Um tema sobre o qual me parece (e por mais de uma razão, aliás) cada vez mais importante que, como 'época social e histórica', reflictamos prende-se com a necessidade (para mim, evidente e imperiosa!) de precisar, com o rigor possível, o conceito cultu(r)al de 'Modernidade' e, muito em particular, com a de distinguir ulteriormente entre esta mesma 'Modernidade' e aquilo a que alguns chamam a 'Pós-modernidade' e que eu pessoalmente opto por classificar, recorrendo a uma expressão que se me afigura consideravelmente menos desgastada e, por isso, menos esvaziada de conteúdo específico, preferivelmente como "neo-" ou mesmo "meta-modernidade".
Sobre a primeira destas questões--a de saber o que possa em bom rigor entender-se por "Modernidade", eu diria que o conceito em causa não é, na minha visão pessoal da História e da Cultura ou das culturas que a habitam, teoricamente dissociável de um outro que eu próprio entendi para o efeito cunhar e que está, por sua vez, directamente ligado a um certo modo tópico a que eu chamaria--atribuindo ao termo um sentido muito específico e concreto, ainda que (como dizer?) não politicamente valorativo--'tradicional' de conceber as relações entre a História e ela própria assim como as que existem, não menos topicamente e na base até dessas, entre as pessoas e a própria História--algo que entendi, pois, na tal semântica pessoal que atrás refiro e à falta de melhor classificação, designar por "trickle-down societation" ou, no plural, "societations".
"Trickle-down societations" ou "societações verticais" (ou ainda, se o termo não parecesse demasiado enfático e excessivamente "pomposo": "verticais--descensionais", num português, repito, sem dúvida verbalmente muito... majestoso, reconheço, mas, ainda assim, possivelmente susceptível de descrever, com um mínimo de hipotética exactidão, o essencial do conteúdo da conceituação em causa).
É minha convicção, com efeito--esclarecendo ulteriormente o que entendo constituir a natureza específica do referido 'conteúdo'--que tradicionalmente foi, em geral, possível conceber a 'habitação' da História humana como obedecendo a uma espécie de amplo conhecimento ou de vasta (mas, de algum modo, também em si mesma finita) "ciencialidade" particular (e sob diversos aspectos, estável)---susceptível, por outro lado, de ser descensionalmente levada de geração em geração, numa cadeia globalmente, como digo, contínua e, de algum modo, até ininterrupta em cuja, mais ou menos pontual, consecução se concretizava e se re-afirmava, se re-consolidava, afinal, a identidade, individual e colectiva projectada, de forma sucessiva ou sucessional, na Cultura--e concretamente nas culturas individualmente consideradas.
Aquilo que, de algum modo, é possível admitir que melhor possa definir, por outro lado ainda, a essência última deste "trickle-down paradigm of historical inhabiting and re/producing", é a circunstância teórica de a talvez-maioria das representações cultu(r)ais existentes em geral nas sociedades possuir, um reconhecível fundamento epistemológico que não apenas as tornava genericamente assimiláveis de forma mais fácil como permitia ainda que essas mesmas representações se instalassem, de um modo geral, na consciência dos indivíduos como na das sociedades por eles formadas com a forma globalmente tranquilizadora de "necessidade".
Dando um exemplo: a "autoridade".
A autoridade tradicional possui claramente um fundamento reconhecível pelo conjunto das sociedades humanas.
Um fundamento indissociável da propriedade objectiva ou objectual do conhecimento, digamos assim.
Aqueles de entre nós, pais e professores, desde logo, que se lamentam da perda gradual do "valor funcional-autoridade" e que sonham vê-la restaurada (eu diria: espontaneamente) a partir do Direito ou da mera vontade política esquecem ou de todo não entendem que a autoridade nas sociedades tradicionais vinha gradualmente com a progressiva aquisição individual de "saber" ou de símbolos muito concretos e precisos desse saber.
Eu costumo dar, sempre que está em causa explicitar especificamente, o meu ponto de vista pessoal sobre este ponto, lembrar o paradigma genérico de relacionalidade entre pais e filhos, durante a ditadura.
A ideia (decalcada do modelo básico vigente nas sociedades ditas 'primitivas') é que "os velhos", "os anciãos" (em seguida, os pais, os professores) possuem autoridade natural porque, como disse, detêm a propriedade funcional efectiva do saber.
Naquelas sociedades 'primitivas', eles são, como se sabe, aliás, o único meio de assegurar a recolha ou "recolecção", fixação e retransmissão continuada do saber.
Ora, assim sendo (i.e. constituindo a referida propriedade do que Marx chamaria os "meios de produção social" de conhecimento a chave e o fundamento demonstrável e rconhecível da autoridade) torna-se óbvio que quem quiser ascender a esta---a qualquer forma ou modalidade igualmente reconhecível desta---deve, naturalmente, assegurar-se de que acede primeiro à propriedade efectiva daqueles mesmos meios de re/produção.
Toda a sociedade da ditadura integra e reproduz (eu diria: fielmente) este modelo genérico mas facilmente identificável e perceptível: da família (onde o acesso à autoridade passa por uma cadeia gradual de prerrogativas geralmente associadas ou à escolaridade, no caso de uma burguesia que pode prolongar as etapas da educação académica formal ou ao trabalho, no caso do proletariado urbano ou rural) à sociedade em geral, ao universo das profissões com todo um sistema ou teoria de "fases" e "diuturnidades" que vão reflectindo precisamente a asimimilação simbólica de autoridade e/ou poder.
O que resulta muito especificamente claro é, diria eu, que a autoridade enquanto valor cultu(r)al possui um código ou uma semântica próprios que a torna genericamente entendível, mesmo nos casos em que ela não se torna, apesar disso, acessível.
Sem comentários:
Enviar um comentário