Do "Público" de 12.11.08, começo por retirar uma citação do artigo "O programa Media Smart nas escolas portuguesas", da autoria de Miguel Rangel. A parte do texto em causa onde se diz:
"Longe vai o tempo em que à escola se pedias apenas que ensinasse os alunos a "ler, escrever e contar", no sentido mais restrito desses termos.
Hoje aquilo que se lhe pede é bem diferente. Pede-se-lhe que encare os seus alunos como cidadãos de corpo inteiro, e para isso que a sua formação assente na compreensão do mundo e da sociedade em que vivem, para nela poderem intervir de modo mais informado, seguro, crítico e responsável".
Ora, porquê esta citação?
Que tem ela de tão particularmente importante que justifique a sua menção de forma especialmente destacada?
Claro que é importante o que ela diz mas... é, de facto, novo?
Não! Não é novo. E o pior é que também não é assim tão verdade quanto isso.
I
Já por diversas o referi, a "missão" da Escola (pós) moderna está muito longe de ser inda a de divulgar e acessibilizar de forma realmente generalizada os instrumentos necessários à "compreensão", democratizada, universal, do mundo e muito menos à "intervenção", epistemologicamente consistente e (outera vez) democrática e universal do mundo. Pelo contrário!
A... "missão" política pós-moderna da Escola é (in!) justamente a de recolher (isto é, consiste na recolectagem as/sistémica e in/orgânica d) os paradigmas de cognicionalidade fundamental desactivados pelos verdadeiros proprietários dos 'meios de re/produção social' de Conhecimento que são os representantes, especialmente multinacionais da grande iniciativa privada mundial.
A esse nível determinante ou determinacional ínúmeras vezes o tenho repetido, o Conhecimento, ou seja, os verdadeiros instrumentos capazes de ajudarem de forma efectiva a compreender o (e a intervir sobre) o "mundo" opera como uma matéria-prima indispensável ao processo de geração sistémica de "valor", que é como quem diz: de componente indispensável na re/produção contínua de Capital.
A esse nível, o Conhecimento é já um Capital (ou, se quisermos ser menos asserrivos) de proto-capital que, como o "outro", o sistema não pode (por razões óbvias!) dar-se ao luxo de partilhar democratizando.
As escolas (a Escola ou a escolicidade do Capital) serve sim, exactamente para o oposto daquilo para que serviu com o que chamo "a primeira burguesia" moderna---e, portanto, também, para o oposto daquilo para que o artigo de Manuel Rangel diz que ela serve.
A Escola (pós) moderna dos nossos dias serve, efectivamente, para evitar que o verdadeiro Conhecimento, aquele que permite agir organica e organizadamente sobre o mundo ou sobre a realidade, venha para a sociedade em geral que é como quem diz: para a "rua".
Para evitar que ele... "caia na rua".
Se ele... "cair na rua", é, realmente, todo o mecanismo in/essencial de re/produção social de "valor" e, por conseguinte, de Capital que fica automaticamente comprometido enquanto tal.
Mais do que comprometido: fica, de facto, impossibilitado.
Completamente suspenso, destruido.
Então, é legítimo dizer que a Escola, neste preciso contexto histórico, social e político, serve, de facto, numa palavra, para justificar politicamente a 'divisão social do Conhecimento' ou, se assim se preferir dizer: dos paradigmas genéricos de propriedade (de proprietação) histórica, social e política do Conhecimento, tal como eles se acham, hoje-por-hoje, cultu(r)al e politicamente (de um modo muito sólido!) genericamente institucionalizados.
II
É isso, de resto, que explica por que exactas razões o paradigma utópico de "escolicidade" proposto, no artigo citado de Manuel Rangel, não passa nunca, em caso algum (basta olhar à volta...) de uma (eufónica e cativante, intelectualmente tentadora, é certo!) pura abstracção.
A Escola hoje em dia não dispõe (volto a dizer: basta olhar em redor, mesmo se apenas de modo muito apressado e sumário para constatá-lo de imediato) do instrumento essencial para assegurar a implementação efectiva de qualquer projecto conducente aqueles (ideais!) objectivos que, para ela, diz divisar, sem dúvida muito optimisticamente, o autor do artigo do "Público"
Não dispõe, desde logo, de independência técnica.
Não se trata de propor que, para ser de facto democrática a Escola (pós) moderna deva "declarar unilateralmente a sua independência política".
Não é de independência política que se trata: é de autonomia ou independência técnica.
Funcionários políticos desesperantemente menores imaginaram para a, histórica, social e politicamente inorgânica Escola portuguesa pós-moderna (re/ver a primeira parte destas notas) modelos de... "democratização" que passam (eu não hesito em dizer: de forma tão estúpida quanto inevitavelmente disfuncional!...) pela diluição generalizada dos próprios fundamentos técnicos (pedagógico, didáctivos, necessitários) da Escola nos seus supostos "fundamentos" (leia-se: na completa manipulação!) política---de que o melhor/pior exemplo é, ainda hoje, sem dúvida, aquele inimaginável "propósito" de pôr a comunidade enquanto tal a... "co-avaliar" a qualidade específica do trabalho... docente...
Ora, a democratização (volto a dizer: cultu(r)al e politicamente impossível) da Escola (pós) moderna não passa não pode passar!) por qualquer projecto capaz de conduzir à implosão da sua estrutura técnica, da respectiva 'identidade epistemológica': passa ou passaria se fosse possível, completamente ao contrário, pelo reforço da sua autonomia ou identidade técnica posta ao serviço da sua funcionalização social e mesmo civilizacional.
Ou seja: passa(ria), desde logo, pela estrita-mas-não-estreita articulação, politicamente patrocinada e liderada, entre as aspirações colectivas da sociedade portuguesa e a instituição-Escola.
A esta seria, uma vez determinada a forma exacta desses anseios, "encomendado" um plano específico de consecução dos mesmos---um plano técnico---monitorizável/monitorizado por técnicos e avaliável enquanto tal por eles, ficando para a sociedade no seu todo, para a sociedade enquanto tal, a avaliação, não da fisionomia e/ou das componentes técnicas do processo mas do seu êxito ou inêxito objectivos.
É, pois, de um verdadeiro "contrato" social e civilizacional que estamos aqui a falar.
É muito bonito e soa muito bem falar, hoje-por-hoje, de "democratização" da Escola.
O problema não é falar: é criar as condições de índole muito concretamente técnico-jurídica para que ela possa efectivamente acontecer.
O problema é esse mas é, também (e sobretudo!) a montante desse, o de perceber com clareza quais as forças económicas, sociais e políticas que detêm realmente o poder na sociedade portuguesa e quaios as aspirações concretas, não da sociedade portuguesa no seu todo, mas muito concretamente dessas forças...
[Nas imagens, efígies de Anton Makarenko, pedagogo revolucionário russo, autor de um clássico "Poema Pedagógico" e de Paulo Freire]
1 comentário:
vim visitar-te o espaço...
Sofia*
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