terça-feira, 23 de junho de 2009

"Tony, the Bleagh..."


Há muito que me habituei a ouvir (sempre que tem lugar a cíclica eclosão de um dos frequentíssimos escândalos de venalidade e corrupção em que o mundo pós-moderno parece ter definitivamente convertido numa "especialidade"--senão mesmo numa verdadeira "vocação"-- sua) coisas do tipo: "Pois! Será verdade mas é exactamente isso o que, no fundo, distingue as democracias das ditaduras: nestas, os males permanecem sempre, de um modo ou de outro, escondidos .

Naquelas, vêm a público e podem ser denunciados".

Pois, a público virão--alguns, pelo menos.

Admito até, em tese, que muitos.

Agora, aquilo que é preciso responder a esses curiosíssimos advogados e amigos da "democracia" que a vêem tristemente limitada à tarefa (im?) puramente passiva e, no fundo, neutra de desbraguilhar-se regularmente em público, ficando-se (ou... finando-se?...) em última análise, por aí a sua possibilidade objectiva de habitação da realidade e de 'intervenção' na História e na Política é que denunciar definitivamente não basta para fazer de um regime político uma democracia.

Denunciar é, na verdade, apenas uma fase ou um estádio do conjunto integral do processo democrático--um utensílio funcional de disciplina e correcção.

A Democracia não é, com efeito, por definição, uma atitude ou um posicionamento intelectual e cívico meramente contemplativo ou até (um pouco mais correctamente) in/essencialmente crítico sobre a realidade.

A Democracia inicia-se, é verdade, aqui, neste segundo caso, isto é, no posicionamento crítico, sobretudo se substantivamente distribuído pela generalidade da Cidadania nela contida.

Não acaba, porém, aí.

Democraticamente indissociável da crítica é a correcção objectiva, material, concreta dos males detectados.

E é isso que falta à maioria (senão mesmo, em maior ou menor grau, à totalidade) dos sistemas a que persistimos em chamar "democracias", hoje.

É imperioso juntar à crítica a acção nela radicada e fundamentada.

Para isso, insisto mais uma vez, entre outras medidas possíveis a introduzir no ordenamento político e até constitucional dos regimes formalmente democráticos ou "demomórficos" como o nosso, na obrigatoriedade absoluta de os candidatos a eleições deporem os seus programas assim como todo um exaustivo projecto contendo o modo, os cálculos, as quantificações, e os modos específicos por si concebidos para levar aqueles mesmos programas à prática para além de um sistema tipificado e muito preciso de sanções tendo em vista os eventuais incumpridores.

Assim como, ainda, a responsabilização pessoal dos infractores dolosos ou dos incompetentes que por inépcia ou má fé lesam o Estado e nele a Cidadania e os seus legítimos direitos.

Não basta, com efeito, pretender, como ainda há pouco defendia um anterior presidente da Assembleia da República ou um conhecido "comentarista" televisivo entre muitos outros, que é preciso aumentar as retribuições pecuniárias atribuídas à "difícil e espinhosa" actividade dos políticos.

Se entre nós existisse uma verdadeira Opinião Pública, ela apenas, aliás, acederia a considerar tal possibilidade se, conjuntamente com um quadro claro de aumentos no que às referidas regalias materiais diz respeito, viesse, de igual modo, um outro, rigorosamente simétrico, de natureza sancionatória efectiva para os casos em que os agentes políticos não cumprem as suas tarefas e funções.

Tenho um Amigo que é pai de um garoto, hoje universitário, e que frequentava uma escola, à época chamada ainda 'primária' onde, porém, métodos pedagógios considerados muito "avançados" eram já activamente, como se constata pelo que vai seguir-se, praticados.

Um desses métodos consistia em premiar os alunos pontuais com rebuçados e chocolates.

Ora, para além do que de nutricionalmente debatível podemos admitir que existe na prática de difundir padrões regulares de consumo de açúcares entre as crianças, um outro problema (que o "avanço" da escola em questão, pelos vistos, de resto, foi capaz de discernir) se levantava.

É que, como não existia um quadro sancionatório correspondente--só um de natureza ou sentido positivos que apenas contemplava prémios a quem atingisse determinasdos objectivos--o que sucedia é o que está expresso na situação em que, a dado passo, se viu envolvido o filho do meu Amigo que, vou já adiantando, chegava regularmente tarde às aulas.

Até que, um dia, zangado, o meu Amigo decidiu interpelar directamente o filho: "Olha lá! Se tu até tens a possibilidade de receber prémios por chegares a horas, por que é que os outros chegam a horas e tu chegas sempre atrasado, conforme a tua professora regularmente me comunica?!

"Oh! Pai!--respondeu o miúdo--Para os prémios que elas dão, não se justifica levantar-me tão cedo como muitos dos outros meninos...

Cá em casa temos, aliás, rebuçados e chocolates muito melhores do que os que elas dão.

Assim, não preciso de me levantar cedo, como te disse.
De resto, só os meninos cujos pais não lhes compram guloseimas ou compram piores do que as da escola, é que precisam de chegar--e chegam!--a horas...

Eu fico de manhã na cama e tenho guloseimas à mesma--e ainda melhores..."


"So much for affirmativa action!..."

Em casa, nas escolas "avançadas" ou... na política.

Voltando, aliás, um pouco mais atrás, àquela com que abri esta 'entrada' envolvendo a asserção de que "o que distingue, afinal, a democracia da ditadura é o facto de, nela. os podres sociais, económicos, etc. não serem escamoteados": será por isso que o "Público" de 22.06.09 noticiava que o improbabilíssimo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair (e cito) "pediu ao seu sucessor, Gordon Brown, que efectuasse em segredo [sic] o inquérito independente (?) à guerra no Iraque, por temer sujeitar-se a um julgamento público, se o mesmo fosse feito às claras [sic] (...).

E será ainda por isso que mais à frente acrescenta ainda o jornal:

"Blair, que resistiu a pressões para um inquérito público, enquanto primeiro-ministro, parece ter tomado a decisão deliberada de não manifestar os seus pontos de vista a Brown, por medo que isso se viesse a saber.


"Por temer sujeitar-se a um julgamento público"

"Inquérito [não] feito às claras"

"Por medo de se vir a saber"


A democracia distingue-se da ditadura por, nesta, as coisas não serem escamoteadas da opinião pública e serem, ao invés, divulgadas e julgadas aberta e livremente por esta?


Pois!


Deve ser isso...

2 comentários:

Rui Magalhães disse...

Pois, deve deve...
Muito boa a alegoria dos rebuçados.

Carlos Machado Acabado disse...

É! O pior é que parece que quanto piores... melhor!
Maior é a... recompensa!...
Como diz a minha Tia Josefina Aurélia: Oh! Sorte!...