sexta-feira, 12 de junho de 2009

"Ecologia,Política e Civilização: algumas reflexões pessoais"


Uma das coisas que a mim, pessoalmente, mais temor e mais insegurança causa relativamente ao futuro (e já nem falo em termos do futuro daqui a vinte anos: falo do futuro mais próximo, mais imediato, daquele que está para chegar nos próximos cinco ou dez!) prende-se, de forma directa, com o modo como está concebido (e, sobretudo, como é, por via de regra, docilmente aceite, de modo generalizado) o modelo daquilo a que continuamos a chamar, hoje em dia, nas sociedades ditas 'ocidentais' e "avançadas", a saber: o "desenvolvimento".

A circunstância (in!) sustentavelmente trágica de estas sociedades se obstinarem em seguir, em termos globais, uma espécie de 'padrão teórico condutor' claramente dissociacional e mesmo esquizofrénico (adiante, veremos o que aqui se entende especificamente por qualquer destes termos e conceitos) não pode, em meu meu entender, por sua vez, dissociar-se da nossa ideia cultu(r)al e civilizacional mais ou menos "teórica" e seguramente colectiva de utilização económica, social e política tópica (mas, ao mesmo tempo, também distópica...) do conhecimento.

Sempre pensei e disse--sempre tive razões para dizer e pensar!--que uma das consequências absolutamente inevitáveis do capitalismo é a transformação natural do conhecimento em geral ou do conhecimento como tal (do conhecimento como meio de aceder de forma directa e livre à realidade e, mais do que isso, aos mecanismos inerentes à respectiva utilização e eventual transformação ou mesmo re/produção: à gestão livre, directa e efectiva da História, numa palavra) num "valor", num "produto" e, antes de tudo e na base de tudo, numa propriedade que se pode privatizar e retirar, assim do circuito do seu potencial uso democraticamente colectivo (através do recurso à formulação de um "Direito" específico que fixa consistentemente, a partir de um dado ponto de evolução de todo o processo, a configuração corrente dos direitos comummente aceites--cultu(r)almente aceites--de cada uma das componentes sociais e políticas em presença, isto é, das classes e das pessoas que as compõem); sempre tive, dizia, razões para defender que uma das consequências da "capitalicização" intensiva e estrutural das sociedades (e da própria História, como, chamemos-lhe: manifestação ou evidenciação objectuais dela) é a criação (também neste caso digo: inevitável) de paradigmas objectivos de "desenvolvimentalidade" (termo que, vou já adiantando, não opera, de modo algum, na minha semântica pessoal na qualidade de sinónimo de "desenvolvimento") natural e nuclearmente desiguais.

"Desiguais", é preciso dizê-lo muito clara e muito determinadamente, num sentido de todo específico, básico e muito forte que transcende largamente a mera consideração de natureza abstractamente ética ou teoreticamente filosófica.

Falamos aqui de uma outra espécie de desigualdade ou de... "desigualicidade", muito primária e precisa que faz com que, em cada sociedade dentro do padrão teórico, haja, de facto, duas: uma que possui os referidos mecanismos de acesso directo à realidade (e, por conseguinte, à própria História e à possibilidade--ao... direito!--de transformá-la, re/produzi-la e «significá-la» de forma própria) ou seja: à possibilidade unilateral de transformá-la sempre da forma que desejar e no sentido exacto em que desejar fazê-lo; outra que da realidade (exactamente porque a relação desta com ela vem sempre mediada pelos efectivos "proprietários" cultru(r)ais e políticos--civilizacionais--dela) se encontra separada (não ligada: separada) pelos "produtos" secundários ou terciários que desse "produto" primário em que se tornou o conhecimento são obtidos e com os quais a "classe" anterior, dominante, compra a anuência do conjunto da sociedade para o seu próprio "projecto" económico, social, político e civilizacional.
Quer dizer: desde a Revolução Industrial que a democracia política se tornou (logo, a partir do plano filosófico e/ou epistemológico básico) uma impossibilidade estrutural da própria "civilização".

No princípio, foram as terras, o "real estate", que foi "enclosed" a fim de possibilitar o nascimento do "capitalismo civilizacional"--ou, como entendo que deve em bom rigor ser designado: integral; a partir de dado ponto, porém, e porque a "civilização industrial" assenta precisamente na rentabilização intensiva dos modos de "explorar" a realidade transformando-a contínua e basicamente em "valor", o próprio conhecimento teve igual (teve fatalmente) de sê-lo consolidando-se na base de tudo a sólida diferenciação das pessoas e das classes (ou das pessoas em classes) e, mais grave ainda: conferindo inclusivamente a essa diferenciação o estatuto de (uma) "civilização".

Mas porque "rentabilizar a realidade" se converteu na própria 'chave' dos processos históricos, sociais e políticos (para já não dizer, obviamente, económicos) tópicos, o sentido que a civilização daqui saída teve naturalmente de tomar foi o de uma firme e mais ou menos estável "economocracia" da qual a "política" passou a operar como mero "satélite" e, sobretudo, noutro plano, como o órgão electivo primário de instrumental "legitimação" histórica, social e política.

Ora, é nesse ponto (in...) exacto que nos encontramos: num ponto em que a civilização, em lugar de unir(-se) e integrar(-se) (se) cindiu, dividiu (como dizer?) longitudinalmente, isto é, arrumou "definitivamente" (as pessoas e as classes) em compartimentos, primeiro, por imperativos de mera funcionalidade operativa, mas, imediatamente em seguida, por imperativos de ordem políticaq, cultu(r)al, jurídica, etc.--sem a qual divisão todo o sistema (porque o seu motor operativo reside exactamente nela i.e. na 'divisão operativa', determinada em função de quem detém de facto (e, a partir de dada altura, também, como vimos, "de direito") aquilo a que Marx chamaria "os meios de produção" de saber, de conhecimento, de acesso directo e livre, à própria realidade); sem a qual, dizia, todo o sistema ameaça forçosamente claudicar.

A 'monstruosidade teorética' com que, como época histórica, económica social e política nos deparamos hoje e que consiste em "possuirmos", como paradigma civilizacional, uma economia cuja... "felicidade" e cujo "bem-estar", cuja saúde em si não derivam do bem estar e da felicidade possível básica das pessoas e das classes por elas formadas mas podem, pelo contrário, de forma em si mesma impensável e disfuncional, ser considerados como sendo possíveis independentemente da felicidade e do possível bem-estar das próprias sociedades e das pessoas que as compõem é, como disse, o resultado inevitável do modo como assentámos ou deixámos que fosse sendo assente todo um "projecto civilizacional" no "enclosing" gradual das próprias vias teóricas-chave de acesso directo à realidade (a verdadeira Ecologia é sempre--e tem cada vez mais de sê-lo!--estrutural e violentamente política no sentido em que está para ela em causa, na base de qualquer uma das suas formulações específicas, subverter a própria «base conceptiva» ou «teórica geral» do "nosso" paradigma particular de "desenvolvimentalidade" e não quaisquer aspectos marginais ou de mera forma relativamente àquela!); a 'monstruosidade teórica' atrás descrita, dizia, além de ser a consequência natural do processo, é também aquilo que legitima, analisados um a um os aspectos que a compõem e definem e devidamente contextualizados os mesmos, que, para falar de "paradigmas de desenvolvimentalidade" no "Ocidente" de hoje (incluindo a "tal Europa" de que todos falam e de que apenas alguns conhecem de facto a essencial perversidade civilizacional e, naturalmente, política), tenhamos cada vez mais de falar numa "estrutura des/estruturalmente inversional" (porque consta de um modelo económico e economocrático envolto numa espécie de "manto" ou mero "revestimento" politiforme, supostamente democrático mas cuja função é, como várias vezes tenho dito, amarrar a História a si mesma através do projecto de fixá-la solidamente ao tal modelo económico inamovível situado no seu inerior ou no seu centro quando devia ser precisamente o oposto que era humanisticamente desejável que acontecesse); "esquizofrénico" (porque é capaz de gerar um paradigma de "desenvolvimento" em cujo contexto é possível, por um lado, "desenvolver" sem cuidar de assegurar a sustentabilidade a prazo do próprio modelo em si e, por outro, em que como vimos, a "felicidade" do próprio sistema e a das pessoas e das sociedades em geral podem (não sei se deva dizer... "perfeitamente" mas enfim!) des coincidir por inteiro e até excluir-se reciprocamente, de modo agudamente notório, em momentos de "crise", como presentemente está a acontecer por todo o "Ocidente avançado" e/ou "desenvolvido".

O grande erro civilizacional do chamado"Ocidente" (de que a "Europa" pretende hoje constituir um guia e um condutor 'local') passa, de forma nuclear, por aí pelo modo como o capitalismo enquanto 'indutor teórico ou teorizante da História', lvou a que uma das componentes em si mesmas não-determinacionais mas, pelo contrário, idealmente funcionais e instrumentais, da própria História desenvolvesse uma espécie de gravidade absoluta que acabaria (como não era, aliás, muito difícil de prever) a prazo por "inverter integralmente as posições relativas das componentes ou alfaias de "historialidade", daí resultando a espécie de "paradigma inversional" com que hoje nos confrontamos, segundo o qual as leis biológicas (este é sem dúvida um sintoma eloquente não apenas da "esquizofrenia" des/estrutural do modelo como, em última análise, da sua "inversionalidade" ou natureza nuclearmente "inversional") estejam no desenho teorético desse mesmo modelo absurdamente dependentes das leis técnicas ou meramente operativas do mesmo.

Exige-se, hoje, com efeito às pessoas que se suspendam mais ou menos periódica ou ciclicamente como as máquinas e acha-se, inclusive, que isso contribui para o resgate (o "rescueing ")do sistema e, no limite, para o seu saneamento que é como quem diz para a sua saúde e/ou (lá está!) para a sua "felicidade" própria e específica.

Afirmam, hoje, os advogados da "democracia" como âncora sistémica da economia que deixou já há muito de haver verdadeira diferença entre "esquerda" e "direita" dentro do sistema; claro que isso serve os seus propósitos de "des-dialectizar" nuclearmente a História, permitindo-lhe que se liberte das cadeias economocêntricas e economocratas que a mantêm firmemente presa a si mesma.

A verdade, porém, é que tal "posição teorética» não tem nem faz o mínimo sentido. Sim! A diferença (como a própria História...) existe!

AMBAS, aliás, diferença e História existem.

Só com a primeira, de resto, a segunda permanece possível--por muito que o tentem negar os habituais profetas de um fim "eurovegativo" subentendido desta última.

A diferença, é preciso ser muito claro e dizê-lo sem hesitações, reside na «questão da propriedade» que hoje tanto medo há de equacionar.

Na natureza, a propriedade é factor de Vida ou de "vitação", de "Bios" como entendo preferível dizer.

Existem "leis" muito precisas (associadas ao número, à cooperação funcional e à utilização efectiva da força física) isto é, modos pré-conscienciais de gerir a "propriedade específica da realidade.

As espécies animais e até vegetais e mesmo minerais conservam-se viáveis através do modo globalmente eficiente como gerem, por exemplo, a endo- como a exo-predação e conservam, desse modo, a propriedade a operar como "ângulo biótico" ou "vitacional" chave.

Quer isto dizer que preconizamos, por exemplo, como chegou a ser admitido por alguns pensadores e agentes políticos mais... desenvoltos e expeditos (cujos nomes e identidades nem vale a pena recordar aqui...) o recurso a modalidades históricas e políticas muito concretas e específicas de predação (a guerra, por exemplo máximo) como instrumento "ecológico" legítimo?

É óbvio que não!

Não se trata de "ler e traduzir literalmente" os mecanismos funcionais de sustentabilidade natural para a Civilização.

Isso, aliás, é, no fundo, o que faz o próprio capitalismo que, volta-e-meia, recorda precisamente o seu "específico" ou a sua real ou suposta essência de "coisa genuinamente natural".

O que eu digo (aquilo que avanço como hipótese teórica) é que os mecanismos referidos operam globalmentre de forma eficaz num universo e numa realidade (ou numa... realicidade) especificamente pré-conscienciais.

Num universo que se desenrola segundo uma lógica base de globalicidade essencial--e essenciante.

A terafa da civilização consiste, a meu ver, em transpor os mecanismos básicos de (sobre) vivencialidade natural para a "cultura" mas integrando-lhes tão óbvia quanto necessariamente um elemento chave da própria natureza que é a "consciência" ou "consciencialidade" específica da espécie humana.

Eu tenho para mim que os processos naturais de individuação e conscienciação operaram uma espécie de de "corte" nuclear a quie talvez pudéssemos como prudência e reserva hamar, pior analogia "gnoseológico" nos mecanismos essenciais da própria evolução ou "evolucionalidade".

A partir do momento em que uma espécie--a humana--se conscienciou, a realidade passou a ter dois centros e duas gravidades, camemos-lhe assim.

Ou seja: a realidade passou a operar, sob muitos aspectos e em diversas áreas e domínios, secundária e até terciariamente através de um sistema ou teoria de juízos e/ou imagens críticas ("criticionais puras") de si própria.

A "consciência", componente intrinsecamente especular do processo especificamente humano de "vitação", deixou de "ser" (ou, como prefiro dizer: de "esser") passou a "reportar" ou a refractar criticionalmente a informação vinda da realicidade possível em seu redor.

"Coisas", a seu modo, extremamente positivas como "deixar funcionalmente de existir" (para possibilitar que a Vida, ela mesma, não se suspenda) transformaram-se, em resultado do próprio modo particular como a "consciência" em lugar de protagonizar primariamente o mundo e a realidade em geral num «objecto criticional autónomo» chamado, por exemplo, "morrer".

"Morrer" deixou, no "quadro realicional" específico definido pela "conscienciação" e pela "consciência" de obedecer, a não ser em casos muito concretos que associamos moderna--ou pós-modernamente à eutanásia, por exemplo) a qualquer imperativo funcional perceptível pelo mundo conscienciado--por nós todos, humanos.

Neste como em tantos outros casos, as ciências ditas "exactas" fornecem um suporte de episteme e um fundamento inestimável e, por isso, essencial, à Filosofia.

Ensinam-nos, por exemplo (a quem quer realmente ser ensinado, é evidente!) que é (e por que é!) errado "traduzir à letra" a lógica natural em lógica cultural e civilizacional.

Por que exactas (e teoreticamente fiáveis!) razões as "leis" biológicas não podem, como atrás vimos, estar submetidas às "técnicas", por exemplo.

Por que exactas e precisas razões, as ideias de vida" e "morte" têm de passar a constar, xde forma intrínseca e determinante, de qualquer projecto cultu(r)al e civilizacional sustentável e, sobretudo, sustentável, isto é: ecológico ou centralmente "ecoforme".

Dito de outro modo, por que exactas razões a propriedade para continuar a desempenhar as funções essenciais de "vitação" que desempenha na natureza não pode, em caso algum, deixar de ser uma componente instrumental--puramente instrumental!--do processo global de "vitação" ou "vitacionalidade" para passar a ser, como hoje acontece, a chave mesma, o coração, o "sol" da própria realidade, como entendem e defendem os apologistas da "desenvolvimentocracia pura" que todos conhecemos.

O mundo (e concretamente a "Europa") é hoje um domínio sem filósofos; um em que os cientistas deixaram de sê-lo antes de tudo o mais para passarem a operar como empregados e funcionários.

As universidades estão cheias desses "funcionários"--presentes ou prospectivos.

Desgraçadamente, a sua condição de funcionários faz com que não venham para a realidade pensá-la e seriá-la ou reflecti-la/organizá-la partir da sua essência ou do seu "específico" estrutur(aciona)al possível.

Da sua "condição epistemológica" teoricamente reconstituível, digamos assim.

É por isso que eu pessoalmente sou muito pouco optimista em relação ao futuro, exactamente como comecei por afirmar: um modelo de "civilizacionalidade" sustentável e consistente (sustentável porque consistente!) precisa de pontos de referência ou de "repére" exteriores a si que o refractem e lhe tragam continuamente para o centro feed-back reflexional fiável, analítico e crítico.

Uma elite crítica que não pode obviamente ser constituída por "funcionários".

Das poucas certezas que conservo relativamente ao futuro, há pelo menos essa--o que a mim, como indivíduo e especificamente como europeu não augura, volto a dizer, nada de bom.

Bem pelo contrário...

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