Há muito que defendo que o sucesso cultu[r]al e político [ou político e cultu[r]al] do capitalismo se deve, em larguíssima medida, ao modo como ele soube, no plano teórico e também imediatamente político, 'almofadar' a sua gestão da realidade, rodeando-a com um conjunto de mitos de efeito antecipadamente assegurado, desde que não demasiadamente aprofundados pela análise e pela crítica sérias.
Um desses 'mitos' é, como tantas vezes tenho repetido, obviamente o de que "o capitalismo gera riqueza".
De facto, o capitalismo "entra na História" e, sobretudo, legitima a sua presença dominante nela; em todos os conteúdos particulares que dela constam, que dela fazem parte, a partir de finais do século XVIII, primórdios do XIX, com recurso exactamente ao argumento da sua capacidade própria---e única!---para gerar [mais] riqueza através da exploração, por parte de uma classe que na História vinha precisamente representá-lo e protagonizá-lo directamente, de uma forma de propriedade [num certo sentido, técnica e economicamente motor, pelo menos] nova que era a da própria técnica e, posteriormente, da técnica da técnica que---diziam os seus arautos e advogados---essa classe tinha acabado de chegar à História precisamente com o propósito nobilíssimo de usar para converter em "riqueza": na tal "mais riqueza" de que há pouco falava.
Um desses 'mitos' é, como tantas vezes tenho repetido, obviamente o de que "o capitalismo gera riqueza".
De facto, o capitalismo "entra na História" e, sobretudo, legitima a sua presença dominante nela; em todos os conteúdos particulares que dela constam, que dela fazem parte, a partir de finais do século XVIII, primórdios do XIX, com recurso exactamente ao argumento da sua capacidade própria---e única!---para gerar [mais] riqueza através da exploração, por parte de uma classe que na História vinha precisamente representá-lo e protagonizá-lo directamente, de uma forma de propriedade [num certo sentido, técnica e economicamente motor, pelo menos] nova que era a da própria técnica e, posteriormente, da técnica da técnica que---diziam os seus arautos e advogados---essa classe tinha acabado de chegar à História precisamente com o propósito nobilíssimo de usar para converter em "riqueza": na tal "mais riqueza" de que há pouco falava.
Com esse argumento, em larguíssima medida, com efeito, como veremos, "mitológico", o capitalismo e a "sua" classe particular, a burguesia, tornaram, como disse, social e políticamente legítimo o seu controlo específico sobre a História; legitimaram técnica mas também politicamente [político-formal, político-instrumentalmente] a sua apropriação dela, inculcando-lhe a direcção e até o sentido que, naturalmente, mais convinha à defesa dos seus próprios móbeis e interesses.
De facto, como por diversas vezes tenho repetido, o capitalismo não "gera simplesmente riqueza", o que faz daquela ideia um 'mito': o que ele faz, de facto, é dispôr as componentes da realidade de tal modo [levando organizadamente aspectos-chave de cada uma delas a níveis críticos ou "estratégicos" prévios de rarefacção e carencialidade com recurso a um Direito próprio] que aquilo que, a seguir, constitui, em termos objectivos, o resultado material da sua intervenção na realidade e da sua acção sobre a realidade pode finalmente aparecer como a tal "criação de riqueza" que ele pretende que a História acredite tratar-se de um "objecto" natural que só ele soubesse realmente conjurar [e usar!] ou, em alternativa, mesmo de uma "criação" sua, resultante de um "segredo" cuja chave, mais ou menos 'providencial', apenas ele possuísse.
Este, pois, um 'mito'.
O outro liga-se directamente com este e tem que ver com a reivindicação de que aquilo que o capitalismo permite multiplicar são efectivamente as formas materiais de prover às necessidades concretas das sociedades humanas---algo que, por razões tanto especificamente técnicas como, secundariamente, políticas, a aristocracia havia, a dado passo, deixado de saber, de querer e/ou de poder, realizar.
Ora, a verdade é que o capitalismo não apenas, como disse, não produz simplesmente "riqueza" como tão-pouco produz bens e com eles satisfaz as necessidades e/ou as exigências das sociedades humanas em qualquer desses domínios: com efeito, a única coisa que ele re/produz realmente é capital.
Tudo o mais, dos tais "bens" e "produtos" às próprias necessidades das sociedades e das pessoas constitui, para ele, meros subprodutos inertes da produção contínua e primária de capital.
Todo o aparelho político-jurídico [e até militar!] que reveste exteriormente [que reveste funcionalmente!] o núcleo activo económico-financeiro do sistema---hoje, a "democracia", um pouco antes, as "autocracias expeditas", os autoritarismos políticos dos anos '20 e '30 do século passado---está naturalmente vocacionado para possibilitar social, política e cultu[r]almente o estabelecimento e a consolidação contínua daquela "produção" de que falo no parágrafo anterior.
A minha tese pessoal é que, com a "financialização" ou "terciarização intensiva" de si, a "legitimidade" do capitalismo para permanecer como... "conselheiro" [e até... "confessor"!] das formas mais modernas de História ou de historicidade está definitivamente posto em causa.
Porque, agora ele continua a gerar "quantidades significadas" de carencialidade possibilitante mas ocupa-se cada vez menos em cobrir essas lacunas com a [sub] produção de bens, em resultado, desde logo, do desvio ou "deriva terciarizante consistente" da vida económica, por um lado utilizando, por outro, o conhecimento e a técnica/tecnologia que deste deriva de forma cada vez mais disfuncional para substituir historicamente o 'capital variável' pelo 'capital fixo' induzindo valores crescentemente disfuncionais de desemprego estrutural---rupturas drásticas mas também, sobretudo, sistémicas na própria ecologia da produção, rupturas essas visivelmente insolúveis já no quadro do sistema de "Estado" ou de "estaticidade" funcionais a que consistente e, sobretudo, nuclearmente recorreu, até há bem pouco, justamente a fim de tentar restaurar níveis funcionantes daquela ecologia.
Por isso, quando oiço hoje dizer ou quando leio, como no "Expresso" de 02.10.10, num artigo intitulado "A Arte da Mentira", assinado por Luís Marques, numa secção que julgo chamar-se "Massa Crítica", que o Estado dito "social" está hoje-por-hoje em causa porque [fala-se no caso de Portugal mas poderia falar-se em termos gerais, como, de resto, com frequência acontece no tipo de imprensa económica liberal de que faz parte o "Expresso", de qualquer sociedade do Ocidente] "o país não produz riqueza para alimentar o actual nível de prestações sociais e de benefícios a tudo e todos", quem deveria estar preocupado [e muito seriamente!] era o próprio capitalismo porque é, na realidade, por tudo quanto disse, da própria legitimidade da posição dominante do capitalismo na História que estamos a falar.
É ela que começa a estar manifesta e efectivamente em causa.
Porque era ela e, de facto, apenas ela que sustinha, que legitimava a própria existência dos modelos, des/estrutural e consistentemente, des-iguais de produção e re/distribuição global da riqueza produzida.
Mas não apenas da riqueza produzida: também, como é evidente, da distribuição política da propriedade capaz de operar como 'vértice funcional' ou 'funcionante' da produção daquela "riqueza".
Ora, se os usos técnicos e técnico-políticos dessa mesma propriedade conduziram à actual situação de insustentabilidade tendencial ou, para mim, em muitos casos, já bem real no que diz respeito à possibilitação global da vida nas sociedades contemporâneas [não há como iludir esta realidade: um salário representa para quem não dispõe de outra forma de propriedade, da concretização do direito básico à própria vida] parece inevitável---e era dever primário dos partidos e formações de Esquerda, em geral, terem-no colocado já definitivamente na ordem do dia nas respectivas agendas---que são os próprios fundamentos teóricos e/ou epistemológicos da propriedade que passaram a estar, agora mais do que nunca, historicamente em causa.
Que é ela que começa a ter de responder perante a História pelo modo como aparentemente deixou de ser já capaz de continuar a assegurar aquelas tarefas para quais se considerou---num certo sentido técnico imediato e específico, fundamentadamente---"chamada e escolhida", há pouco mais de três séculos.
É por tudo isto que eu me permito avançar a ideia de que, mais do que do fim do Estado dito "social" tout court é de uma esquina ou ângulo---de um vértice determinacional decisivo---da própria História que temos todos de começar seriamente a falar no sentido de encontrarmos formas operativas, consensuais ou não mas, sobretudo, justas, de sairmos do impasse criado, revitalizando a História onde ela dá cada vez mais francos sinais de começar lentamente a "apodrecer"...
[Na imagem: "A História Tem Pés de Barro", colagem sobre papel impresso de Caerlos Machado Acabado]
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