terça-feira, 16 de junho de 2009

"O «café» lisboeta"


Noutro lugar deste "Diário", falo da importância que teve o café lisboeta na vida intelectual e, de algum modo, também política da Cidade.

Teve-o o "Café" em geral, na Hitória.

Não por acaso, Salazar temeu-o (e o seu palavroso e malabarístico propagandista oficial de longo tempo, António Ferro, atacou-o num artigo, de resto, interessante e invulgarmente bem escrito, a que, de igual modo, me refiro noutro ponto destas notas).

Temeu-o, pois, o ditador para quem a "mocidade no café" era sinónimo de "má vida" e (porque!) de intolerável "intromissão" da "sociedade civil" na coutada privada do "regime" que era, para ele, a "política".

Usando expressamente o "argumento decisivo" da insalubridade naturalmente perversa, intrinsecamente maléfica, da vida "de café", chegaria mesmo a "oferecer" à Nação um Estádio recordando-lhe, de caminho, que "aquilo que ela, Nação---que todos nós, afinal--queríamos à época era... futebol.

O café lisboeta esteve longe de ser a 'Universidade do Civismo' e mais genericamente 'da Inteligência e do Debate' que podia ter sido noutro contexto completamente distinto.

A tertúlia, a cultura tertuliana, tirando o futebol e os (tenebrosos) "touros", de tão vigiada, apenas pôde "dar", feitas as contas, uns quantos bravos neo-realistas aos saltinhos pela cidade fugindo (tão literal quanto constantemente!) da polícia; um, a mais de um título fecundo e "ruidoso", clã de surrealistas no "Gelo" e um grupinho, um pouco mais cosmopolita, de cineastas (e "cineastas") na "Mexicana" e no, apesar de tudo saudoso "Vává", um pouco mais tarde.

Para mim, o "café" foi sobretudo o "Monte Carlo", o "Paládio" e, noutra fase, o "Londres" (hoje--claro!--um banco) de cujo enquadramento (um ângulo quase íntimo na Praça de Londres) insiro aqui uma imagem evocativa.

Se não se "fizeram" aqui revolucionários (e ter-se-ão, em qualquer caso, "feito" alguns...) começaram aqui algumas estudantis insatisfações ou ("mals-de-vivre") e pequenas subversões avulsas (ou nem tanto: a "Barata", por exemplo, era mesmo ali "a dois passos" com os Bertrand Russells à mistura com os Marx e os Lucácks "viajando" discretamente por baixo do balcão...) que haviam, afinal, de possibilitar (também) aquela que veio mesmo brevemente a acontecer na sequência do golpe militar de '74...

Sem comentários: