domingo, 9 de novembro de 2008

"Sobre Direito (e direitos) de Autor"


Um tema cujo debate vem a público invariavelmente marcado pela mais extrema e, não-raro, escandalosa hipocrisia é o da defesa dos direitos de autor.

Somos, com efeito, de modo regular, bombardeados com pomposos ditirambos e "redondas" catilinárias sobre a "necessidade premente de proteger o trabalho intelectual e/ou artístico", sendo até, por (escandaloso!) "exemplo", como professores, impedidos de exibir, numa das nossas aulas, sem cometer um nefando "crime" (nós que "não roubaríamos um livro, uma carteira de senhora" ou sei lá mais o quê!...) um filme, a gravação de uma peça de teatro, etc. etc.

...Ainda que, repito, nos propuséssemos fazê-lo sem o mais remoto intuito lucrativo e pelas mais puras motivações de natureza didáctica e pedagógica...

Já várias vezes o disse e escrevi: é essencial que, enquanto cidadãos, saibamos distinguir com toda a (necessária) clareza aquilo que é o respeito devido à Obra de Arte e à Criação Intelectual em geral do que não passa de 'dinheirismo' envergonhado (e mesmo muito mal!) disfarçado.

É, por outro lado, não menos fundamental que, ainda e sempre enquanto cidadãos, intervenhamos no debate em torno da questão dos 'direitos' dos Autores no sentido de (a) impedir que o tal 'dinheirismo' que tantas vezes se pretende que confundamos com a própria criação intelectual e artística acabe por evitar que a relação entre o Artista (ou o Intelectual) e a Cidade fique pura e simplesmente impedida de produzir-se em pleno, indelevelmente contaminada pelo factor-poder aquisitivo de cada um ao mesmo tempo que (b) capciosamente "desviado" para o âmbito estr(e)itamente comercial o Direito os supostos direitos "dos" Autores acabem na prática devorando, 'engolindo', o de cada um não já apenas enquanto Cidadão mas agora até como mero consumidor.

Ou seja: se é cultu(r)almente grave que o "direito" a impedir que, no exemplo citado (que, como professor, sinto de modo particularmente agudo) um grupo de jovens estudantes possa fruir, normalmente, da experienciação (chamemos-lhe:) "guiada", acompanhada, em situação do/discente genuína, de um filme numa aula a fim de assegurar que o investimento feito por uma multinacional qualquer na edição desse mesmo filme em video ou em DVD possa seguir rendendo, tão contínua quanto cegamente, dinheiro, não é menos grave que uma lei ou conjunto de leis possa consagrar, com a mais absoluta imperturbabilidade, limites absolutamente intoleráveis ao direito de cada um dispor livremente da sua própria... propriedade (?) como se em vez de se comprar um filme ou um disco e embora esportulando dinheiro para tal tivesse, de facto, cada um apenas alugado os objectos em referência, cominando-se, assim, através do equívoco deliberado, objectual, entre essas duas figuras contratuais distintas, a compra e o aluguer, uma tão tremenda quanto óbvia e "legal" injustiça...

Podemos, com efeito legitimamente afirmar que comprámos, por exemplo, um videograma quando estamos legalmente (!) impedidos de mostrar aos amigos (do condomínio, do emprego, etc.) sem incorrer num ilícito (para o qual somos, de resto, expressamente avisados no início do mesmo)? Podemos, realmente, afirmar com propriedade que o adquirimos quando, a tutela, não do artista mas na realidade sobretudo de quem medeia o trânsito da sua mensagem entre a fonte e a comunidade, permanece actuante, mesmo após transaccionado (e devidamente pago!) o "produto" em causa?

Mas sobre esta questão falo noutro ponto deste "Diário"; aquilo que me proponho, agora, aqui, trazer à colação é outro aspecto ainda desta mais do que controversa e leonina questão: é o modo como as televisões (a começar pela de suposto "serviço público", aliás...) se permitem (e aí não há lei que se incomode em denunciar o autêntico crime de lesa-criação, de atentado aos direitos da criação artística envolvidos que está a ser cometido!) sistematicamente mutilar, estraçalhar, cortar "às fatias" a torto-e-a-direito filmes e peças de teatro, ora para lhes "enxertar" a granel pelo meio doses maciças de publicidade, ora para os fazer "caber" em écrãs de dimensões obviamente impróprias, transformando, desse modo, a seu bel-prazer as dimensões reais da imagem cinematográfica ou cinematizada numa "coisa" mutilada, impiedosamente violada?

Consegue alguém imaginar, por exemplo, uma "Guernica" re/convertida comercialmente em tríptico e vistosamente... "enriquecida" com "affiches" de um preservativo ou de uma água mineral pelo meio ou um "David" dividido em quatro de modo a acomodar imagens alusivas a um generoso "patrocinador" qualquer?...

Então, como pode um tal acto de "banditismo publicitário" ser livremente praticado, a cada dia que passa, por essa fauna de "mediocres de carreira" e "asnos profissionais" que são, a um tempo, os publicitários e os programadores de televisão?...

Sem que uma única voz se levante em defesa dos (verdadeiros!) direitos dos Artistas e da Arte que é o de serem postos a recato dos mixordeiros da cultura onde quer que eles se achem...

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