Falo dela um pouco mais adiante--e em mais de um sítio deste "Diário", de resto.
Foi um dos rostos-chave do obsessionário pessoal hitchcockiano.
Foi um dos rostos-chave do obsessionário pessoal hitchcockiano.
Sempre tive a ideia de que Hitchcock (como Chaplin, por exemplo) era senhor (seria em bom rigor "sujeito" ou "objecto"? Talvez... "subjecto"...) de uma sexualidade muito imperfeitamente resolvida nos seus estádios mais precoces circunstância que, de resto, determinaria (como muitos dos seus filmes, aliás, mais ou menos clara e amplamente atestam) uma certa postura subliminarmente ambígua em termos de padrão estável de identidade sexual, expressa das mais diversas formas e maneiras em personagens e situações presentes ao longo de toda a sua filmografia; personagens e situações essas que acabariam por tornar-se tornar-se, pois, clássicas de uma certa pulsão homossexual mais ou menos latente ou latencial persistente e de que o duo central do filme "A Corda" (as personagens de Farley Granger/'Philip' e John Dahl/'Brandon') são muitas vezes apontadas como o exemplo mais evidente e revelador.
Há, com efeito, precisando, um pouco melhor, a minha ideia pessoal relativamente a esta problemática da sexualidade possivelmente não por inteiro 'resolvida' do Hitchcock-indivíduo, em muitos dos filmes do Mestre, de "Rebecca" (que é, é verdade, tanto "dele" como de... David O' Selznick, que lhe impôs, como é sabido, diversos pormenores do 'script' e até especificamente determinados colaboradores) e "Under Capricorn" (que era, também, um pouco "partilhado" em termos de projecto cinematográfico global, entre o próprio Hitch e Ingrid Bergman--que lhe terá "exigido" que o fizesse) a "Vertigo" (onde dá, finalmente, expressão definitiva e narracionalmente perfeita ao «motivo») passando por "Psycho" ou "Marnie" (filmes nos quais o conflito assume, por sua vez, formas muito próprias) (1) uma espécie de "fantasma" (até--quase--no sentido preciso e físico em que vulgarmente se usa a expressão "imagem-fantasma", no cinema ou na televisão...); há, com efeito, dizia, em muitos dos filmes de Hitch uma angustiada sugestão de mais ou menos clara e sempre impendente instabilidade identitária de base, uma "coisa" instintiva e nuclear sempre narracionalmente direccionada no sentido da sublimação (ou representação ficcional circunstancialmente encriptada e "simbologizada") final--algo que assume, diria eu, expressão muito precisa e, em meu entender, muito reveladora numa espécie de imagética-tipo, também essa cuidadosamente "codificada", topicamente centrada na angustiada/angustiante--obsessiva--supressão do arquétipo feminino, de algum reconhecível modo, original (ligado, na minha 'tese', à "Mãe") originando, por seu turno, uma espécie de "female archetypal blur" genérico que radicará, a meu ver (em tese, pelo menos) causalmente na tal negociação original incompleta e des/estruturalmente deficitária do ciclo edípico tipo.
E é essa imperfeita negociação original que, a meu ver, o leva, na minha hipótese de 'leituração' pessoal desta problemática, tão constante quanto, sobretudo, topicamente, a vacilar e a hesitar ou a oscilar permanentemente entre no quadro de uma visão tópica, em última instância, sempre, no fundo, in-definível e dramaricamente bipolar--dissociacional--da Mulher (2) que é, por ele, vista como vacilando perpetuamente entre a versão "vulva devoratrix" (isto é, algo fascinante e remoto mas também sempre, de um modo ou de outro, obviamente 'ameaçador' da masculinidade do sujeito--Grace Kelly em "To Catch a Thief"..." ou Eva Marie Saint/'Eve Kendall' em "North By Northwest"--decididamente o «meu» Hitchcock absoluto, definitivo e perfeito... ) e a mulher-refúgio alternativa (que pode ser a "little sister" de "Shadow of a Doubt", de "Strangers on a Train" ou ainda aquelas quasi-"little sisters" de "Vertigo"--Barbara Bel Geddes/'Midge' e de "Marnie"--Diane Baker/'Lil Mainwaring'--que passa, como se sabe, o filme praticamente a "tentar", sem o conseguir--como nas mensagens oníricas tipo--"dizer" algo a Connery que se recusa tenazmente a ouvi-la...).
Para mim, é muito concretamente a questão da supressão (desejada? Temida? Sempre problemática) da imago materna assim como da sua in-fixidez e tendência persistente para a dissociação e para o desdobramento (às vezes, numa "coisa" abertamente "devoradora", como 'Mrs. Danvers' que traz, por sua vez, à--quase...--superfície, os "motivos" do incesto e da submissão para-masoquista--está na origem dos contínuos e multímodos "desdobramentos"/"diossociações" que à mistura com algum mais ou menos discreto "sadismo tensional simbólico" povoam o cinema do Mestre.
Às vezes, a "Mãe" é "exorcizada" e, de algum modo, "executada" em figuras de governantas-algozes (Cf. v.g."Under Capricorn" em Margaret Leighton/'Milly' ou o já citado e incontornável "Rebecca" onde a figura espectral de 'Mrs. Danvers' possui uma 'gravidade narrativa' que devora tudo e todos em seu redor) as quais roubam à persona feminina supostamente referencial e, de alguma forma, essencial, o protagonismo ficcional e simbológico ou mesmo expressamente a tiranizam e reduzem existencialmente à expressão mínima, numa espécie de repersonificação mutacional persistente da mesma persona drammatica de base que se "repete", assim, pois, com "matizes" e/ou "desdobramentos" próprios em "The Man Who Knew Too Much" (com 'Lucy Drayton'/Brenda de Banzie).
Não é, em meu entender, propriamente difícil tipificar as personae femininas hitchcockianas (fazendo-as coincidir pontualmente, em termos genéricos, com as de Chaplin) em três grandes "categorias" a saber:
-a Mulher original, possivelmente arquetípica (ou "arquetipal") uma Mulher (des) estruturalmente in-fixa e 'problemática' que ora se deixa substituir e matar por imagens disfuncionais diversas de si, ora "tem de" ser morta a fim de permitir a libertação definitiva do "sujeito".
-As modalidades disfuncionais referidas que vão da 'Mrs. Danvers' de "Rebecca" à 'Milly' de "Under Caricorn" (versões ambíguas de opressora exógena e mutação específica da própria "Mãe" que não se consegue "integrar" (e/ou superar) levando até ao completamento ideal o ciclo edípico como tal;
-A mulher-camarada (a que chamei um pouco facetamente "panty pal" onde a personagem torurada e inquieta do "herói" busca refúgio ocasional (e onde poderá estar uma espécie de ponte "simbólica" camuflada não apenas entre os sexos mas, de algum modo sobretudo, entre as sexualidades?), uma figura que não gera medo mas com a qual, pelo contrário, a proximidade é possível e, sobretudo satisfatória.
Já citei vários 'casos': poderia juntar-lhe outros.
Poderia juntar, por exemplo, a personagem de 'Stella'/Thelma Ritter em "Rear Window", outro dos grandes momentos da "hitchckockiana".
É preciso dizer que, por vezes, a "Mãe" aparece clara ou mesmo expressamente "colada sobre" esta última figura, como sucede em "To Catch a Thief" ou em "North By Northwest", em ambos os casos um papel exemplarmente desempenhado pela inesquecível Jessie Royce Landis.
NOTAS
NOTAS
(1) Em "Psycho" é a ambiguamente "pecaminosa" Janet Leigh que, incapaz de se remir a si própri, se desdobra /e se renova ou renasce secundariamente redimida) na figura de Vera Miles.
Também em "Psycho" muito difusamente baseado num "pop gore" de Robert Bloch, a Mãe castradora e incapaz de agir como Mãe protectora é "ficcionalmente executada" (embora simbologicamente no fim, assimilada ou "engolida") por um xistencial--e sexualmente!--trágico Norman Bates/Anthony Perkins.
A dissociação está toda "lá"--assim como o está em "Marnie" onde é a mesma personagem que se redime e "resolve" com a assistência de um "herói" redentor, um Connery inesperadamente paciente, subtil e delicado.
(2) Em "Vertigo" a excelência narracional é atingida tanto pela sobreposição absolutamente perfeita, exacta, orgânica entre os conteúdos "latente" e "real" da "estória" (muito remotamente inspirada em Pierre Boileau/Thomas Narcejac e especificamente na novela de ambos intitulada "D' Entre Les Morts") e o modo labiríntico, (labirinticamente "framed") como a "estória" é construída, com as identidades 'saindo continuamente de dentro de si mesmas', num contínuo jogo de espelhos onde a des-sacralização da Mulher (a sua morte e impossível re-nascimento) é "celebrada" ficcionalmente de forma realmente notável através da qual sobressai a "conclusão" final da impossibilidade da perfeição associada à "referência arquetipal" feminina assim como, cumulativamente, a necessidade ingente de matar o que não se pode atingir e, por iso, nos tem obsessivamente prisioneiros e tiraniza.
A Morte da "Mãe".
[Na imagem, a prodigiosa Eva Marie Saint, para o titular deste blog a 'loira' hitchcockiana]
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