quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

"O Benfica e Alguns Outros ... Equívocos" [por rever]


O Benfica voltou ontem a perder---o jogo e uma pipa de dinheiro---tem um passivo inimaginável de quase 400 [quatrocentos!] milhões de euros; tem [ou teve] uma estratégia de altíssimo risco que envolvia uma ousadia financeira inicial inédita e brutal; tem, sobretudo, uma equipa mal-escolhida, mal-estruturada e mal-conjuntada, [mal] preenchida com os "caprichos" e as "iluminações", os relâmpagos de "génio" e as "fulgurações" de atrevimento do seu [ainda] treinador, um plantel incapaz de render quaisquer dividendos relevantes ao investimento feito; um treinador cuja carreira prometia, de facto, muito mas que era, afinal, fogo de palha e deslumbramento e que, feitas as contas, durou um ano; joga num campeonato inexistente ["do pescoço pasra baixo" aquilo é quarta ou quinta divisão europeia] está, no plano do mercado televisivo, hoje-por-hoje, a mina-de-oiro dos clubes, refém das patifarias de toda-a-espécie-de-gentinha que chegou a escolher para liderá-lo.

O drama do Benfica e especificamente do seu presidente é que são, cada um a seu modo, eles mesmos de outro campeonato relativamente a quem os serve.

O Benfica já há muito que devia ter formado ou encontrado um director desportivo, um manager, um gestor e estratega com dimensão pessoal e capacidade efectuiva para começar a preparar o processo de "exportação sistémica" do Clube---deixemo-nos de meias palavras: o único em Portugal que vale dinheiro e com dimensão global, ao menos potencial---começando na venda do mesmo a um proprietário privado sólido [se os há ou não assim por aí aos pontapés "isso são mais quinhentos", é verdade mas não vejo alternativa, ou melhor: vejo mas é mais... "disto"!] e continuando na aposta num campeonato europeu para o que pode contribuir com audiências e portanto dinheiro que não estão ao alcance de mais ninguém em Portugal.

É uma falsa questão dizer que a empresarialização integral dos clubes mata o futebol: a empresarialização é um processo que não pode interromper-se carregando espontaneamente num interruptor.

Não se pode estar "um bocadinho" no mercado e "outro bocadinho" fora dele.

Quer dizer: pode mas---lá está!---o resultado é este e pode ser pior ainda quando surgir "a conta"...

A passagem dos clubes a SADs, algumas de farsa não resolveu aquele que era o problema, a doença crónicas, dos clubes em Portugal: o não serem nem carne nem peixe, parasitando o Estado e subsistindo numa escandalosa vida de "demi-mondaines" institucionais postas "por conta" de um Estado que durou, naquela forma, quarenta e oito anos mais do que deviva.

Hoje, com poucas excepçãos "já não há" clubes: há pequenas e médias e empresas promotoras de espectáculos para-desportivos ou "de tipo originalmente desportivo" que tentam, muitos deles desesperadamente, sobreviver vendendo uns esses mesmos espectáculos, outros meras contrafacções e hábeis falsificações, pirateadas com a escandalosa cumplicidade dos poderes públicos [o "nosso", actual, não é, sob inúmeros aspectos melhor do que aquele que vigorou em Portugal nos tais quarenta e oito anos de má-sina e atraso consistente] aproveitando a "boleia" dos primeiros.

Não faz, por isso, qualquer sentido económico e financeiro---qualquer sentido estrutural---falar de clubes, de desporto ou de descaracterização sistémica a evitar a todo o custo, em nome da pureza identitária, a propósito da manutenção das actuais quasi-empresas promotoras de espectáculos competitivos na sua acvtual configuração ambígua e disfuncionalmente híbrida.

Há em Portugal meia dúzia de empresas e grupos económicos restaurados que vivem "com a cabeça na Europa"; todo o País vive, de resto "com a cabeça na Europa e no mundo mas o resto do corpo em África---e esse é, de resto, o seu drama, a sua maior tragédia: está "como o tolo em cima da ponte" e leva consigo a ideia, hoje-por-hoje, completamente obsoleta de "clubismo".

Os grandes grupos económicos restaurados em Portugal vivem para exportar, vivem do e para o mercado externo e não podem, aliás, deixar de ser assim: há uma lógica sistémica muito precisa e concreta que impõe que seja assim.

A questão não é o desenvolvimento: é a organização social e política do mesmo.

É o modo como são treintegrados na sociedade, como são ressocializados, os lucros do próprio desenvolvimento.

Ninguém pode ficar escandalizado com um Benfica jogando no campeonato do Real Madrid ou do Bayern e com jogadores pagos em conformidade, se [a] produzir um espectáculo competitivo efectivo, respeitavelmente concorrencial e de qualidade; [b] existir assim um mercado ao qual o nível de vida global efectivo da população nacional permita sem sacrifícios intoleráveis aceder; isso existir sem sacrifício de qualquer outro tipo de espectáculo, que é como quem diz, citando uma antiga mot d'esprit de António Lopes Ribeiro, sem que a existência de estádios signifique a inexistência inversamente proporcional de estúdios...

A propaganda "pró-ocidental" fingia em tempos indignar-se muito com o retorno financeiro dos atletas das equipas soviéticas ou leste-alemãs [não estou a falar de doping de estado nem de uma concepção completamentre errada de concorrência e de uso político do desporto, ham?] ou até com o dos bailarinos do Kirov e do Bolshoi.

Mas o problema não era o de quanto ganhava essa elite: era o de quanto ganham os outros, os que não eram elite, o conjunto da soaciedade de onde essa elite emergiu.

De onde ela pôde emergir por haver oferta generalizada, por um lado, falando no plano estritamente técnico e pelo facto de o seu aparecimento não ser feito à custa do sacrifício indecoroso das condições de vida e da ignorância do conjunto da sociedade, falndo agora naquilo que verdadeiramente interessa e que são as condições de vida das populações, o verdadeiro desenvolvimento.

Até porque, voltando, ao caso nacional, só se podem ter empresas a render dividendos, no caso competitivo, se o nível global de vida dessas mesmas populações for razoável e sustentavelmente equilibrado.

Se as pessoas não tiverem dinheiro para adquirir o produto futebol ou o rugby ou o andebol não há---não pode haver---grandes empresas promotoras de espectáculos.

Não colhe tão-pouco dizer-se que as pessoas vão ver os jogos de um Benfica mas apenas porque é o Benfica e não uma marca comercial qualquer; e eu pergunto: numa dos mais prósperas [e directa e indirectamente, ambientalmente nocivas, aproveito para dizer...] negociatas competitivas que se conhecem, a fórmula um, que clubes pagam as pessoas quantias por vezes dificilmente imagináveis para ver em acção?...

O problema está, a meu ver, longe de ser esse: o problema reside na falta de capacidade financeira, nos gravíssimos desequibrios estruturais, no fosso entre ricos e pobres, entre estabilidade e precariedade de rendimentos na sociedade portuguesa [é, sobretudo, dela que aqui falo, é ela que aqui especialmente me interessa].

As modalidades em Portugal não são sustentáveis porque existe uma cultura "do futebol" longos anos fomentada ou deixada fomentar pelo poder e para esse, "tant bien que mal", ainda vai havendo, sabe... Zeus à custa de quê, dinhero.

Aliás, eu nunca percebi muito bem por que razão, volta-e-meia, lamuria uma certa facção bem-pensante da sociedade portuguesa contra essa "cultura" simplesmente por ser o futebol a estar em causa quando se se tratasse do rugby, do voleibol ou do chinquilho, nas mesmas exactas condições económicas, sociais e/ou cultu[r]ais e até políticas o problema seria, na essência, exactamente o mesmo.

...E tão-pouco deixaria de ser, de resto, se, em vez de qualquer deles fossem todos ao mesmo tempo e se todos os jornais desportivos juntos falassem ainda, além deles, na malha, no jogo de damas, etc.

O que é mau não é que as pessoas não distribuam a alienação económica, social, cultural e política que caractreriza a sua postura cívica ou civil e política por um conjunto mais ou menos alargado de modalidades competitivas: o que é mesmo mau é que elas sejam alienadas---mas é preciso entender que não deixariam de sê-lo se ao futebol, juntassem, a fim de concretizar o seu modo alienado de relacionar-se consigo mesmas e com o conjunto da comunidade em que [não] se integram, com a História, com a Política, com a Cultura um conjunto de formas e modos circunstancialmente diferentes daquele a que já hoje, em situação de quase obsessiva preferência, recorrem.

Portugal, insisto, não é mercado para grandes voos: não devia, por exemplo, "estar na Europa"---e de facto não está.

E não é obviamente por acaso que não está.

Sócrates é uma inexistência política cada vez mais inquietante mas, justiça lhe seja feita, se fosse um político a sério o resultado seria provavelmente o mesmo, por razões sistémicas profundas.

Essa realidade sistémica é muito clara no futebol.

Os economistas portugueses, o conjunto de imbecis mais habilitados que conheço, gostam, por exemplo, de citar o "caso" do Futebol Clube do Porto como um "exemplo de boa gestão... desportiva".

Ora, o que diriam---o que diria qualquer um de nós!---de uma empresa que incapaz de subsistir do comércio dos produtos que fabrica, desatasse a desfazer-se das máquinas, do mobiliário, dos camiões e a considerar a dispensa dos seus melhores técnicos vendedores um "êxito de gestão" e as quantias embolsadas ou deixadas de desembolsar, que é como quem diz: desinvestidas no desenvolvimento do projecto original da empresa, notabilíssimos "lucros de gestão", genuínos "ganhos de produtividade" e por aí fora?

Provavelmente, se ainda não tivessem enlouquecido de todo, que se tratava de "engenharia de gestão" e que uma tal deformação da filosofia da empresa apenas era possível por se tratar de uma empresa objectivamente insustentável e em estado de falência potencial crónica.

Já não é segredo para ninguém que, se em vez de "produtos em abstracto", disserrmos "espectáculo competitivo"; se em lugar de "empresa", dissermos "SAD" e de "operários" e "vendedores", dissermos "futebolísticas" é nesse estado de desfuncionalidade crónica e [por que não dizê-lo?] des/estrutural que vivem os clubes das ligas periféricas e por maioria de razão, aqueles que como o tal Futebol Clube do Porto dispõem [até em resultado do modelo regionalmente confllituoso, regionalista mesmo, no pior sentido da palavra e globalmente 'provinciano' por que optaram] de margem de manobra num mercado que é quase exclusivamente local.

A mim, pessoalmente, pouco me interessa o clube e os seus problemas: não posso é deixar de observar que, se o modelo é esse, muito mal vai, de facto, a competição em Portugal e muito escassas são as suas perspectivas de deixar de sê-lo.

Porque assentar em num regime de receitas extraordinárias transformadas em modo de subsistência ordinária, funcionando como empresa produtora de espectáculos de dia e como entidade agenciadora de jogadoes à noite patrece-me francamente ser tudo menos um sucedâneo de um quadro empresarial competitivo racionalizado o que quer dizer dimensiionasdo à escla natural ditada por um mercado interno curtíssimo ou, em alternativa, por um externo, se se conseguir estruturadamente ter acesso a ele.

Esse, sim, seria, repito, o paradigma racional---um paradigma que, para já, o Benfica, com Jesus a treinador [e eu fui assumidamente dos que lutaram para que o Benfica o contratasse e ele até começou por justificar as experanças e expectivas---que eram e já não são as minhas mas, de igual modo, de cidadãos com muito maiores responsabilidades, até, neste domínio do que eu, como o Prof. Manuel Sérgio, por exemplo]; com estes jogadores em grande parte por ele [mal] escolhidos e com este director desportivo, Rui Costa cujas funções actuais no organigrama do Clube deixaram, aliás, há já algum tempo, de ser completamente claras e inequívocas; um paradigma que, dizia, o Benfica acaba de falhar e de forma verdadeiramente estrondosa.

O Clube tinha, como disse, uma estratégia de risco que mais uma vez, desenhada fora dele, ruíu, colapsou, fragorosamente, no campo.

Agora, com um passivo colossal para a realidade interna, o Clube vai obviamente ter de redimensionar-se, de vender jogadores, de recorrer à cantera [se existe realmente, o que eu duvido mas enfim---não creio que possa, responsavelmente, esticar mais a corda dos riscos e voltar ao mercado jogando tudo numa Liga Europa, um troféu residual e menor para a qual tudo indica não está, apesar disso, minimamente preparado; para rentabilizar a respectiva participação na qual lhe falta manifestamente estrutura e dimensão competitivas, qualidade, cultura ganhadora; diminuir competitivamente jogando na capitalização imediata dos activos negociáveis e desinvestindo substancial mas, sobretudo, substantivamente na competição, atravessando um relativo deserto competicional, até nova aberta que tem, porém, de ser relançada "com pinças"---que o mesmo é [por muito que tal custe!] dizer: reduzindo-se, para já, à sua evidente in-significância.

Despedindo o treinador, também?

Essa, devo dizer, é para mim, para já, a grande dúvida e só conhecendo in loco a realidade do Clube---a começar pela da relação de Jesus com os jogadores no sentido de perceber qual a sua capacidade real para motivá-los ainda e para levá-los a superarem-se no imediato, além do estado presente da sua aptidão técnica e táctica [que para mim já está, todavia, claramente em questão, devo dizer]---só conhecendo in loco, dizia, todos esses factores e condicionantes é possível responder a essa pergunta que, todavia, não pode, em caso algum, ser posta em termos de eufónica "bem pensância e política correcção", como é típico de um certo nacional-porreirismo solidamente instalado nos nossos hábitos mentais eternamente flutuantes e sempre formados e formulados tão "portuguêsmente" em cimma do joelho e ao sabor das emoções fáceis de momento.

Mas, como digo, essa deixou, para mim, já há algum tempo, de ser uma questão pacífica e um ponto acima de qualquer questionamento...

No mínimo...

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