quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"De algumas formas comuns de «Pensamento Portátil» sobre Socialismo e a Atitude Socialista, em Geral"

No meio das inúmeras dificuldades de todo o género que inevitavelmente se põem a quem pretende pensar a sociedade humana e as formas possíveis do seu futuro "pela esquerda", por uma esquerda que não seja apenas 'funcional' e manipulativa; ou seja, para quem pretende lidar de frente com a História humana concebendo-a de forma despreconceituosa e intelectualmente ousada como um objecto completamente em aberto e sem "resíduações sistémicos" vindas da sua infra-estrutura económica que a condicionem e acabem sempre fatalmente fazendo refém de si; i.e. para quantos, como eu, pretendem contribuir para que a História mude pelo ângulo ou pelo lado da mudança humanizada mente sã e livre; no meio de tudo isso, dizia, há uma coisa que, mau grado a seriedade natural intrínseca do 'projecto', nunca deixa de me fazer sorrir: o modo como os advogados, os gestores de argumentos, os... "argumentistas" do 'regime' lidam com esse esforço praticado em larga medida objectiva e subjectivamente "sem rede", em especial quando ele procede das instituições e particularmente dos estados.

De Cuba, por exemplo.

De Cuba, a propósito da qual um editorial recente do "Público" [cf. jornal "Público", edição de 15.09.10, editorial intitulado "O líder da oposição no seu labirinto", 2ª parte, "Os despedimentos "bons" de Cuba"] tecia uma série de [invariavelmente arrasadoras] considerações que culminavam na conclusão de que "uma coisa é certa: Cuba deixa de ter razões para atacar o capitalismo. Mesmo o mais selvagem".

Assim mesmo: sem papas na língua.

Na pena.

No teclado do computador.

... que, a fim de evitar perigosas confusões e equívocos de mau gosto, não deve ser "PC" mas, repito, por uma questão de precaução, previsivelmente portátil...

..."Portátil", como o tipo de pensamento que está sempre mais ou menos reconhecivelmente emboscado no discurso de uma direita não apenas 'sistémica', 'orgânica' mas, sobretudo, canibalmente devorista e "sistematizadora" que tudo pretende ver reduzido a si, no projecto obsessivamente distópico ou diatópico de identificar-se definitivamente a si mesma com a História e de confundir-se no limite completamente com ou ela ou, se assim se preferir dizer, de, nesse mesmo limite. se disfarçar, por fim, para qualquer efeito, prático ou teórico, por completo, dela.

Devo dizer que não estou minimamente de acordo com a visão 'significadamente apocalíptica' do ou da editorialista do jornal.

Para mim, o marxismo, o marxismo-leninismo [é disso, no fundo, seja lá o que for que o termo signifique, aquilo de que estamos, aqui, realmente a falar] é, por definição, uma teoria da realidade e uma visão da História e encontra-se, por isso mesmo, igualmente por definição, idealmente forçado a deslocar-se e a evoluir com ela nunca se demitindo, porém, em qualquer caso, de nessa evolução ou a essa evolução agregar uma componente essencial de intervenção directa significadora, deixando, em todos os casos e momentos, a sua marca própria nesse movimento orgânico de coincidência estrita [mas não estreita] naturalmente resultante entre o ter-e-o-ser da própria História.

Admito, por exemplo, muito claramente, que num contexto geopolítico como aquele em que vivemos hoje não tenha necessariamente de fazer sentido [com o carácter impositivo, pelo menos, que assumiu noutros contextos históricos] a noção de "revolução".

Não se trata de acreditar que ela deixou de justificar-se ou de, num certo sentido demissionista e [as?] sistémico entender que a respectiva "revisão" em relação às formas do passado [e contra elas!] se impõe.

Trata-se de perceber como se relacionam, de forma natural e lógica, em si mesmas, 'História' e 'Revolução', concluindo que [para já pelo, menos, nas actuais condições históricas ou geo-históricas prevalecentes no Ocidente] aquilo que hoje é natural que entendamos por Revolução passa muito mais por formas, chamemos-lhes «induzidas», mediatas, e simultaneamente endógenas [ou 'realmente sistémicas'] dela do que por aquele entendimento físico e directo que a Revolução, por exemplo clássico, na Rússia do início do século passado ou na Alemanha espartaquista do pós-guerra de 14-18 assumiu.

A Revolução, hoje, tem de passar incomparavelmente mais pelo esclarecimento junto dos próprios motores essenciais da História que são as pessoas e as classes por elas formadas, das situações, designadamente, no caso do actual momento histórico muito preciso, dos fundamentos reais de uma "crise" que é, ela mesma, como não me canso de insistir, muito mais o resultado inevitável do esgotamento natural de um certo modelo de organização e, sobretudo, de utilização histórica do Estado do que uma simples "crise" pontual ligada 'pelo exterior' à recapitalização funcional do mesmo, como afirmam acreditar os respectivos advogados.

É preciso, volto a sublinhas porqwue se trata de um aspecto fundamental, que as pessoas em geral percebam [a fim de poderem trazer as naturais decorrências para o plano da acção política] que aquilo que está a minar a História hoje não é mais do que a consequência directa do modo como, de acordo com aquilo que tantas vezes aqui tenho repetido, os modelos de integração disfuncional e completamente assistémica do conhecimento na própria História acabaram por conduzir, como seria, aliás, de todo previsível, à ruptura da ecologia de todo o sistema fazendo com que, a partir de um dado momento teórico [que é aquele por que, suponho, estaremos a passar], todo ele, sistema, tenda cada vez mais a tornar-se, por um conjunto de razões perfeitamente demonstráveis, im-possível na sua forma anterior, trazendo, então, de dentro para fora, para a ordem do dia a questão essencial---a questão nuclear!---da Revolução.

O próprio sistema como tal está, pois, como eu o vejo, sistemicamente obrigado a evoluir a fim de conservar-se tão estavelmente quanto lhe for possível e pelo máximo de tempo que lhe for possível, à, diria eu, superfície da História e em condições de "mandar nela", forçando-a, como até aqui, em geral, "tant bien que mal", de uma maneira geral, a obedecer-lhe.

A questão, para mim, consiste, pois, basicamente, em saber "quem chega primeiro à História pela porta da Política", ou seja, quem deixa determinantemente a sua marca no edifício daquela, determinando o rumo da que há-de ser, daqui [ou daí] em diante, feita, construida, conseguida.

Nos tempos que correm, a Revolução, para mim, consiste, nmuma palavra, enquanto modelo teorético essencial, primário, na base em reapropriar-se do Conhecimento nas suas múltiplas formas---a começar pelo conhecimento, pela ciência, da própria História.

O que isto significa muito claramente é que, uma vez iniciada essa transferência de poder no plano político, a mudança iniciar-se-á idealmente, em tese, em consequência disso, como uma exigência ou um imperativo ínsitos e naturais [que, de resto, demonstravelmente são!] da própria realidade e será ela, "en fin de partie", a escolher o modo como---i.e. em que direcção e em que sentido---pretende ela [para usar um conceito e, em geral uma "conceituação" muito subtil mas, de igual modo, muito especificadamente marxistas] ver-se "transformada" assim, como, em última instância, por que classe ou classes sociais considera ela ela que a "transformação" em causa deva ter lugar.

No plano da organização económico-política não creio, ao contrário do que parece acreditar o ou a editorialista do jornal que comecei por citar---voltando, agora, a ele---que "venha mal ao mundo", ao mundo socialista ou a um dos recantos desse mundo [se calhar exactamente ao contrário!] do facto de o Estado, neste "caso", cubano entender que as modalidades do seu ajustamento tentativo à realidade do tempo passam por encontrar formas ulteriores de articulação da sua iniciativa e poder estratégico próprios com modelos de pequena propriedade complementar que facilitem não a reconversão mas, exactamente ao invés, a reagilização da solução socialista que, tal como eu a vejo, não é, de todo, incompatível com formas de auto-emprego e/ou organização cooperativa complementarizadores---a tal abertura à "inciativa privada" que gostam de insinuar, extrapolando das declarações de responsáveis e ex-responsáveis políticos cubanos, os inimigos do respectivo regime.

Fala o editorial em "despedimentos" e associa-os imediatamente a "capitalismo" e até, de forma expressa, do mais "selvagem".

"Já é vontade!" diria eu.

Pois, não fala ele ou ela, imediatamente a seguir ou umas linhas antes, de um conjunto de formas de possível complementarização organizativa a que dá o nome genérico de "auto-emprego" e que passam pela possibilidade [longo tempo reivindicada, de resto, pelos mesmos que agora acerbamente criticam a medida de que até há pouco achavam aquilo que um vendedor ambulante outrora muito popular entre os estudantes do liceu que frequentei em jovem chamava tão pomposa quanto misteriosamente o "suco-suco-do-calo-à-base-de-sucupira-e-cucuruto"]; pois, não foi ele ou ela, dizia, quem pouco antes enunciava essas modalidades complementadoras de organização económica e social que, devidamente enquadradas podem, de facto, representar um dispositivo de ajustamento e renovação/revitalização estrutural do modelo social cubano, sem que, ao invés do que conclui imediatamente o jornal, tenha necessariamente de constituir qualquer esvaziamento desvirtuador dessa natureza social e política que o caracteriza?

Volto a dizer, para terminar: a Esquerda em Portugal deve quase tudo à consistência política de homens com a dimensão intelectual, política, ética, etc. de Álvaro Cunhal que lograram amortecer a inércia do ímpeto desagregador generalizado resultante do fim da União Soviética com todos os seus profundos desvios e gravíssimos erros a qual arrastou consigo a desintegração de vários partidos comunistas europeus, privando as respectivas sociedades de um polo aglutinador importantíssimo no momento actual.

Isso não significa, porém, que o pensamebnto marxista-leninista que o informa deva permanecer inalterado e alheio à eviolçução da própria realidade em seu redor: fazê-lo seria, de resto, dada a natureza dialéctica estruturante do mesmo, negar-se, pura e simplesmente, a próprio.

Pelo contrário significa precisamente o oposto disso: significa estar atento à realidade nos seuss multiplos aspectos e formas e encontrar para cada um deles a resposta orgânica que um paradigma de pensamento igualmente orgânico como é o maxismo se encontra em condições especialmente favoráveis para poder dar.

Com uma condição ou uma cautela básica, de episteme, todavia: a de que quem pretender legitimamente intervir na História com esse propósito revitalizador essencial em mente não esqueça que a fronteira que separa a renovação da negação pura e simples, como a experiência histórica concreta de tantos países demonstra, aliás, à saciedade, é efectivamente, tudo menos menos fácil e tantas vezes, tudo menos clara, também...

Sobretudo para quem tem tendência para se... distrair sempre que se trata de intervir política e, de uma forma mais lata, historicamente em defesa de valores teóricos e ideológicos, porém, de um ponto de vista de Esquerda-com-maiúscula, essenciais...

[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de thehiddenmannah-dot-org]

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