sábado, 18 de dezembro de 2010

"Luís Garcia Berlanga, 1921-2010"


Faleceu escasso tempo antes de, por coincidência, termos podido rever no grande écrã para o qual foi naturalmente concebido, no âmbito de um ciclo recente de Cinema Espanhol ["III Ciclo de Cinema Espanhol, Contrastes, Entonces y Ahora"] com filmes exibidos no S. Jorge, a sua obra-prima, "Bienvenido Mr. Marshall".

Foi, como alguém, disse um "acrata" inspirado, um "não-integrado" ou um "apocalíptico", um "Homem Necessário" [se alguma vez me ocorresse a mim próprio cunhar um termo para designar aqueles 'indivíduos de lucidez e talento' que operam sempre, no limite, como uma espécie de "espelho móvel, consciencial e crítico" das sociedades onde (não?) se inserem, seria esse de "homem necessário", uma espécie de 'retoma significada' às avessas da expressão/ideia marcusianas do "Homem Unidimensional" mas, de igual modo, de paráfrase irónica dos homens "providenciais" que, em lugar de operarem como consciências das respectivas sociedades as fazem abusivamente reféns de si, parecendo, em algum momento, fazê-lo]; um "homem necessário", pois, de génio que pôs quase tudo na "hispanidade" em questão, desde a igreja católica ["Los Jueves Milagro"] a um certo "ibericismo" delirantemente provinciano e sempre mais ou menos alegremente alheio à realidade e à ciência ou aos modos políticos consistentes de transformá-la ["Bienvenido Mister Marshall"] passando pela análise lúcida de diversos aspectos das relações entre as classes ["Plácido"].

Possuía um estilo subtilmente irónico não isento de cordialidade, calor humano e compreensão, de uma profunda e comovida, humanidade e mesmo amorosa cumplicidade de que "Bienvenido Mister Marshall" é um exemplo imorredouro---um estilo que a necessidade de subtilizar exaustivamente as mensagens, imposta pelo franquismo, potenciou e obrigou a aperfeiçoar e a transformar numa prática ou mesmo numa... praxis cada vez mais estável e tópica e não exclusivamente, como é óbvio, do seu cinema.

Da sua colaboração com Azcona e com outro "B", outro "mosqueteiro" do cinema espanhol, Bardem---o grande Bardem de "Calle Mayor" e "Muerte de un Ciclista", fica uma obra magnífica [o terceiro "B" foi Buñuel, outro empolgante cineasta que o franquismo---com a sua típica pulsão fascistóide para "puxar da pistola repressiva, auto/censória, na presença da inteligência e da cultura...--- tratou caracteristicamente mal...]; da sua colaboração com Azcona e Bardem, dizia, nasceu uma obra única que o Tempo merecidamente consagrou, como ainda recentemente, através dessa obra-chave que, através dos tempos, nos fala da "europeização forçada" em curso que é "Bienvenido...", pudemos reconfirmar.

À semelhança do que sucedeu com tantos outros intelectuais e homens de cultura foi no franquismo que a sua obra atingiu o auge da sua capacidade de intervenção estética, cultural e [no melhor sentido da palavra] política, fornecendo , à sua perversíssima maneira, a ditadura o enquadramento ideal ao seu modo tão característica mas, como disse, sobretudo, tão subtilmente incisivo, de olhar a realidade social, cultu[r]al, mental e política espanhola do seu [e, de algum modo perfeitamente demonstrável, também do nosso...] tempo.

Faleceu em Madrid, a 13 de Novembro, de causas naturais.

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