sexta-feira, 2 de outubro de 2009

"Sobre a 'transfactualização significada da realidade', método de abordagem do real favorito dos 'opinadores' profissionais"


Quando se lêem "análises políticas" como a que o "Público", pela pena de Teresa de Sousa, faz às eleições do passado dia 27 (cf. jornal "Público", edição de 30.09.09, texto: "Entre Berlim e Lisboa, descubra as diferenças") é que a vontade de dizer "raio que os parta a todos de vez aos «analistas políticos»!!" que a mim pessoalmente nunca me abandona é mais forte e mais justificada do que nunca!

"Análise", "aquilo"?!...

Em Portugal, uma sociedade, em larguíssima medida, ainda hoje, funcionalmente analfabeta e desoladoradoramente incapaz de pensar pela própria cabeça (tê-la-á, aliás, na realidade, esta "multidão" difusa, virtual, acéfala, periódica e meramente reflexa que entre nós passa vulgarmente por "opinião pública" e até---imagine-se!---em determinadas alturas, por "Cidadania"!...) a emergência de uma fauna feraz e ruidosa de "opinadores e inteligentes de carreira" naturalmente incapacitada para distinguir, logo à partida, entre "opinião" e im/pura "convicção"; entre "análise" e um total e muitas vezes "cirúrgico" "desfigurar estratégico da realidade" a fim de levá-la a 'caber' nos seus próprios (prévios) preconceitos e superstições políticas em geral, tem tido um efeito catalisador da acefalia generalizada objectivamente impossível de calcular.

No fundo, é o 'Portugal-de-hoje' "no seu melhor": um cavalheiro ou uma cavalheira qualquer tira um curseco de "comunicação social" numa daquelas universidades pós-modernas onde, volta-e-meia, saem às pessoas cursos-brindes como antigamente nas rifas da Feira Popular saíam panelas e pyrexes-de-ir-ao-forno; mete uma cunha ou duas (escreve uma cartinha a um ou dois daqueles líderes políticos a quem o sistema eleitoral português foi, como se sabe, há muito concessionado) viaja muito (aí já à conta de alguém, muitas vezes daqueles mesmos cujas actividades se vai em seguida---sempre com total objectividade, claro!---falar) e, pronto, 'sai jornalista'.

'Sai jornalista', não!
'Sai jornalista' mas... "de referência".

A partir daí fica obrigado a escrever 'para um supermercado' qualquer perigosamente 'perto de nós' um livro ou dois ("Equadores", "Filhas de Capitães" e coisas assim), vira "Figura" e ganha desde aí, aparentemente, o direito a chatear-nos a cabeça sempre que queremos ouvir uma coisa tão simples como uma notícia na televisão (que o mesmo é dizer: sempre que lhe dá na real gana) com os seus fantasmas pessoais---políticos, literários, "you name it"---a caterva de inanidades, palpites, bizarrias, crenças, birras e ódios pessoais, (quantas vezes, mal...) camufladas "encomendas", vis mesquinhices disfarçadas à pressa de ideias e conceitos, todas as patetices e jumentadas que lhes cabem, "pêle-mêle", nas respectivas e privilegiadas cabecinhas.

Tudo serve, tudo 'dá': vai-se para casa, tem-se (no "monte alentejano", de preferência, ham?...) uma estante cheia de bordas-de-águas, cartilhas e almanaques de todo o tipo, abre-se um deles ao calhas e está-se, praticamente de imediato, habilitado, com o prestígio que conferem a "doutorice" caucionada sem reservas pelos papalvos e/ou o estatuto "literário" reconhecido no granel das vendas da hiper-mercearia mais próxima, a lucubrar em público, de... "braguilha opinativa" completamente escancarada, sobre (virtualmente!) qualquer coisa.

Desta vez, foram as eleições.

A questão aqui é a de decidir quem ganhou "bem", quem "devia" ter ganho, quem não "devia" e (para que o trabalhinho fique bem feito: perfeito, asseado e à medida dos interesses que subjazem mais ou menos... "com o rabo de fora", em geral, "àquilo" tudo): porquê.

"Esclarece-se" por que ganhou Fulano, por que perdeu Beltrano e por que é que é bom que tenha perdido Mengano.

Que há partidos que são "lá", "o futuro" e outros que são "cá", "o passado".

"Analista" dixit: é a "europologia a todo vapor" de Teresa de Sousa---hoje, por acaso, vendida com rendilhados de pura reflexão (que é, aliás, sempre a mesma mas enfim: em estrénua defesa do sistema... "eurovegetativo" mundial) por cima de um senhor que é juíz e pretende pôr o País todo a "procriar" (o termo é dele) ao mesmo tempo que nos vai pacientemente "explicando" por que razão casamos e ("par dessus le marché") 'o que é o amor'.

E tudo isto por um euro, ham?!...

Toca a "pirocar", pois, se faz favor que "o amor é difusivo por natureza" ("discriminador" também mas "difusivo", seja lá o que for que isso signifique---bem, o meu é mais do tipo efusivo mas pronto: também dá! É preciso é... "procriar": o como poderá ficar ao critério de cada um! Vamos é já todos para o tálamo "valorizar a vida" com as nossas mulheres e maridos: isso é que conta e os "maricas" que se lixem que "mariquices" são, diz o bom juiz, "egoísmo a dois"...)

[Ah! E se forem "três ao mesmo tempo"? Isso não diz... Fica ao critério de cada um...

Hum, mas cá para mim, também não deve "dar" porque isso de pirocar em seco poderá abrir muitas coisas mas a si mesmo é não se abre com certeza "generosamente à geração", como advoga o nosso juiz-comentador]...
...Isto, enquanto lá em cima, alheia à teoria da judicial piroquice e aos ditames da vontade popular que, boa ou má, deu uns certos resultados; lá em cima, dizia, T.S. continua infatigavelmente a perorar (sabiamente como só ela é capaz!) sobre "governabilidade" em geral, a descodificar intenções de políticos e políticas, a advogar as tenebrosas maiorias absolutas que nos trouxeram Cavaco e Sócrates e a discorrer, sempre erudita, sempre magistral, sobre 'os verdadeiros fundamentos' do "nosso lento desenvolvimento (sic)".
(Para se desenvolver, o povo tem, pelos vistos, cá e lá, de votar como Teresa quer e o pior que há para o "desenvolvimento" é que não há meio de o povo se convencer, de uma vez por todas, disso mesmo!...)

Aliás, esse é, mesmo, o "mal dos povos" segundo os "nossos" sapientíssimos e extra-lúcidos "comentadores": raramente o povo votar... "como deve".

Há, com efeito, uma espécie de "democracia específica de comentador" que diz: "a democracia é cada um votar como quer---desde que que vote como eu quero..."

Nada mais simples, não?


Bom, termino referindo aquilo que penso, em última instância e em síntese de tudo quanto até aqui escrevi, sobre esta "indústria do comentário" que substitui entre nós o inominável incómodo de possuir uma inteligência própria.

Na realidade, eu imagino, por exemplo, um restaurante onde fôssemos todos, uma noite, cear.

Chegávamos, sentávamo-nos e pedíamos o menu.

Vinha o criado, aceitava a encomenda, trazia a sopa, o peixe, a carne, a sobremesa.

Com, ele vinha sempre um senhor alto, muito bem vestido, de bigode e gravata preta que cumprimentava respeitosamente e, sempre em respeitoso silêncio, se sentava ao nosso lado e desatava a tirar elegantes colheradas do consommé que, de imediato e sempre com uma perfeita elegância de maneiras, voltava a cuspir num prato ao lado---de onde nós, imediatamente a seguir e antes que arrefecesse, por nossa vez, a saboreávamos, adequadamente regalados.

E isto, ao longo da ceia toda, colherada a colherada, garfada a garfada, gole a gole: colherada, cuspidela, garfada, cuspidela, gole, cuspidela!
"Degueulasse", não?...

Pois, para mim, "comentar industrialmente", na televisão ou nos jornais, é isto mesmo, substituindo, apenas, a sopa pelas notícias, o peixe pela entrevista ao político, a carne pela reportagem do exterior!

"Comentar" assim é ter alguém que, ao serão, "liga pontualmente o chatiómetro" e com ele ligado, se intromete constantemente entre nós e a realidade---entre nós e uma inteligência própria da realidade---para no-la "mastigar" e cuspir em seguida, completamente pronta a tragar (??!) no nosso prato pessoal das ideias e dos conceitos...

...Como se a nossa inteligência fosse (sei lá!) velhinha e não tivesse já (ou fosse bebé e não tivesse ainda...) língua e dentes para "comer" sozinha a matéria da realidade e a própria realidade de que idealmente se alimenta!

Porque é, de facto, isso que nos chama a multidão vociferante de "comentadores" que por aí pulula e, com raríssimas excepções, nos inferniza diariamente a vida de indefesos e vulneráveis "consumidores pós-modernos de informatividade": bébés da inteligência, velhinhos da opinião, terceira idade do esclarecimento e das ideias!

Por isso, eu digo: vão mas é para o raio que os parta que eu da inteligência ainda estou em muito boa idade para me alimentar sozinho!...

Foge! Cruzes, canhoto!...

[Imagem extraída com a devida... Vânia de cinema-kleinhase. allocine.fr: Jacques Brel no filme "L' Émmerdeur" de Francis Veber, remake francês de "Buddy Buddy" de Billy Wilder, 1981, com Jack Lemmon e Walther Matthau nos papeis principais]

2 comentários:

maria sousa disse...

Como se isso não bastasse temos hoje nova edição de Teresa, desta vez dedicada aos trogloditas irlandeses que depois de se terem portado mal levaram com novo referendo, este sim, com direito a sermão "in loco" do super Durão: Ou votas como eu quero ou vais ter inimagináveis castigos, boicotes, bloqueios ou apocalypses.
Isto é uma democracia europeia, ou não?
Abraço

Carlos Machado Acabado disse...

É, pois!
E é daquelas tipo se-não-for-à-primeira-vai-à... décima-primeira...
Tem é de ir...
Beijinho!