A velha, pois--porque "a de hoje" não tem rigorosamente nada que ver com "a minha"...
Claro que a "gente dos Anjos" ia à Graça (quem ia, claro!...) ao Liceu, ao 'Gil'; se houvesse dinheiro, subia a Avenida e ia ao "Império", se não o houvesse, fazia exactamente o oposto, descia-a, e ia ao "Piolho", no Martim Moniz ou ao "Olympia", já na Baixa.
O nosso bairro era (literalmente!) a nossa casa, a nossa família.
Ainda a "velha" Almirante eis aqui numa foto de 1908. À direita, abria-se o mundo fascinante porque proibido do "Intendente", cujo nome apenas se articulava, no seio das famílias respeitáveis num conveniente cício. Esta zona da 'Almirante Reis' era, de rsto, uma espécie de fronteira invisível, na década de '50. Para cima, a Lisboa respeitável, séria. Daqui para baixo, até ao Martim Moniz e à Mouraria (inclusive, em ambos os casos) , a "cidade proibida". Por exemplo, ao "Lys", iam as famílias, ao "Rex", "os operários" e (claro!) as prostitutas. Entre a sólida "respeitabilidade" do meio do século havia uma linha muito ténue e fluida a separar ambas essas (por razões em si mesmas distintas: profundamente inquietantes!) entidades...
Era um problema fumar porque toda a gente se conhecia dos Anjos à Graça, por um lado e à Praça do Chile, por outro (eu, pelo menos, assim acreditei durante muito tempo!...) e ia contar tudo ao "velho".
Curiosamente, fui re/encontrar esta cidade pluralizada e granular (quando já morava no anonimíssimo Bairro de Sta. Cruz um dos vários pontos onde a cidade se desarticulara e se começara já fatalmente a des-integrar, no final da década de '60) em Paris, no início da década seguinte, a de '70.
Montparnasse, por exemplo, era um verdadeitro Alto do Pina apenas um pouco mais acima ou mais a leste do que o outro...
Ao fim de uma semana, já conhecíamos toda a gente e já toda a gente se nos dirigia com a familiaridade que apenas se usa para os "nossos"...
As pessoas viam-nos as silhuetas entrar nas lojas, desconfiavam, começavam bruscamentre a retrair-se mas mal nos reconheciam havia, de imediato, aquele tranquilizador descontrair-se de "Ah! C' est vous!" que reconhecíamos imediatamente como um código secreto entre cúmplices...
A padeira da Rue Raymond Losserand ia logo buscar os inesquecíveis "pains brisés" que só ela fazia, a senhora da "brasserie" começava logo a fritar os ovos e o presunto antes mesmo de a gente pedir porque os ovos e o presunto foram, em Paris, uma fantasia de que não abríamos por nada deste mundo mão...
França, Paris, Montparnasse-Bienvenue, a Rue Raymond Losserand (onde se situava o "nosso" Hôtel de la Paix) numa imagem extremamente curiosa feita durante a "Ocupação"
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