sábado, 24 de outubro de 2009

"O «Zé» Gomes Ferreira"


Um programa da RTP Memória trouxe-nos ainda muito recentemente (ontem, de facto, talvez porque a nova ministra da cultura entra no filme na sua condição original de pianista) a lembrança de José Gomes Ferreira.

Poeta "maldito" para o "regime" (falo do actual regime de "democracia funcional" e... pragmática") como "malditos" foram (e continuam a ser!) por razões, aliás, em tudo idênticas, Vasco Gonçalves (quando, meu Deus, se fará justiça nacional a um dos homens mais puros e mais genuínos que o País moderno teima em desconhecer?!), o Zeca (que, tirando aquele breve episódio-LUAR, "capela" alguma conseguiu, como é sabido, domesticar e levar, um dia, a passear com uma cordinha ao pescoço...); o Otelo (o "grande Otelo", outro completo "innocent abroad", naufragado num país de espertalhaços muito mais atreitos ao "pão com manteiga" ou à "tosta mista com muito queijinho derretido", na mesa à hora certa do que à utopia desinteressada...); poeta (perdão! Poeta!) maldito porque se obstinou em acreditar que tudo "aquilo" era sério e a sério e que, por isso, não hesitou em comprometer-se até às orelhas num projecto profundo de verdadeira revolução que nunca existiu de facto, na mente dos triunfadores de 75, agregados, à parte do generoso impulso transformador original, num novembrismo osco e sonsamente "pesetero", sinistramente vulpino e conspirador, a integral extensão de cuja sedição ainda hoje generalizadamente se desconhece e que rapidamente percebeu que tudo se resumia, no fundo, a um pouco de paciência (com os Estados Unidos e a Alemanha na retaguarda prontos a ajudar com a sua "experiência", os seus marcos ou os seus dólares e os seus militares se necessário fosse e a mera paciência não bastasse...) pagou com o "esquecimento estratégico" da "crítica" oficial essa sua (confessada mas imperdoável) ingenuidade.

Foi, porém, mau grado os "culturadores e consagradores oficiais", um grande Poeta e um Homem coerente que quem pode permiti-se pagar o serviço de televisão por cabo (e apenas esses...) pôde, também, ontem ficar a conhecer um pouco melhor, como, de resto, amplamente justifica e merece.

De José Gomes Ferreira, Poeta, Compositor, Homem do Cinema, deixo aqui um fragmento que bem define a sua Poesia verbalmente intransigente e seminal, escatologicamente dura mas sempre, em última instância, paradoxalmente transcendentalizadora, sinfonicamente paradoxal mas, no limite, sempre também magicamente coesiva, inquieta, vibrante, sanguínea---e agregadora.


[...]

Todos nascemos nus
---condição dos seios,
das açucenas
e dos sapos.

Mas até os seios das mães
são diferentes.
Uns cheiram a sedas quentes,
outros, a urina de cães.

[...]

Álbum/XII

[Que tal nós, os clandestinos virtuais da Cultura; os "alternativos do espírito" que nos obstinamos em não nos rendermos à "literatura de locutor" nem, de um modo geral, à "cultura Farinha Amparo" (em embalagens de quilo e meio quilo, vendidas preço aliciante acima e abaixo de Equador...); que tal nós todos começarmos determinadamente a redescobrir---e a dar a redescobrir...---a Poesia do "" Gomes Ferreira às gerações mais novas que o desconhecem como às mais antigas que, entretanto, já o esqueceram?... ]

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