Portugal é "como nos filmes": para não tornar a História muito pesada, os argumentistas, para recriá-la no Cinema, seguiram os conselhos da Virgem Maria (Conselheira Técnica das partes onde entra o Padre Melícias) e criaram, para cada herói nacional, a figura de um "side-kick" ou "comedy relief".
Pois bem: decidido a brincar aos argumentistas e a pregar uma partida à História nacional, Nosso Senhor, decidiu recontá-la recorrendo aqui e ali a um subtil tom de comédia brejeira.
Bem-disposto e divertido como sempre desde que ressuscitou e se viu definitivamente livre do encargo de limpar as porcaria que os portugueses iam fazendo na História, Nosso Senhor resolveu (desta vez sem cobrar honorários) descer à Terra a dedicar-se de alma e coração ao projecto.
Para tanto e tendo como assistente de realização João Botelho, contactou já o Infante D. Henrique para um dos principais papéis (o de um herói trágico que andou a tentar pôr esta autêntica cavalariça, este país-prostituta que se vende sempre alegremente ao primeiro corrupto e filho-da-p. que lhe aparece pela frente) na Europa e no Mundo mas acabou fracassado e alcoólico, internado num asilo.
Neste, trava conhecimento com Manuel Vilarinho (cujos conselhos o levam a deixar a bebida) mas também, já curado, a refazer a vida com a Deu-la-deu Martins (embora continuando de casa e pucarinha com a Senhora de Fátima a quem chega a oferecer um T-1 em Alfama) e, por fim, a tornar-se accionista de referência do B.P.N. que consegue, aliás, salvar in extremis da falência convencendo Luís Filipe Vieira a comprá-lo (como comprou antes o Fernando Santos e aquele holandês aparvalhado que percebia tanto de futebol como eu de computadores e coisas feitas com fibra óptica, barretes com os quais adquiriu, como é sabido, a experiência que lhe permitiria, no ano seguinte, enfiar mais dois do tamanho do Cristo-Rei, de seguida com o 'Quique' Flores e com o tetraplégico Balboa.
Para o papel de "side-kick" (uma espécie de Sancho Pança do grande Descobridor) Deus e Botelho concordaram em contratar o conhecido cómico português Diurético Baboso que, no filme, nas sequências dirigidas por Botelho, tem por missão fazer palhaçadas, mimando a Expansão, de modo, como disse, a aligeirar o tom, geralmente trágico, do filme.
De notar que também a conhecida comediante M.L. Rodrigues tem na película um curto papel, um pequeno "cameo" à imagem dos que celebrizaram Alfred Hitchcock ("itch in the cock", na versão porno) desempenhando o difícil papel de "Calamidade", uma jovem moura que D. Henrique conhece em Barcelos e com quem mantém um curto mas tórrido romance.
Nas imagens, D. Henrique em fato de trabalho na Trafaria onde estagiou para Navegador e em baixo, no Bairro Alto, num dia em que os enfermeiros se distraíram e deixaram aberta a porta da enfermaria.
3 comentários:
De notar que esta história além de dramática e negra, como qualquer bom filme português de autor, é muito agitado e contempla demasiadas perifécias de humor.
Só em Portugal mesmo, quanto a João Botelho além de não assinar um dos piores filmes da história do cinema português("Corrupção"), tem outros que não lembram ao diabo, como "Quem és tu?", e o tão propalado "a mulher que queria ser presidente dos USA".
Acho que para argumentista vai muito bem.
Eu acho que pode ter sido milagre de Sto. António, porque no meio deste épico argumento com tais actores, virei fã de Manuel de Oliveira!
Um abraço amigo.
Olá, amigo Magalhães
(algum parentesco com uma máquina famosa?...)
Começo por uma confissão: eu, por acaso, até (como dizer?) não fiquei propriamente "inimigo" do "Quem És Tu?", antes pelo contrário, depois de vê-lo e de ver também os "extras" que acompanham a edição em DVD.
Acho-o um tanto "frio", é verdade, mas é, em qualquer caso, intelectual, estética e até antropologicamente estimulante.
No caso da "Mulher... ", já sou capaz de (quaaase..) concordar.
O Botelho (é uma opinião minha, vale o que vale...) é um fulano muito lúcido (lúcido até demais, provavelmente) tão cerebral que é incapaz de se "deixar ir" com as ideias cinematográficas COMO TAL optando, sempre, de um modo ou de outro, por se meter "no meio delas, não resistindo nunca a PENSAR com elas, em vez de deixá-las serem elas a 'pensar' por si...
Ora, cá para mim, a Arte é, no limite, precisamente ISSO: não pensar pelas imagens ou pelas ("instead of") palavras e pelos sons mas libertá-los todos a fim de que todos, cada um à sua maneira, pensem...
Por isso o "Quem És Tu?" (que é uma reflexão deliberada--assumidamente--distanciada sobre Garrett mas também sobre nós mesmos como "nacionalicidade" possível) resulta mas o outro filme nem tanto.
Pelo menos, da mesma forma.
Mas isto é, como digo, apenas a minha opinião...
"A Mulher..." é, de facto, desconcertante mas, realmente, só "funciona", a meu ver, em pleno, num registo muito (mas muito!) 'godardiano': há "ali" ideias em bruto (ideias para um espectáculo talvez de marionetas--como acontece, aliás, com frequência, no cinema do Godard) mas para inscrevê-lo na categoria de Cinema é necessário possuir uma enorme capacidade para inteligir num plano (altissimamente!) abstracto e muito intelectualizado...
Muito "operático", até (não fazia o António José da Silve, o Judeu, Óperas com marionetas?...)
Por isso, o filme tem de ser visto enquadrado num certo paradigma teórico global de "meta-cinema" cujas referências máximas serão, por exemplo, Godard, como já disse, mas também Nagisha Oshima, Straub assim como, entre nós, o Oliveira.
Algum Oliveira.
"Aquilo" que a gente vê e a que se rende sem ser necessário que nos expliquem tudo tim-tim-por-tim.
Do "Quem És Tu?", gostei pelas razões que lhe refiro acima: é uma "coisa" muito "pessoana" quer pela "frieza", quer pelo enfoque: aquilo é uma reflexão sobre alguns aspectos históricos e antrolopológicos relevantes do que o Pessoa chamou "o caso mental português".
Gostei dele o bastante para rever com alguma regularidade sequências inteiras do filme.
A "Corrupção" é... televisão.
Queira-o ou não o (não?...) autor, é!
Ora, eu pessoalmente não gosto NADA de televisão.
Por isso...
Um abraço!
Volte sempre com as suas opiniões e com a sua simpatia.
Amiga Maria:
Afinal parece que o Santo não conseguiu patrocinadores nem subsídios do I.P.A.C.A. que é o drama de muito potencial ou real cineasta português...
Quando souberam que o Fernandinho de Bolhões não era italiano... zás!
Subsídio fora!
Quem vai agora (parece...) dirigir o filme é Nossa Senhora Herself com uma bolsa da Gulbenkian...
Beijinho!
Carlos
Enviar um comentário