sábado, 27 de junho de 2009

"Uma das minhas mágoas..."

...é a de não ter tirado uma fotografia, em Roma, ao lado deste notabilíssimo personagem (á esquerda no retrato) quando tive oportunidade.

O personagem em causa é, como já certamente identificaram, Peter Ustinov, para mim, definitivamente o "Príncipe de Gales" de "Beau Brummell" e/ou o "Nero" de "Quo Vadis", de Leroy antes ainda de Kubrick o ter chamado para o elenco de "Spartacus" e de (para mim) ser o soberbo "compère" de "Lola Montes" de Ophüls que só muito mais tarde pôde (por razões ligadas à classificação etária dos filmes durante a ditadura) ser.

Voltando, porém ao Ustinov e designadamente àquela "mágoa" de que falo no título: nós tínhamos acabado de chegar a Roma com os alunos da 'Secundária do Laranjeiro' e de na Piazza Del Poppolo ter havido um reboliço danado porque a rapaziada insistiu em fotografar a Victoria Principal (à época, uma daquelas vedetas, sempre muito efemeramente... definitivas e fugazmente incontornáveis que "vêm sazonalmente com as marés"--geralmente televisivas--para, de imediato, providencialmente voltarem ao limbo de onde vieram--e que é, de resto, o seu 'habitat natural'...) ao lado de dificilmente imagináveis canastrões como são (ou eram) por exemplo, o Larry Hagmann (o impagável J. R.) e o hilariante Patrick Duffy; mas também da malograda Barbara Bel Geddes (falecida de cancro e que tivera o seu momento 'absoluto' de glória com o Hitch, em "Vertigo", onde foi uma das imagens arquetípicas 'mutantes' de "panty pal", a sexualmente 'tranquilizadora', muito caracteristicamente hitchcockiana, "mulher camarada" ou "symbolic mother/sister figure" que abunda--muito erradamente ignorada, aliás--nos filmes do "Mestre" ao lado das clássicas "killer blondes" de Grace Kelly à fabulosíssima Eva Marie Saint, para mim, o arquétipo final, absolutamente 'perfeito', dessa imagem tópica de "elusive, burning-ice/castrating pelvis" ou "bogey quim"--ou, ainda mais... 'erudita' e mais freudiamente: "vulva devoratrix"--que instintivamente associamos à primeira daquelas actrizes) e da infinitamente mais bela e a todos o títulos mais interessante Linda Gray.

Bom mas, como ia dizendo, a Principal estava casualmente em Roma, as raparigas do grupo (leitoras da "Maria", da "Caras" de então e dessa "trapalhada" toda, "anestesia mediática" que à época despertava ainda muito tentativa e muito discretamente para a... "vida") precipitaram-se aos gritinhos para ela de máquinas fotográficas em punho, os seguranças saltaram à uma sabe-deus-de-onde, a Principal enfiou de cabeça numa joalharia quualquer, enfim, foi um berbicacho danado!

A Emília Brandão, o Chico "de História" que "comboiavam" o grupo e eu próprio (que com o Camões e a Maria nos mantínhamos a alguma prudente distância do "circo"....) a tentar explicar que as miúdas só queriam uma fotografia, que não era para vender nem coisa parecida, que, se calhar, no dia seguinte, já ninguém sabia onde ela, fotografia, estava (se é que ainda estava em qualquer lado...) a Principal (que as devia vender por bom dinheiro) a esconder a cara lá dentro da loja, a malta a protestar, pessoal cada vez em maior número a parar, italianos a gesticular como só eles sabem, enfim... uma verdadeira barraca "à portuguesa"!

Logo que pude (quando "aquilo", por fim, amainou um bocado e o pessoal começou, finalmente, a dispersar) deixei-os a todos a digerir o desapontamento e a irritação e 'pisguei-me' Via Del Corso abaixo à descoberta da cidade até que, de súbito, dou comigo diante da mole imensa do edifício do Coliseu onde aparentemente se filmava qualquer coisa que metia este bom Ustinov vestido de toga romana como no clássico do Leroy com a Kerr (outra das minhas "paixões cinéfilas" 'absolutas'!) e o Robert Taylor por quem a minha Mãe e a minha Tia Graziela nutriam confessas, idênticas, paixões.

Vendo aquela meia dúzzia de "maduros" boquiabertos, imóveis em redor dele próprio e de "tudo quanto era técnico e fio espalhado no chão", absolutamente determinados a não arredar pé e a contemplá-lo como basbaques "que se prezam" (de sê-lo e parecê-lo--pessoalmente, confesso que não resisti a ficar ali beliscando-me entre o deslumbrado e o pura e simplesmente incrédulo, incapaz de crer nos meus olhos, lembrando precisamente tudo quanto com ele já vira e admirara!) o Ustinov cheio de bonomia dirigiu-se-nos directamente, dizendo que, se quiséssemos, podíamos fotografá-lo à vontade durante o tempo que pretendêssemos ("a reasonable lapse of time") mas que (please! Pretty please!") depois deixássemos e aos técnicos finalmente trabalhar ("get some work done"...)

Ainda tenho (claro!) a fotografia que lhe tirei diante dos muros exteriores do Coliseu (e que--a minha impressora e o meu 'scanner' não fossem os estúpidos "prone to break down pieces of pure crap" que são!...--teria todo o gosto em usar como ilustração desta entrada).

Do conjunto destes dois cinematográficos incidentes, ficou-me, numa palavra e para terminar, uma reflexão pessoal susceptível de ser, sempre, em qualquer caso, feita sobre os distintos modos de (como dizer?) "habitar topicamente a popularidade", contrapondo-se (e opondo-se mesmo!) neste caso aquele que identifica claramente mais uma daquelas vedetinhas fulminantes e descartáveisque vão e vêm ciclicamnte com... o vento e o de um actor da cabeça aos pés, cujo profissionalismo e discreta seriedade o definem e, em última (mas sempre real!) instância, distinguem.

Nunca esquecerei o velho "Usty", vestido de romano, sorrindo bonomicamente, numa pose cumplicemente irónica, humildemente à espera que nos fartássemos e o deixássemos definitivamente em paz.

Curiosamente, da Principal só me ficaram, ao fim destes, apesar de tudo escassos anos, o nome (e o caricato mergulho para dentro de uma loja qualquer, na Piaza del Poppolo...)

Lembram-se de algum filme com ela, de alguma interpretação particularmente notável, de uma única coisa que ela tenha dito ou feito que merecesse, de algum modo, ser recordada?...

Pois...

Eu também não...


[Na imagem: Peter Ustinov com Martine Carol em "Lola Montes" de Ophüls]

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