segunda-feira, 12 de outubro de 2009

"Quem é?"


Começo por uma pergunta:

Alguém me consegue dizer a quem pertence a autoria deste poema?

Ar-visão

Que se cale a lâmpada e deixe de balir.
Delgado, da parede, um braço rebentou,
de palidez coberto, de azuis veias raiado, tinha os dedos ornados a pérolas de preço
sendo quente viva a mão que lhe beijei.
Tremi de medo.
Ferozmente agarrado me vi
e
tomando um facalhão
abri-lhe as veias em golpes borbotões;
Grácil, um grande gato, lambia no soalho o sangue despejado,
enquanto, horripilado, de cabelos no ar,
um homem se empinava por um pau de vassoura
encostado à parede.

Algumas pistas:

-não é português (o texto que reproduzo corresponde a uma versão de Manuel João Gomes inserta na raríssima "Antologia do Humor Negro", editada entre nós por fernando ribeiro de mello/edições afrodite)

-uma vez conhecido o seu prestigiosísimo nome associamo-lo de imediato a algumas das mais importantes obras da Literatura Universal mas em prosa;

-morreu jovem e raramente passa um dia sem que uma referência directa ou indirecta lhe seja, afinal feita...

Alguém se atreve?
Resposta: Kafka.

2 comentários:

Gonçalo disse...

Não sei quem é, mas que é um poema espectacular lá isso é.

Carlos Machado Acabado disse...

É Kafka, imagine-se!
O texto que reproduzo é aqui apresentado como sendo "de humor".
Seria muito «complicado» estarmos agora, aqui, a discutir aquilo que André Breton, o organizador da "Anthologie" original, inclui na 'categoria' de "humor".
Pessoa diz, pela parte que o envolve, que ao provincianismo português falta humor e, exactamente por isso, é que ele é o que é, i.e., provincianismo.
Falta-lhe a capacidade, diz Pessoa, de se projectar criticamente para fora da experiência 'absoluta' das coisas de modo a contemplá-las do exterior de si, digamos assim.
Por aí, por essa espécie de "esquizofrenização lúcida" da experiência 'pura' do real, talvez seja possível aproximar-nos (sem grande garantia de "lá" chegarmos, porém...) do conceito bretoniano de "humor".
Em qualquer caso, o poema (a fazer fé na exactidão da versão portuguesa que não consta, aliás, da minha edição francesa onde surge---imagine-se---um longo fragmento d' "A Metamorfose"...) tem, de facto, uma imagética poderosamente impressiva (aquele braço que sai da parede é não apenas tipicamente surrealista como visualmente impressivo...) para além, obviamente, de dar a conhecer uma faceta de Kafka que, seguramente, muitos ignorariam.
Fico particularmente feliz por tê-lo trazido aqui, aso "Quisto"