Há um conjunto de conceitos ou de conceituações de natureza pessoal que uso em geral para reflectir e por cuja introdução no nosso léxico crítico comum venho há muito propugnando---conceitos conceituações entre os quais incluo, começo já por dizer, aqueles dois sobre os quais me proponho fazer incidir as brevíssimas notas e reflexões que imediatamente se seguem.
Falo, desde logo, das expressões "pensar e pensamento orgânicos", sendo o primeiro o verbo [transitivo e intransitivo] e o segundo, obviamente, o substantivo, i.e., a subnstanciação dos actos mentais e críticos contidos no primeiro.
Pessoalmente, acredito que a minha formação marxista me sensibilizou para essa necessidade de, em geral, 'pensar organicamente' o real---algo que entendo, aliás, ser fundamental para dele podermos aspirar vir a possuir "imagens criticionais" [outro item útil de semântica pessoal que me atrevo a avançar aqui...] e "representações operativas" minimamente estáveis e fiáveis com as quais pensar com [lá está!] alguma segurança crítica mínima demonstrável, a realidade.
Ocorre-me trazer aqui ainda uma vez as expressões [e as conceituações!] "pensar e pensamento orgânicos" ao ver no "Diário de Notícias" [na edição de 23.12.10, num texto intitulado "Europa 2020 e pobreza", da autoria de Glória Rebelo] de abordada a questão da pobreza nas sociedades capitalistas de hoje.
Nele, começa a autora por recordar que o ano que agora chega ao seu termo foi por muitio estranho que pareça num ano em que ela se tornou, de forma alargada, política de Estado entre nós, com consagração orçamental e tudo, o Ano europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social para passar, de seguida, a constatar algo que é, de facto, inescondível, evidente, ou seja, a "realidade pluridimensional da pobreza", um eufónico eufemismo para referir algo que a mim, pessoalmente, repito, daquela perspectiva orgânica que utilizo como método de abordagem crítica para pensar, em todos os casos, o real se me afigura, de facto, absolutamente óbvio e incontornável.
A própria autora o diz lucidamente logo a seguir quando fala da necessidade primária de "reformar o sistema financeiro internacional" como pressuposto básico para sustentar com um mínimo de desejável eficácia o tal "combate" de que 2010 era, como comecei por referir, suposto ser o ano: o que deveríamos, como siociedade, estar todos a efectivamente empreender e não apenas neste ano que agora finda contra a pobreza.
O problema é que a pobreza não é hoje uma questão autónioma.
O problema é que a pobreza é hoje uma questão sistémica directamente ligada, como tantas vezes tenho dito, à ruptura nuclear da "ecologia producional" tradicionalmente vigente no Ocidente envolvendo formas objectualmente operativas de estase entre, por um lado, "propriedade" e "conhecimento" e, por outro, decorrente dessa mesma dicotomia primária, as que vigoraram em geral entre o que Marx chamou capital constante e capital variável.
Quer dizer: não é possível pensar hoje a pobreza de outro modo que não seja integrando-a organicamente no funcionamento normal do capitalismo pós-industrial e, por muitos "anos europeus de combate" que contra ela se organizem, não subsiste a mínima hipótese séria de contrapor-lhe alguma resistência minimamente eficaz sem que a consideremos integrada naturalmente no todo que é o edifício institucional e até mental do capitalismo tecnológico e mais: como uma resultante inevitável precisamente do modelo de funcionalização e tecnologização intensiva da produção que subjaz àquele e que, em resultado da própria dinânmica concorrencial primária que o anima [e que ele valoriza de forma expressa considerando-a um estímulo essencial ao seu próprio funcionamento] ele, ainda que o quisesse, em caso algum, poderia descartar.
Resulta im/precisamente, pois, de uma forma disfuncionalmente casuística e in-orgânica de pensar a tese de que a pobreza se pode combater de modo autónomo, isto é, isolando-a do funcionamento não apenas normal como, sobretudo, inevitável do sistema e tomando-a, para todos os efeitos, como um mero epifenómeno de circunstância relativamente a todo ele.
O que eu digo é que não há, de facto um "problema de pobreza" [uma... "question" naquele sentido falsa ou mesmo hipocritamente sério que o termo contém em contextos como o de "question juive"...] no Ocidente, hoje: há um modelo de "desenvolvimento" ou de "volução" global das sociedades pós-industriais que o compõem---um modelo baseado na privatização, por um lado, e na funcionalização intensiva do conhecimento, por outro; i.e. na transformação literalmente industrial dos modos de conhecer ou de cognicionar e representar abstractamente a realidade; de estabelecer com esta laços operativos que são continuamente convertidos em "valor", "valor" esse que acaba tornando-se não apenas o objectivo do "conhecer" como, mais grave, o seu próprio objectivo final
Gerar valor é, com efeito, hoje o projecto nuclear das sociedades capitalistas ocidentais: não apenas do capital---das sociedades onde ele determina a direcção e o sentido da História, no seu todo.
O capitalismo agregou a si, com efeito, as sociedades onde vigora envolvendo-as---usando-as---no seu projecto primário de produzir continuamente capital com recurso a formas intermédias, instrumentais, de produção---de bens de consumo, desde logo.
O grande problema [que nos coloca, de resto, hoje, em meu entender, num autêntico vértice da História] é que esse projecto de produzir continuamente capital [não "riqueza", não "bens": capital!] que, durante décadas, teve capacidade para envolver, genérica ainda que muito des-igualmente, as diversas classes sociais, emergindo à superfície da História, de um modo ou de outro, como um projecto social, político e até civilizacional, em termos objectuais, fundamentadamente comum, deixou, em resultado im/precisamente do modo como o capitalismo tecnológico pós-industrial integrou o saber na História [como uma propriedade ou uma propriedade instrumental destinada a produzir capital]; o grande problema, dizia, é que esse projecto de que falo e que esteve na base da relativa estase social, política e civilizacional, no Ocidente deixou de ser possível a partir do momento teórico em que as formas pré-existentes de equilíbrio entre o conhecimento e a tecnologia concretados um e outro num "proletariado mecânico" cada vez mais inteligente e, por isso, auto-suficiente e a sociedade humana se rompeu conduzindo ao absurdo do que chamo a eszifroneia sistémuica do capitalismo moderno i.e. coexistência impossível da prescindibilidade dos indivíduos como produtores, como proletariado e como capital variável com a respectiva imprescindibilidade enquanto mercado que um Estado falsamente "social" [de facto im/puramente instrumental] deixou [por um conjunto de razões que têm, de resto, tudo a ver, elas próprias, com aquele modo nuclearmente disfuncional de integrar continuamente o conhecimento no modelo económico e, de uma forma mais ampla, na História] de ser capaz de seguir recapitalizando, como até aqui.
Não por acaso, a autora do artigo que comecei por citar junta aos pobres 'clássicos' um tipo novo ["pós-moderníssimo'...] de pobres e de pobreza: não já aqueles e aquela que o sistema colocou nas margens estabilizadas de si, tentando sempre encontrar formas operativas de ultrapasssar aquela impossibilidade objectual que consiste em criar e manter, alimentar, um «des-proletariado sistémico», pago com des-salários de dinheiro público a fim de conservar-se estrategicamente fora do sistema, a montante, apenas reentrando nele como mercado; não já esse mas o próprio proletariado interno, o próprio Trabalho canónico, cada vez mais volatilizado e desfixado para além, obviamente, de mal-pago.
Um 'pensar orgânico' incidindo responsavelmenmte sobre a realidade sistémica do capitalismo pós-industrial dos nossos decisivos dias percebe tudo isto e percebe, em última análise, aquilo que eu próprio comecei aqui por afirmar: isto é, que não há maneira de enfrentar o "problema da pobreza" [com aspas por aquelas razões que atrás refiro envolvendo a in-existência de uma pobreza autónoma, marginal ou circunstancial, relativamente ao modo de funcionamento do sistema económico-político na sua forma actual] fora da consideração da necessidade [de facto, da urgência material!] em repensar desde a base todo o modo de produção e, dentro dele, as formas mais modernas da aliança objectiva das classes que tradicionalmente o faziam mover, tendo por base aquela «prescindibilidade paradoxal» de parte substantiva da sociedade humana para fazê-lo começar a funcionar mas a respectiva contraditória e dicotómica indispensabilidade dessa mesma sociedade para comprar os produtos inertes e pretextuais de que ele se serve para re/produzir capital permitindo que todo o modelo siga sendo materialmente possível.
Falo, desde logo, das expressões "pensar e pensamento orgânicos", sendo o primeiro o verbo [transitivo e intransitivo] e o segundo, obviamente, o substantivo, i.e., a subnstanciação dos actos mentais e críticos contidos no primeiro.
Pessoalmente, acredito que a minha formação marxista me sensibilizou para essa necessidade de, em geral, 'pensar organicamente' o real---algo que entendo, aliás, ser fundamental para dele podermos aspirar vir a possuir "imagens criticionais" [outro item útil de semântica pessoal que me atrevo a avançar aqui...] e "representações operativas" minimamente estáveis e fiáveis com as quais pensar com [lá está!] alguma segurança crítica mínima demonstrável, a realidade.
Ocorre-me trazer aqui ainda uma vez as expressões [e as conceituações!] "pensar e pensamento orgânicos" ao ver no "Diário de Notícias" [na edição de 23.12.10, num texto intitulado "Europa 2020 e pobreza", da autoria de Glória Rebelo] de abordada a questão da pobreza nas sociedades capitalistas de hoje.
Nele, começa a autora por recordar que o ano que agora chega ao seu termo foi por muitio estranho que pareça num ano em que ela se tornou, de forma alargada, política de Estado entre nós, com consagração orçamental e tudo, o Ano europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social para passar, de seguida, a constatar algo que é, de facto, inescondível, evidente, ou seja, a "realidade pluridimensional da pobreza", um eufónico eufemismo para referir algo que a mim, pessoalmente, repito, daquela perspectiva orgânica que utilizo como método de abordagem crítica para pensar, em todos os casos, o real se me afigura, de facto, absolutamente óbvio e incontornável.
A própria autora o diz lucidamente logo a seguir quando fala da necessidade primária de "reformar o sistema financeiro internacional" como pressuposto básico para sustentar com um mínimo de desejável eficácia o tal "combate" de que 2010 era, como comecei por referir, suposto ser o ano: o que deveríamos, como siociedade, estar todos a efectivamente empreender e não apenas neste ano que agora finda contra a pobreza.
O problema é que a pobreza não é hoje uma questão autónioma.
O problema é que a pobreza é hoje uma questão sistémica directamente ligada, como tantas vezes tenho dito, à ruptura nuclear da "ecologia producional" tradicionalmente vigente no Ocidente envolvendo formas objectualmente operativas de estase entre, por um lado, "propriedade" e "conhecimento" e, por outro, decorrente dessa mesma dicotomia primária, as que vigoraram em geral entre o que Marx chamou capital constante e capital variável.
Quer dizer: não é possível pensar hoje a pobreza de outro modo que não seja integrando-a organicamente no funcionamento normal do capitalismo pós-industrial e, por muitos "anos europeus de combate" que contra ela se organizem, não subsiste a mínima hipótese séria de contrapor-lhe alguma resistência minimamente eficaz sem que a consideremos integrada naturalmente no todo que é o edifício institucional e até mental do capitalismo tecnológico e mais: como uma resultante inevitável precisamente do modelo de funcionalização e tecnologização intensiva da produção que subjaz àquele e que, em resultado da própria dinânmica concorrencial primária que o anima [e que ele valoriza de forma expressa considerando-a um estímulo essencial ao seu próprio funcionamento] ele, ainda que o quisesse, em caso algum, poderia descartar.
Resulta im/precisamente, pois, de uma forma disfuncionalmente casuística e in-orgânica de pensar a tese de que a pobreza se pode combater de modo autónomo, isto é, isolando-a do funcionamento não apenas normal como, sobretudo, inevitável do sistema e tomando-a, para todos os efeitos, como um mero epifenómeno de circunstância relativamente a todo ele.
O que eu digo é que não há, de facto um "problema de pobreza" [uma... "question" naquele sentido falsa ou mesmo hipocritamente sério que o termo contém em contextos como o de "question juive"...] no Ocidente, hoje: há um modelo de "desenvolvimento" ou de "volução" global das sociedades pós-industriais que o compõem---um modelo baseado na privatização, por um lado, e na funcionalização intensiva do conhecimento, por outro; i.e. na transformação literalmente industrial dos modos de conhecer ou de cognicionar e representar abstractamente a realidade; de estabelecer com esta laços operativos que são continuamente convertidos em "valor", "valor" esse que acaba tornando-se não apenas o objectivo do "conhecer" como, mais grave, o seu próprio objectivo final
Gerar valor é, com efeito, hoje o projecto nuclear das sociedades capitalistas ocidentais: não apenas do capital---das sociedades onde ele determina a direcção e o sentido da História, no seu todo.
O capitalismo agregou a si, com efeito, as sociedades onde vigora envolvendo-as---usando-as---no seu projecto primário de produzir continuamente capital com recurso a formas intermédias, instrumentais, de produção---de bens de consumo, desde logo.
O grande problema [que nos coloca, de resto, hoje, em meu entender, num autêntico vértice da História] é que esse projecto de produzir continuamente capital [não "riqueza", não "bens": capital!] que, durante décadas, teve capacidade para envolver, genérica ainda que muito des-igualmente, as diversas classes sociais, emergindo à superfície da História, de um modo ou de outro, como um projecto social, político e até civilizacional, em termos objectuais, fundamentadamente comum, deixou, em resultado im/precisamente do modo como o capitalismo tecnológico pós-industrial integrou o saber na História [como uma propriedade ou uma propriedade instrumental destinada a produzir capital]; o grande problema, dizia, é que esse projecto de que falo e que esteve na base da relativa estase social, política e civilizacional, no Ocidente deixou de ser possível a partir do momento teórico em que as formas pré-existentes de equilíbrio entre o conhecimento e a tecnologia concretados um e outro num "proletariado mecânico" cada vez mais inteligente e, por isso, auto-suficiente e a sociedade humana se rompeu conduzindo ao absurdo do que chamo a eszifroneia sistémuica do capitalismo moderno i.e. coexistência impossível da prescindibilidade dos indivíduos como produtores, como proletariado e como capital variável com a respectiva imprescindibilidade enquanto mercado que um Estado falsamente "social" [de facto im/puramente instrumental] deixou [por um conjunto de razões que têm, de resto, tudo a ver, elas próprias, com aquele modo nuclearmente disfuncional de integrar continuamente o conhecimento no modelo económico e, de uma forma mais ampla, na História] de ser capaz de seguir recapitalizando, como até aqui.
Não por acaso, a autora do artigo que comecei por citar junta aos pobres 'clássicos' um tipo novo ["pós-moderníssimo'...] de pobres e de pobreza: não já aqueles e aquela que o sistema colocou nas margens estabilizadas de si, tentando sempre encontrar formas operativas de ultrapasssar aquela impossibilidade objectual que consiste em criar e manter, alimentar, um «des-proletariado sistémico», pago com des-salários de dinheiro público a fim de conservar-se estrategicamente fora do sistema, a montante, apenas reentrando nele como mercado; não já esse mas o próprio proletariado interno, o próprio Trabalho canónico, cada vez mais volatilizado e desfixado para além, obviamente, de mal-pago.
Um 'pensar orgânico' incidindo responsavelmenmte sobre a realidade sistémica do capitalismo pós-industrial dos nossos decisivos dias percebe tudo isto e percebe, em última análise, aquilo que eu próprio comecei aqui por afirmar: isto é, que não há maneira de enfrentar o "problema da pobreza" [com aspas por aquelas razões que atrás refiro envolvendo a in-existência de uma pobreza autónoma, marginal ou circunstancial, relativamente ao modo de funcionamento do sistema económico-político na sua forma actual] fora da consideração da necessidade [de facto, da urgência material!] em repensar desde a base todo o modo de produção e, dentro dele, as formas mais modernas da aliança objectiva das classes que tradicionalmente o faziam mover, tendo por base aquela «prescindibilidade paradoxal» de parte substantiva da sociedade humana para fazê-lo começar a funcionar mas a respectiva contraditória e dicotómica indispensabilidade dessa mesma sociedade para comprar os produtos inertes e pretextuais de que ele se serve para re/produzir capital permitindo que todo o modelo siga sendo materialmente possível.
[Na imagem: foto extraída com a devida vénia de yogadork-dot-com]
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