ministra da cultura entra no filme na sua condição original de pianista) a lembrança de José Gomes Ferreira.

Poeta "maldito" para o "regime" (falo do actual regime de "democracia funcional" e... pragmática") como "malditos" foram (e continuam a ser!) por razões, aliás, em tudo idênticas, Vasco Gonçalves (quando, meu Deus, se fará justiça nacional a um dos homens mais puros e mais genuínos que o País moderno teima em desconhecer?!), o Zeca (que, tirando aquele breve episódio-LUAR, "capela" alguma conseguiu, como é sabido, domesticar e levar, um dia, a passear com uma cordinha ao pescoço...); o Otelo (o "grande Otelo", outro completo "innocent abroad", naufragado num país de espertalhaços muito mais atreitos ao "pão com manteiga" ou à "tosta mista com muito queijinho derretido", na mesa à hora certa do que à utopia desinteressada...); poeta (perdão! Poeta!) maldito porque se obstinou em acreditar que tudo "aquilo" era sério e a sério e que, por isso, não hesitou em comprometer-se até às orelhas num projecto profundo de verdadeira revolução que nunca existiu de facto, na mente dos triunfadores de 75, agregados, à parte do generoso impulso transformador original, num novembrismo osco e sonsamente "pesetero", sinistramente vulpino e conspirador, a integral extensão de cuja sedição ainda hoje generalizadamente se desconhece e que rapidamente percebeu que tudo se resumia, no fundo, a um pouco de paciência (com os Estados Unidos e a Alemanha na retaguarda prontos a ajudar com a sua "experiência", os seus marcos ou os seus dólares e os seus militares se necessário fosse e a mera paciência não bastasse...) pagou com o "esquecimento estratégico" da "crítica" oficial essa sua (confessada mas imperdoável) ingenuidade.

Foi, porém, mau grado os "culturadores e consagradores oficiais", um grande Poeta e um Homem coerente que quem pode permiti-se pagar o serviço de televisão por cabo (e apenas esses...) pôde, também, ontem ficar a conhecer um pouco melhor, como, de resto, amplamente justifica e merece.

De José Gomes Ferreira, Poeta, Compositor, Homem do Cinema, deixo aqui um fragmento que bem define a sua Poesia verbalmente intransigente e seminal, escatologicamente dura mas sempre, em última instância, paradoxalmente transcendentalizadora, sinfonicamente paradoxal mas, no limite, sempre também magicamente coesiva, inquieta, vibrante, sanguínea---e agregadora.


[...]

Todos nascemos nus
---condição dos seios,
das açucenas
e dos sapos.

Mas até os seios das mães
são diferentes.
Uns cheiram a sedas quentes,
outros, a urina de cães.

[...]

Álbum/XII

[Que tal nós, os clandestinos virtuais da Cultura; os "alternativos do espírito" que nos obstinamos em não nos rendermos à "literatura de locutor" nem, de um modo geral, à "cultura Farinha Amparo" (em embalagens de quilo e meio quilo, vendidas preço aliciante acima e abaixo de Equador...); que tal nós todos começarmos determinadamente a redescobrir---e a dar a redescobrir...---a Poesia do "" Gomes Ferreira às gerações mais novas que o desconhecem como às mais antigas que, entretanto, já o esqueceram?... ]

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"O Come! O Emmanuel! [colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado, republicada de «Um Não-Alexandre Onírico»]"


A minha visão pessoal dos fariseus e inquisidores que pretendem que os homens podem "legitimamente" ser condenados e amarrados a pelourinhos por reclamarem o seu legítimo direito a (não!) possuir, cada um deles, em liberdade, os seus próprios deuses...

"«Lazarus Reburied» [colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado republicada de «Um Não-Alexandre Onírico»]"


"Lazarus Reburied" é o meu modo de expressar publicamente solidariedade com o povo palestino---a vítima activamente ignorada de um novo apartheid em que os mur(r)os deixaram de ser apenas morais (ou imorais?...) e são, agora (para que não restem dúvidas!) também físicos...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

"O velho Cinório"


O "Cinório"!

Era um dos cinemas mais pelintras e... "aromáticos" de Lisboa, situado numa rua esconsíssima da Penha de França---uma que, entretanto, desapareceu comida pelas reformas urbanísticas que, para o bem e para o mal, mataram já não uma mas várias das cidades de Lisboa que eu ainda conheci.

Que, no caso, mataram dela toda uma idade---'idade' no sentido de "era": foi uma autêntica era, um... mesozóico ou um plioceno quaisquer da própria cidade como organismo que (volto a dizer: para o bem e para o mal) foi morrendo neste contínuo processo de renovação que nos leva, por vezes, a sentir-nos singularmente órfãos e estrangeiros dentro dela...

Voltando um pouco atrás, porém: quando digo "Cinório", falo do velho Cine-Oriente, que cometia a verdadeira proeza que era o ser ainda mais soez e mais sórdido do que o "Piolho", o Salão Lisboa, do Martim Moniz e o Arco-Iris, o... "Caim" do Éden Teatro...

O "Cinório" 'era' o Vale Escuro, a Lisboa canalha e "negra" do quase indigente proletariado português dos anos '50 e '60 assim como de um certo subproletariado já muito perto da marginalidade confessa, um e outro típicos do salazarismo---uma Lisboa que parecia directamente saída de "algum Camilo" mais sensível a Dumas (o Dumas de "Les Mohicans de Paris") ou Eugene Sue (o dos famosos "Mystères", dessa mesma Paris).

Ir lá (como ir, por exemplo, sobretudo à noite, ao Bairro Alto ou ao Intendente) era descer por momentos aos infernos de uma realidade económica, social e sociológica que a cidade "normal", a cidade "boa, limpa e respeitável" escondia tão púdica quanto avaramente de si própria---uma "peregrinatio ad loca infecta", como diria, noutro contexto, Sena (o clássico "slumming"...) que alguns de nós, como eu próprio, fazíamos, literalmente fascinados pelo espectáculo verdadeiramente hipnótico da degradação, do alcoolismo e da miséria em estado puro, algo de que as famílias "normais" não falavam senão raramente e com o temor muito delicadamente "burguês" que era "de rigor" nestes assuntos, algo que, sobretudo, estava completamente ausente da nossa experiência diária de estudantes razoavelmente bem vestidos, bem alimentados e bem-comportados.

Mas apenas razoavelmente em qualquer desses itens e no meio económico e social em que, nós, a "malta do Gil", em geral, nos deslocávamos---o meio dos filhos pequenos e médios quadros da função pública, sempre temerosa de represálias caso falasse do que "não devia" ou até mesmo se "visse" aquilo que era "proibido" (sobretudo publicamente) ver...
Maus (péssimos!) tempos esses em que a única coisa boa era a nossa inquieta e sempre, de um modo ou de outro, boquiaberta, fascinada, jugulada mas sempre febril e apaixonada juventude!...

"Otto"

Mais uma colagem minha revisitada: "Otto or The Other Side" [colagem sobre papel republicado de http://umnaoalexandreonirico.blogspot.com/], um tributo a Grosz e indirectamente a Freud (cuja "casa" em Londres nunca me perdoarei de não ter voltado a visitar...)

"Margaret Rutherford, Miss Marple"


Deixo aqui uma homenagem especial a esse inimitável "Charles Laughton de saias", a essa "vieille dame de Bellus" (re) encarnada algures no Somersetshire ou em qualquer outro ponto do admirável "English countryside" de outros tempos que foi Margaret Rutherford, cuja "Miss Marple" me tornou "palatable" (e mesmo, em muitos momentos, francamente "irresistible"...) aquela que era, na realidade, a confrangedora convencionalidade da escrita de Agatha Christie.
Revi recentemente Rutherford (graças à excelente "memória cinematográfica" do inestimável TCM) numa coisa imensamente divertida (quase... "pecaminosamente" pândega e faceta) intitulada "Murder Ahoy" a que faço absoluta questão de destinar um lugar de honra entre as "coisas cinematográficas" deleitosamente "menores" que constam da minha anafadíssima (e mui 'versátil'...) "dêvêdê-teca".

Revi-a praticamente com os olhos húmidos de pura nostalgia pelo "velho" S. Jorge dos filmes da "Rank", do "homem do gongo" dos inesquecíveis genéricos, do Guinness (do grande Alec não da "coisa de feira", do catálogo de "freaks", com o mesmo apelido), dos estúdios da Pinewood, da saudosa necedade e ingénua malícia de uma série de "coisas", hoje-por-hoje, vistas retrospectivamente, "deliciosamente abomináveis", vindas a público sob a designação genérica de "Carry on..." mas também de 'objectos' absolutamente inimitáveis e não-raro, à sua maneira, geniais como esse inesquecível "Kind Hearts And Coronets", um interessante e bem-intencionado "The Man In The Grey Flannel Suit" ou um absolutamente definitivo "The Lavender Hill Mob" de que só à força (e pela força!) aceitaria desfazer-me, nas respectivas versões video e DVD que religiosamente guardo---também essas e, sobretudo, essas!---em lugar de honra na tal dêvêdê-teca pessoal onde, por uma razão ou por outra, "cabe sempre mais um"...

E é, afinal, tudo isso que, comovidamente, homenageio, aqui, na figura, de algum modo, emblemática, desta ternurenta "unbearable busybody" que Jessica Fletcher/Angela Lansbury alguma, por muito que se obstinasse em tentar, jamais lograria sequer sugerir quanto mais acreditavelmente imitar...

"Um post algures"


Seja-me permitido (permita-mo, desde logo, o Samuel em cuj' "O Cantigueiro" o inscrevi originalmente) que transcreva aqui, ainda escandalizado pelo "incidente" criado pela tentativa de reprimir a todo o custo o livre exercício do direito de opinião e da liberdade de criação de um autor com Obra feita), um 'post' que, nesse mesmo espírito de indignada revolta, aí inscrevi.

Ei-lo, pois:

Aquilo que o Saramago fez foi, afinal, (voltar a) meter um pauzinho no vespeiro que é (ainda hoje!) o catolicismo (cá, 'tolicismo'? E ''?...) institucional romano.
O modo como um tal Carreira das Neves, por exemplo, veio a público manifestar o seu indecoroso incómodo pelo facto de um cidadão, um escritor, ter ousado exprimir um ponto de vista (que, ao que tudo indica, Carreira das Neves à data desconhecia qual fosse exactamente, mas enfim...) em matéria que apenas à igreja institucional "compete"; que esta veda, à boa maneira inquisitorial (agora, sobretudo, em... "espírito" que "o resto" já se foi, felizmente!) à análise, à crítica, à glosa, numa palavra, à opinião, assusta precisamente pelo registo intolerante e sectário---histericamente sectário---que pressupõe e revela!
Eu ainda não li o livro e, por isso, sobre ele especificamente não me pronuncio.

Pronuncio-me, sim, sobre este recrudescer cíclico de uma espécie de convulsiva atmosfera de desesperada e insidiosa pulsão repressional tópica que confirma, afinal, a necessidade de "abrir janelas" e "deixar entrar ar puro" num espaço mental e ideológico onde reinam aparentemente, há muito (desde Galileu, desde António José da Silva, no caso português, desde o Index, desde 'Fátima', desde Cerejeira ou João Paulo II e os "usos políticos" da manipulação dos medos e, em geral, das consciências individuais e colectivas) apenas o bafio e a patologia.

Falemos mas é de coisas sérias: vou ler o livro e depois podemos, então, passar ao que realmente releva e interessa: o debate em torno dessa que é---essa, sim!---uma obra da liberdade e do espírito!...
Da liberdade do Espírito!

22 de Outubro de 2009 1:24
[Na imagem: Francisco Goya Lucientes, Inquisição]

"Ainda José Saramago" e o recente «caso» do seu «Caim»"


Volto ainda uma vez a dizê-lo: eu leio o "Público".

Não 'sou leitor' do "Público": leio-o---o que está muito longe de ser exactamente a mesma coisa...

Leio-o porque desgraçadamente em Portugal não há mais nada.

Estamos, com efeito, a anos-luz dos gloriosos "outros tempos" (os do patético crepúsculo do salazarismo) qando, em Portugal (Marcello Caetano dixit...) havia jornais 'para todos os gostos e feitios', desde (imagine-se! Em plena ditadura que, à época, já pouco mais lograva ser do que "dita... mole" mas enfim!...) um "Diário de Lisboa" que era, segundo o trágico delfim de Salazar, nada menos do que "maoista" a um "Século" que (pasme-se!) seria, segundo ele... comunista.

Nada mau para ditadura, hã?...

Enfim...

Hoje não há jornais, nem comunistas nem maoistas nem o que quer que seja: não há jornais, ponto!
Resta o "Público" (ou ia---"tant bien que mal", aliás...---restando até há pouco, antes de se meter pelo meio daquela "coisa" dificilmente imaginável que foi ou é a disputa entre dois órgãos de soberania, um P.R. e um P.M. que perderam, de vez, por completo o respeito devido a si mesmos e ao País, tal como o jornal o perdeu, também ele, desta vez, talvez irregressivelmente, a si próprio).

Seja como for, sabendo lê-lo, é o único que não é, ou pura e simplesmente pífio e indecorosamente abjecto (intelectual, estética, politicamente abjecto)---ou abertamente venal.

A questão, repito, é saber lê-lo.

Perceber que não é para ser (nesse ponto e em pontos como esse, seguramente!) levado a sério (e consequentemente respeitado!) um jornal que vai reportar sobre uma guerra (a invasão do Líbano por Israel) a expensas de um dos contendores (um dos momentos mais baixos da já longa existência do jornal) e acha que isso em nada afecta a sua isenção---como se, por exemplo, em matéria futebolística que toda a gente percebe, um árbitro ir arbitrar um Benfica-Sporting com as despesas da viagem e da estadia em hotel integralmente pagas pelo visitante fosse um pormenor de somenos na credibilidade da instituição arbitral e da própria indústria futebolística...

... Ou que ter uma senhora que é (diz ela) "investigadora em assuntos judaicos" e membro (suponho) da comunidade israelita em Portugal por praticamente único "analista" e porta-voz da questão palestiniana fosse a coisa mais natural (e intelectual e politicamente) mais séria e idónea deste mundo...

Repito, porém (voltando de passo---e que me perdoem os "descrentes" e os "agnósticos" na matéria...---ao simile futebolístico) que se, mutatis mutandis, esquecermos "os quatro ou cinco penalties que ficaram por assinalar" assim como "a expulsão que devia ter sido e não foi", o árbitro, como diz "o outro", até nem esteve mal...

Aqui será qualquer coisa como: se fecharmos momentaneamente os olhos às recorrentes lucubrações do 'vira-casacas' que já correu as capelinhas económicas e políticas todas ou praticamente todas e que veio aterrar "de cátedra" no jornal---onde continua, aliás, laboriosamente a tecer as malhas que hão-de seguramente levá-lo daí a mais uma pingue sinecura qualquer, na "Europa" ou fora dela; o cacique partidário temporariamente afastado do 'lugar de honra' à mesa dos interesses e que ali encontra sempre "habitat natural" para os seus próprios não-tão-subtis-quanto-isso jogos pessoais de poder; se exceptuarmos as diversas "encomendas" (em regra, muito mal-disfarçadas de "análise objectiva") dos interesses obsessiva (à vezes, mesmo, histericamente!) "eurocratas" que o jornal, pelo seu próprio estatuto de "produto eminentemente comercial" entre produtos colocados no mercado pelo grupo económico-financeiro de que é propriedade coloca naturalmente no centro da sua estratégia editorial; se excepturarmos tudo isso, dizia, fica um jornal cuja leitura, ao contrário dos "outros", não envergonha irremediavelmente quem a ela procede, respeitados os devidos procedimentos "de segurança", pois.

Ora, é a esta luz (ou relativa falta dela) que deve ser lido, a meu ver, o texto que Miguel Gaspar, um jornalista cujos textos costumo ler com algum interesse e respeito, publica na edição de hoje, sobre "O Deus de Saramago".

Presumo que Miguel Gaspar tenha já lido a obra---eu ainda não.

Tenciono lê-la muito em breve (tenho-a reservada num livreiro da capital longe da qual me encontro) mas ainda, repito, não o fiz.

Há um princípio que me interessa, porém, aqui, desde já, enunciar---e debater nas sua múltiplas implicações: o direito de qualquer cidadão, escritor ou não, possuir um ponto de vista livremente exprimível sobre a realidade que o rodeia.

Num certo sentido cívico e intelectual preciso, o dever de possui-lo.

E espanta (incomoda, perturba, preocupa e assusta até) que esse direito que, no caso da Bíblia, foi dificilmente assegurado, como se sabe, com a Reforma protestante (ela própria um acto de conquista intelectual e política no sentido preciso em que configura objectivamente o reconhecimento generalizado do direito de cada um ao acesso directo às fontes de Conhecimento e o de sobre o real possuir, em consequência, um ponto de vista pessoal, não mediado por uma autoridade ou tutela "superior", perspectiva que está na base do próprio progresso científico em geral); espanta, incomoda, perturba---e assusta, preocupa, até---dizia, que possamos hoje constatar (e não ver referido na análise perfeitamente "significada" de Miguel Gaspar) em pleno século XXI defendido, às vezes de forma aberta, expressa, como que o "direito" pré-reformista, tomista, medieval, da igreja institucional vedar autoritariamente o acesso das pessoas às fontes de Conhecimento, invocando sabe Deus que anátemas e mobilizando, agitando, sabe o mesmo Deus, que fantasmas e medos individuais e colectivos.

Assusta ver como a igreja que pretendia em nome de uma "autoridade epistemológica" brutal, inargumentável e arbitrária, queimar Galileu exactamente porque viu sozinho (ele, Copérnico, mais tarde Newton) aquilo que a igreja inteira não soube (e não queria deixar) ver porque antes de ver lhe interessava impor um modo universal e organizado de previamente não ver; que queimou mesmo António José da Silva; que pôs num tenebroso Index (que a meio do século XX ainda vigorava---ignoro se foi, entretanto, revogado) "omnes fabulae amatoriae", diz o texto do Index, de Balzac mas também indiscriminadamente muito do labor intelectual e/ou artístico de Montaigne, Rabelais, Descartes, Diderot, Montesquieu, Rousseau, Voltaire, Marivaux, Kant, Lamartine, Michelet, Stern, Stendhal, de Musset, Madame de Stael, Choderlos de Laclos, Flaubert, Victor Hugo, Mérimée, Maupassant, Bergson, Robert Louis Stevenson (um dos autores que encantaram a minha infância com coisas como "Treasure Island" ou "Black Arrow". Pois, nem este escapou!), Arnold Bennett, Samuel Butler, Tolstoi, Tchekov, Thoreau, Turgeniev, Mark Twain, Villiers de l'Isle-Adam, H.G.Wells, Theophile Gautier, Jean Cocteau, André Gide, Galsworthy, Dostoievski, Joyce, Pierre Louys, Pierre MacOrlan, Proust, Marcel Schwob e por aí adiante [e que "companhia" todos eles são para Saramago, ham?...]

Um Index ao qual tão-pouco um escritor (na realidade, dois, escrevendo sob pseudónimo) popular como J.H. Rosny escapa!...

E de onde, como escrevi, consta, por exemplo, um Tolstoi censória e algo equivocamente descrito como alguém que manifesta "comiseração por gente depravada" (!) e que (e atente-se bem nisto!) "como todos os escritores da sua raça" (sic) "à boa maneira eslava" (sic) inclui nas suas obras, mesmo nas que "se podem ler com reservas" "pormenores talvez (e este "talvez" é, de facto, uma delícia!...) repreensíveis".

Ou seja, em suma: pela igreja não haveria toda uma parte absolutamente determinante e capital da Literatura Universal nem um acervo de Autores absolutamente referenciais e literalmente imprescindíveis no contexto da Cultura Ocidental de Balzac a Joyce ou, por outro exemplo, de Rabelais a Proust (redutora e miopemente descrito como uma espécie de "herbanário" ou "herbalista"---"herborisateur"---humano", em cuja obra "se alardeia, em diversas páginas, a lubricidade humana mais primária"...)

A Filosofia perderia parte substantiva de Kant ("A Crítica da Razão Pura") e o Pensamento Universal teria se haver sem um Condorcet (designadamente sem o seu "Esboço de um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano"), de um Giordano Bruno ou de um Descartes (este praticamente todo) sem contar com um David Hume (também deste a "opera omnia") e/ou de um Bergson o "Ensaio Sobre os Dados Imediatos da Consciência" e " Matéria e Memória".

Mas, sobretudo [e é isso que eu censuro frontalmente no texto de Miguel Gaspar que opta por desancar um Autor, José Saramago, que, queiramo-lo ou não e até, num certo sentido, "malgré lui", no "caso" presente, se situa "do outro lado" de um (não) pensar persistentemente empobrecedor relativamente a uma sempre desejável 'inteligência individual livre da realidade' e consistentemente esvaziador da própria Liberdade como valor básico e essencial de Inteligência e de Cultura---um (não) pensar segundo o qual aquela mesma Cultura Ocidental (a sua Literatura, a sua Arte, a sua Filosofia) e especificamente o pensamento científico, a Ciência, seriam, hoje seguramente ("to say the least"...) muito diferentes do que, apesar de tudo, são.

É que o que está em causa não é se o "Deus de Saramago" é 'isto' ou 'aquilo' ou se esse mesmo Saramago é "contra a globalização" ou (mais "grave" ainda!) se ele é um persistente "comunista" que, apesar do constante labor das habituais "sereias", não "há meio" de abjurar como "os outros": o que está em causa é, ao contrário do que defende o jornalista, o direito inalienável e não legitimamente censurável de Saramago (e o meu e o de Miguel Gaspar e o de todos nós) ter livremente o seu próprio Deus---aquele que a inteligência e a sensibilidade individuais---o direito, repito: inalienável, à liberdade de consciência e à incondicionada e não, de qualquer outro modo, 'tutelada' expressão de pensamento---permite ou possibilita---faz com que---cada um possa legítima e livremente (não) ter.

O direito (ou o dever) numa única palavra, de estar, afinal, do lado certo do Progresso, da Liberdade e da Inteligência...

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

"Duas Autoras: Luiza Neto Jorge e Maria Estela Guedes"

Duas autoras que homenageio aqui, a elas regressando, de resto, mais de uma vez ao longo deste "Diário": Maria Estela Guedes e Luíza Neto Jorge.
A começar pelas duas 'entradas' deste que imediatamente se seguem.

"À (verdadeiramente fascinante!) descoberta de Gobineau, escritor"


O tempo de (serena e plácida, discretíssima e caracteristicamente 'retirada'!) aposentação que vivo permitiu-me recentemente (mais) uma fascinante descoberta: a da controversa pessoa pública, sobretudo literária, de Joseph-Arthur de Gobineau.

Propugnador de uma espécie de "biologia da História" (a mais de um título) no mínimo, altamente debatível---que forneceria, de resto, um 'suporte teórico' relevante demonstrável ao nazismo (teorização essa por cima da qual passo, de resto, nela apenas documental e muito remotamente interessado---Gobineau deixou-nos (como Céline, por exemplo, fascista confesso, defensor público de 'ideias' absolutamente abjectas mas um escritor, de facto, admirável) apesar disso, uma obra literária, também ela, como no caso da "Voyage Au Bout De La Nuit", notabilíssima, designadamente as "Nouvelles Asiatiques" de que possuo uma versão portuguesa soberbamente re/construída pela malograda Poetisa Luísa Neto Jorge que, para a Editorial Estampa, produziu um texto, de facto, vivíssimo, imaginativo e magnificamente plástico, através do qual a abordagem de Gobineau constitui uma experiência de leitura realmente (vou dizer assim com toda a intenção) deliciosa.

Envolvente, sedutora---e, repito, sempre deliciosa.

[Uma sugestão: porquanto a edição da Estampa se encontra, há muito, completamente esgotada, por que não alguns (ou mesmo todos!) quantos têm a generosidade de me ler tentarem achar um exemplar 'perdido' dos dois volumes da obra numa biblioteca qualquer próxima e deliciarem-se (embriagarem-se!) com o irresistível, capitoso, texto português desse, de facto, exemplar trabalho de um homem que foi um viajante observador e atento e, sobretudo, do ponto de vista que aqui nos ocupa, um escritor interessantíssimo---mesmo se como historiador ou teorizador da História e antropólogo mereça, hoje-por-hoje, sobretudo, em larga medida devida precisamente ao inegável mérito literário que possui, um misericordioso eterno... esquecimento.]

"«Insidindo» Sobre Alguns Verdadeiramente «Incidiosos» Lapsos..."


Enquanto na revista "Pública" de 12.07.09, uma reputada jornalista, São José Almeida, cunhava um neologismo verdadeiramente precioso---o verso "insidiar" que é, como não é, aliás, difícil de perceber, a "morfologia de fusão" resultante do 'matrimónio lexical' perfeito de "insídia" com o verbo "incidir": escreve, com efeito, a jornalista no artigo "O Estado Novo dizia que não havia homossexuais, mas perseguia-os", cf. loc. cit. pág. 17: [...] os homossexuais era (sic) onde mais ferozmente insidia a censura [...]; enquanto isso, dizia, um senhor muito engraçado (e culto!) na "TV Guia", descobria finalmente por que exacta razão Manuela Ferreira Leite "matou todo o PSD".

Porque, diz ele, possui uma "imagem cinzenta" (é terrível ter uma imagem cinzenta, especialmente, quando pouco mais se tem do que isso!...) mas, sobretudo (imagine-se!) pela "sua falta de... intolerância" (!)

Assim mesmo! Vão lá ver que é isso que está lá escrito: Ferreira Leite "matou todo o PSD"..."pela sua falta de intolerância"!

Quer dizer: fosse ela um bocadinho mais... intolerante e ainda podia ser que a coisa se tivesse composto para aqueles lados.

Assim, olha "nem há laranjal que salve aquilo que um grande homem (sic) de nome Sá Carneiro criou", seja lá o que for que "isto" queira dizer ...

Mas, já agora, uma dúvida: será necessário concluir que, pressuposta na opinião do 'articulista', está a ideia de que Sá Carneiro foi "grande" porque soube ou pôde---ele sim!---ser... intolerante: (muito?) mais "intolerante" do que a pobre Ferreira Leite?...

Vá lá a gente saber, não é?...


Ainda nessa "TV Guia": Luís Aleluia, o "menino Tonecas" da R.T.P. recorda a série de programas que protagonizou desempenhando o referido papel.

... E que eu, aliás, via com alguma regularidade e (muita!) nostalgia.

Tinha, com efeito, alguma (saudavelmente ingénua!) piada que contrastava (frontalmente, aliás!) com a grosseria de uma verdadeira 'núvem' de "stand-up comedians" que, entre Rochas e Horácios, Horácios e Rochas, entretanto, por aí desataram, de repente, a proliferar como cogumelos na (vamos ser generosos, pronto!) na... humidade.

Já francamente menos graça teve o "esquecimento" por parte do actor do nome do criador original da figura---José de Oliveira Cosme---assim como a discutível referência indirecta a si próprio (indirecta porque através da citação não corrigida de uma observação de Almeida Santos) como "o primeiro Tonecas".

De facto, o primeiro Tonecas não apenas impresso foi "radiofónico" e teve a voz de Luís Horta contracenando, aliás, com o próprio autor dos textos originais, o já citado José de Oliveira Cosme que era, nesse contexto, o "professor".

Dificilmente entendível lapso esse que me fez, de imediato, recordar, por (outro) exemplo, o de um jornal que noticiando a estreia da peça "A Boba" de Maria Estela Guedes, se esqueceu, também, ele de mencionar o nome da autora, uma única vez, na notícia!...

Quer dizer: afinal de contas, ela "só" escreveu a peça---do mesmo modo, aliás, que Oliveira Cosme "só" criou a figura e Luís Horta "apenas" a protagonizou originalmente, não é?...

Bem vistas as coisas, que interesse pode isso ter, não é?...


[Na imagem: um grupo de actores e actrizes portugueses onde reconheço Irene Isidro, a segunda a contar da esquerda, Luísa Durão, ao centro e Luís Horta, o tal verdadeiro 'primeiro Tonecas', à direita.]

terça-feira, 20 de outubro de 2009

"La Cerisaie"


Uma colagem minha de que gosto particularmente e que dedico ao meu antigo Colega e Amigo, Rogério de Carvalho (por onde andas tu, rapaz, que ninguém te vê?!) autor de uma série de notáveis versões cénicas de Tchekov.

[Na imagem : "La Cerisaie", colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado, republicada de http://umnaoalexandreonirico.blogspot.com/ onde foi originalmente dada a conhecer]

"Uma Curta Reflexão Pessoal Sobre um Aspecto Crítico do Cinema"


Uma curta reflexão adicional sobre o tópico do Cinema Português: conforme digo noutro ponto deste "Diário", vi recentemente entre outros a versão de João Canijo da "Electra" de Sófocles intitulada, como se sabe, "Mal Nascida".

Na crítica que lhe faço, anoto a inexistência entre nós de um "background" industrial estável e consistente que dispensasse o realizador de converter o seu projecto muito mais num exercício de reflexão pessoal sobre o Cinema e sobre o modo de comunicar em Cinema (num projecto de, de um modo ou de outro, reinício e reinvenção estritamente pessoais do próprio Cinema) do que própria e realmente num filme.

É uma opinião pessoal, claro (como, de resto, tudo quanto aqui é dado a conhecer) mas é a minha opinião, sem dúvida.

Falo também, já agora, na minha crítica pessoal ao filme, numa espécie de subtil contaminação de um certo (persistente) cinema português pela (i) lógica de "novela", desde logo, na excessiva simplificação ou linearização das personagens (fenómeno infelizmente muito claro em "Noite Escura" de que também falo) e mesmo nesta "Mal Nascida" onde não seria difícil, a meu ver, identificá-lo.

Fenómeno aqui potenciado pela própria natureza específica das figuras que remetem para o universo arquetipal da tragédia grega onde, no fundo, vão buscar as motivações para os seus gestos, comportamentos e atitudes tópicas que, assim, fogem a uma contextualização idealmente mais próxima de nós, mais temporal e cultu(r)almente necessária---mais moderna.

Relativamente àquele fenómeno de linearização primária das personagens, ocorre-me comparar, por exemplo, a figura do tonto de "Mal Nascida", uma figura que comporta uma certa componente coral, muito errática e descontextual embora, de "comentário" implícito à acção do filme (cuja atmosfera de sombria fatalidade nunca completamente explicada em termos modernos, aliás, ele ecoa na música com que vai pontualmente sublinhando aquela mesma acção).

A verdade é que a figura erra por ali sem possuir, em momento algum, uma verdadeira inserção orgânica na acção do filme ou, como atrás digo, sem que, em momento algum, a sua necessidade como personagem orgânica fique completamente clara e indiscutivelmente estabelecida.

É cruel porque não tem aparentemente em conta as abissais diferenças a todos os níveis e sob todos os aspectos, mas quando comparamos a figura com o fabuloso "Mose" de "The Searchers" de Ford, feito pelo inesquecível Hank Worden percebemos como operam, afinal, a necessidade e a organicidade no Cinema.

"Mose", na realidade, é uma figura (para utilizar outro título de Ford) estruturalmente "expendable" no filme---que podia perfeitamente passar sem ele e permanecer, ainda assim, lógico e perfeitamente orgânico e consistente.

A verdade, porém, é que o talento de Ford soube contornar genialmente esse aspecto da "dispensabilidade" estrutural da figura, integrando-a perfeitamente numa narrativa onde ele surge como um sinal verdadeiramente arrebatador de humanidade que, sendo, como disse, possível, se revelaria, apesar disso, dificilmente aceitável, hoje-por-hoje, dispensar.

A organicidade das personagens está, assim, a meu ver, dependente (não diria propriamente "refém" mas diria, com certeza, "dependente") do génio de quem realiza e (lá está!) se encontra livre (além de possuir, obviamente, talento!) para contar uma "estória" sem precisar de ater-se autonomamente à reflexão mais ou menos teórica, descontextual, sobre a questão técnica (epistemológica) do como contá-la per se [sem sair do cinema de Ford, pense-se, ainda, no modo como ele reconta a "estória" dos Magos e do presépio em "Three Godfathers" sem parecer fazê-lo e sem interferir com a "actualidade" da própria narrativa que dessa sua revisão do mito resulta].

A indústria (de onde saíram referências máximas como Hawks, Hitchcock e o próprio Ford cujos nomes cito expressamente algures a propósito desta questão e que correspondem a génios que souberam já transmutar o ofício em Arte) forneceu, por sua vez, já ao realizador toda a reflexão epistemológica de que ele precisa e que lhe basta, por isso, simplesmente, pressupor e aplicar desse modo naturalmente implícito de cada vez que compõe um novo filme.

Mais: por vezes, é até essa componente pura (solidamente) 'industrial' que evita ao realizador a tentação fatal e os dissabores textuais de desunir-se e dispersar-se pela tal reflexão que acaba perversamente interpondo-se, de modo verdadeiramente fatal, repito, entre ele e o próprio Cinema.

Basta citar o "caso" Dassin que, enquanto trabalhou "peado" por imperativos "comerciais", compõs alguns objectos cinematográficos verdadeiramente notáveis, tendo-se, por outro lado, afundado por completo num disfuncional e de todo indesejável "intelectualismo" quando pôde, finalmente, "libertar-se", como ele dizia, daqueles...

[Na imagem: Hank Worden, "Ol' Mose" em "The Searchers" de Ford]

"Ainda a questão da Democracia"


Ainda antes de completar uma 'entrada' anterior deste "Diário" sugerida, entre outras coisas, por um artigo de Rui Tavares no "Público" envolvendo uma (evidente) necessidade de reajustar todo um conjunto de pontos das diversas vidas e realidades partidárias, designadamente das de Esquerda, à nova realidade política criada pelos mais recentes resultados eleitorais, retomo aqui o debate em torno da ideia cultu(r)al de Democracia.

É que também esta 'ideia' carece, do meu ponto de vista, de um certo reajustamento circunstancial senão a outra coisas qualquer, a si mesma uma vez que, em torno dela, começam logo por persistir, tal como eu vejo as coisas, alguns equívocos que perturbam (e muito seriamente!) a sua correcta implementação no concreto das diversas sociedades europeias contemporâneas.

Persiste, desde logo, um equívoco de base, em larga medida derivado da aceitação acrítica do que parece ser o conteúdo de um "mot d'esprit" churchilleano há muito proferidpo e que fala de democracia como sendo "o pior dos sistemas políticos---com excepção de todos os outros".

Primeira observação: a Democracia não é um sistema político.

O comunismo (considerando embora que existem distintas maneiras de entender a sua inmplementação concreta) é-o.

O fascismo, na sua essência e tal como eu o vejo, também.

A Democracia, não.

A Democracia é, sobretudo (em meu entender, pelo menos) um dispositivo móvel de segurança social e política aplicável, em tese, aos vários sistemas políticos existentes.

à maioria dos mesmos, em todo o caso.

É claro que há coisas que no universo da Democracia permanecem estáveis e que operam como requisitos absolutamente essenciais envolvendo aquele projecto de conserar os sistemas políticos (com a óbvia exclusão dos que à partida se confessam, de um modo ou de outro, inimigos de todo um conjunto de valores naturais de humanidade e humanismo) globalmente toleráveis, de um ponto de vista social e político.

Mehor dizendo: de um ponto de vista humano.

Da dignidade humana básica.

O acreditar-se (ou o aceitar-se acriticamente) que a Democracia é um sistema em si (definido, por exemplo, pela circunstância de existirem, numa dada sociedade, eleições ditas "livres", um parlamento e liberdade de expressão) tem, a meu ver, originado profundas e perversíssimas deformações na própria ideia de Democracia que têm, por seu turno, obviamente, contribuído para desacreditá-la e torná-la, por esse motivo, objecto de rejeição por muitos que a acham incapaz de assegurar a defesa daqueles valores de dignidade humanista os quais deviam, em todos os casos, norteá-la e nortear a sua implementação no concreto.

A Democracia, tal como eu a vejo, não é, pois, um sistema: é, como disse, um dispositivo político institucional (ou melhor: institucionalizável) móvel que resulta de uma permanente negociação social e política entre as diversas classes.

Não pode (nem deve!) obviamente dispensar as eleições e a figura do parlamento com poderes legislativos e de fiscalização do exercício do poder político mas está longe de se esgotar em qualquer um deles.

Ou até em ambos.

Devemos manter, dito o mesmo por outras palavras, um olhar dialéctico sobre o universo da Democracia.

Que não deixou de sê-lo por admitir, na Grécia clássica, a figura da escravatura ou, na Revolução Francesa, o anti-semitismo e o sexismo.

As formas de Democracia obtidas num caso e noutro resultaram historicamente de uma negociação social que não terminou evidentemente nas fórmulas encontradas para concretizar-se.

Pensar, como os "neo-churchilleanos" que, por muitas voltas que se dê à História e à Política, acabaremos sempre fatalmente "democratas" sem perceber exactamente que conceito exacto de Democracia é o ideal faz-nos (tem-nos seguramente feito) incorrer no risco de aceitar "qualquer coisa" como sendo a Democracia, desde que nela existam 'o tal parlamento' e 'as tais eleições livres' que, para muitos, são a Democracia.

Ora esta é básica e essencialmente, como disse, uma negociação e uma contratação que muito dificilmente acabarão, no imediato, pelo menos.

Como em qualquer negociação é preciso que as partes em presença---as classes sociais---se organizem (em partidos, claro mas, de igual modo---e a experiência ensina que os partidos tendem a não esgotar a capacidade de intervenção democrática e de auto-regeneração contínua da própria Democracia---em cooperativas e---a meu ver, idealmente---em "sindicatos cidadãos" capazes de dar seguimento àquela que foi a originalidade maior da Revolução Democrática portuguesa de '74: as "comissões de cidadãos").

Como em qualquer negociação, deve ser a própria realidade a redeterminar periodicamente os termos precisos do contrato social e político, sendo sempre entendido que estes podem (e devem!) historicamente ir mudando conforme as incidências precisas e específicas da realidade que está, como é sabido, em permanente mutação.

Aquilo que (pelo menos uma parte) dos 'neo-churchilleanos' espera da democracia, tal como eles a vêem é, porém, exactamente ao contrário disto (daí o peso posto na sugestão de "fatalidade" que nessa formulação obviamente sempre, de um modo ou de outro, a acompanha) que ela permaneça imóvel e completamente imutável (como uma espécie de perfeito fim da História "avant la lettre", i.e. "avant"... Fukuyama) servindo basicamente para justificar o "seu conteúdo em economia".

É, na realidade, aí que conduz aquela ideia de que a Democracia é, para todos os efeitos, uma espécie de "chão firme final da realidade histórica" que inevitavelmente se encontrará uma vez sucessivamente removidas as múltiplas camadas de detritos que lhe foram supostamente depositados em cima, de forma, aliás, comum e indiscriminada, pelos "outros" sistemas políticos que não são natural e saudavelmente... ela.

A Democracia, todavia, insisto, não é fim ou chão da História algum entretanto achado.

A Democracia é um conjunto de valores e/ou um espírito que procura expressão institucional precisa.

A Democracia é o confronto activo e permanente de pontos de vista sobre essa teoria vária de valores e a respectiva fixação em códigos políticos precisos que são, por definição, infixos e mutáveis.

A Democracia é, em suma, uma teoria da realidade que, em resultado precisamente desse estatuto epistemológico básico, partilha com as ciências formais de algumas características como, desde logo, essa de saber ir lendo, descodificando e representando especificamente o real à medida que ele, por sua vez, vai sofrendo mutações e/ou reajustamentos a si próprio.

Enquanto não percebermos como sociedade que, por um lado, a Democracia nunca está feita mas que temos de ser nós a i-la fazendo, activamente, no concreto e, por outro, que a Democracia é um conjunto ou teoria de pontos de vista puramente variáveis, humanos e históricos sobre a realidade e não a realidade ela mesma; enquanto, em suma, não aplicarmos um olhar epistemológica e cientificamente humilde sobre o real libertando o modo de apercebê-lo do preconceito e da manipulação nunca perceberemos, a meu ver, o que é a Democracia e impediremos (aí sim, fatalmente!) que ele chegue à nossa prática política concreta na única forma em que ela pode ser-nos a todos útil e positiva.

Vou dar, a seguir, dois exemplos recentes do caracter móvel, i.e. desejavelmente mutável, idealmente infixo (que é como quem diz: isento de pré-juízos e disfuncionais 'tabus') da Democracia que ilustram, a meu ver, aquele ponto de vista pessoal meu que diz que, entre achar representações históricas correctas e desejáveis de Democracia e qualquer outro tipo ou forma de negociação e contratação verdadeiramente livre entre partes não há (não deve haver!) qualquer diferença de substância.

Um desses exemplos diz respeito às famigeradas maiorias absolutas supostamente dispositivos estratégicos capazes de "arrumar a casa democrática" em determinados momentos alegadamente mais "complicados" da vida política.

Na realidade o que se passa é que as maiorias absolutas (que, aparentemente, resultariam de forma natural do próprio funcionamento normal da Democracia) constituem, de facto, não uma resultante quantitativa normal da dinâmica democrática mas, exactamente ao contrário, uma falácia de composição que, numa negociação séria da Democracia deveria já ter sido corrigida que é como quem diz: definitivamente eliminada, de forma pura e simples, do contrato social e político democrático, uma vez percebido o modo como ela, em vez de representar o máximo quantitativo de democracia opera, na realidade como a negação objectiva da mesma.

Costumam dizer os economistas que se um número xis de indivíduos numa sociedade fizer poupança, a ecomomia funciona bem exactamente porque há poupança e, com ela, consumo e, por conseguinte, produção, emprego, etc.

O modelo, porém, não pode crescer indefinidamente sem que uma subversão total desta lógica positiva tenha lugar a partir de um determinado ponto teórico de expansão do modelo: a partir desse "ponto teórico", com efeito, verifica-se uma falácia de composição que é como quem diz uma implosão nuclear do próprio modelo.

Toda a gente poupa e a economia pára porque não havendo consumo, deixa de haver produção e naturalmnte o emprego quebra, arrastando a sociedade em causa para um ciclo de paralisação tendencial que tem de ser politicamente rompido a fim de restabelecer a operacionalidade objectual de todo o sistema.

Ora, em Democracia outro tanto se passa com as maiorias absolutas: aquilo que, na essência, distingue as democracias das ditaduras é (dê-lhe a gente as voltas que der não há volta a dar a isto!...) o facto absolutamente essencial de inscrever nos códigos obrigatórios mais básicos e fundamentais (no código genético!) da própria Democracia a obrigatoriedade de fazer as deliberações a tomar passarem nuclearmente pela necessidade prévia incontornável de persuadir (ou seja, de apresentar argumentação que seja demonstrável e reconhecidamente melhor do que todas as outras) em lugar de, como acontece indiscriminadamente nas ditaduras e nas demomorfias onde podem naturalmente formar-se as tais maiorias absolutas, simples e expeditamente impor, tendo as opiniões e pontos de vista divergentes das do poder, ainda assim, "liberdade" para exprimir uns e ouros.

... Uma liberdade que passou, assim, com a caução do próprio aparelho institucional democrático, a ser não já, na realidade, de natureza genuinamente política mas, de facto, inessencialmente argumentativa---e moral.

Por outras palavras: é realmente difícil não ver como, da maioria relativa para a absoluta, se verificou, na prática, uma falácia de composição democrática que é urgente, como tantas vezes, tenho vindo a argumentar, inscrever numa próxima renegociação do contrato social e político a ser exigido pelas partidos de Esquerda mas, de forma, a meu ver, cumulativa e não menor (pelo contrário!) pelos "sindicatos cidadãos" cuja fomação deve constar dos programas da Esquerda realmente moderna onde quer que ela, hoje-por-hoje, se encontre.

O segundo exemplo prende-se com uma outra informação recente envolvendo crimes de guerra cometidos por Israel na Faixa de Gaza.

Israel é, hoje-por-hoje, um Estado moral e politicamente pária que pratica um regime de repelente apartheid sobre cuja natureza bárbara e insuportavelmente desumana já ninguém pode hoje ter a mínima dúvida, que assassina abertamente opositores e massacra regularmente civis com a compacência tácita do mundo inteiro, designadamente do "primeiro" desses mundos, do mundo dito comummente democrático.

Recentemente, um organismo das Nações Unidas trouxe a público a condenação desse País-fortaleza (que é, também, país-metástase através designadamente da atrevida política de colonização de que não prescinde com a cumplicidade implícita da administração norte-americana que, na região só actua, como se sabe, "com pinças" e depois de muito pressionada pela própria---desumana---realidade...)

Naturalmente, crime de guerra algum deveria deixar de dar origem a sanções sobre os respectivos perpetradores e, de facto, pôs-se, segundo a imprensa mundial, a hipótese de levaer a selvajaria cega israelita recente em Gaza ao Conselho de Segurança da O.N.U.

O problema...

O problema é que os Estados Unidos dispõem de um imoral direito de veto que lhes permite suspender quaidsquer deliberações nessa (como, de resto, em qualquer outra) matéria que lhes 'apeteça'...

Pelo que as vidas de centenas de civis brutalmente sacrificadas à estratégia do brutal e insensível expansionismo israelita têm, democraticamente, de ficar, assim, uma vez mais, por ressarcir encorajando, sempre democraticamente, novas exacções e novos crimes.

E, no entanto...

E, no entanto, estamos a falar de "democracias", de um dos tais regimes que, sendo o que é, é, ainda assim, o melhor de todos...

E até o é só que não visto como objecto final insusceptível de (volto a dizer: sempre contínua) reformulação mas, exactamente ao invés, como o tal contrato social e político a subscrever pelas sociedades humanas e que é essencial ajustar continuamente à realidade de modo a tornar a habitação desta por todos nós algo de realmente livre, efectivamente progressivo e sempre desejavelmente humanizado.

[Na imagem "O Sono da Razão" ["Reason Itself Often Slumbers"], colagem sobre fotografia, de Carlos Machado Acabado, republicada de http://umnaoalexandreonirico.blogspot.com]