Sempre me pareceu evidente que, em Portugal, uma sociedade cronicamente pouco informada e pouco esclarecida, incapaz de gerar uma verdadeira opinião pública duradoura e consistente, se vive inteleccionalmente de uns quantos mitos.
De mitos que nem sequer possuem a consistência e a espessura de episteme característica dos grandes mitos fundadores "ocidentais", designadamente os gregos clássicos (ou que, quando poderia admitir-se que originalmente as possuissem, rapidamente dão lugar a versões "à escala": à escala, desde logo, do pouquíssimo---e invariavelmente mau---'pensar médio' nacional).
Os mitos de que falo são pequeninos "retratos inorgânicos" da nossa crónica inconsistência "inteleccional", individual e colectiva, nacional que vão compondo globalmente (mas sempre de forma avulsa e---como dizer?---'sempre festivamente impermanente'), uma espécie de dis-mitologia desconexa e des/estruturalmente instável, persistentemente volátil e insubstantiva onde cada formulação, provinda desse limbo ou desse... "void cognicional" sem fundo aparente e dificilmente sondável que é a "portugalidade profunda", a "portugal... idade média" típica, desconhece alegremente, com raras excepções identificadoras, cada uma das que a antecederam assim como, de resto, todas quantas hão-de, um dia, tão tumultuosa e tão desordenadamente como cada uma das restantes, suceder-lhe.
É esta propensão fatal (esta espécie de "vocação" nacional!...) para o Nada e designamente para o (im?) puro delírio cognicional que explica o "culto" de "heróis" ("heróis da vulgaridade" mas enfim!...) tão improváveis como Marcelo Rebelo de Sousa (o "Professor"!); Cavaco Silva, a sumidade; Vasco "Poluído da Mente", o "oráculo soturno favorito da Subúrbia"; Mário Soares, "o nosso Mário", "o homem que re/inventou para melhor (!!) aquela que terá sido, aliás, a única coisa verdadeiramente decente que o País fez em muitos séculos: o 25 de Abril---e por aí fora.
Ah, claro, e para pais e mães leitores do "Expresso" e do "Sol", o Dr. Não-Sei-Quantos Sá, o maior psicólogo desde o Rato Mickey ou desde que o Jerry Lewis e o Dean Martin se reformaram.
...Ou Daniel Sampaio.
Oh pá, desculpem lá mas não me contenho!
Eu, que, em matéria de intelectuais confesso que continuo a preferir o Daffy Duck ao Marcelo (aquilo não existe, pois não?! Por favor, tranquilizem a minh' alma e digam-me que não: mesmo que não seja verdade não faz mal...) confesso humildemente a minha incapacidade congénita para "poder com" a 'dogmática dominical' do conhecido "psico-qualquer coisa" a quem Deus Nosso Senhor conferiu o estatuto de "Moisés de reserva da classe docente", tendo-lhe, ao que parece, confiado também, expressamente, uma cópia especial das célebres "Tábuas" em versão para pedagogos debilóides.
Aquilo é, domingo-a-domingo, um verdadeiro estendal de vulgaridade, um 'picnic familiar' de trivialidades amorosamente dispostas "pêle-mêle" numa "toalha-de-quadrados ideológica" a condizer, assim como "pastelinhos-de-bacalhau epistemológicos" da Ti Ana do Moinho acompanhados de um honesto "palhete-das-razões" que é um verdadeiro regalo para as moitas em redor...
"Pêl' amor de Deus!", como diz a minha cunhada Margarida!...
É caso para se pensar: se os professores precisam realmente daquilo para serem (melhores?) professores, então, meus caros, não merecem mesmo mais do que Marias de Lurdes Rodrigues, Josés Sócrates e secretários de estado como o Dr. Pedreira, ham?!...
Durante meses, guardei religiosamente os recortes de uma fabulosa "crónica porque sim" (que é, diria eu, uma espécie de "dogmática pedagógica" versão Toni Carreira) com a ideia de, um dia, comentar aquilo com tempo e a paciência que (graças a Deus!) nunca chegaram a... chegar...
II
Mas como resistir quando se abre, por exemplo, a crónica "O Novembro dos professores" (Cf. revista "Pública", edição de 04.11.08, página 4) e se depara com um "balanço" da actividade da ministra da educação onde são "destacados" como "aspectos positivos do seu mandato: a preocupação com os resultados académicos (!), as aulas de substituição (!!), o aumento dos cursos profissionais (é piada! Só pode ser piada! Estará a falar das famigeradas "novas oportunidades"?), a clara diminuição das faltas dos professores (sublinho sem fazer comentários: "dos professores"...), o Plano Nacional de Leitura (esquecendo o escandaloso menosprezo a que foi votado o ensino do Português e da Literatura no secundário em favor de uma "novilíngua pseudo-científica" que piedosamente acabaria por ser deixada cair---"et pour cause!"---"pela surra", no meio da confusão que gerou...), etc. etc."
Vamos lá ver: mas oh sr. dr., então, o sr. dr. acha mesmo que, por exemplo, é "preocupar-se com os resultados académicos" instituir a "rebaldaria obrigatória" nas escolas, o "dever de promiscuidade e degradação" na avaliação, indexando o (pouquísimo) reconhecimento profissional permitido aos docentes à "patifaria deontológica" pura e simples, por exemplo, na famigerada questão da classificação dos alunos do ensino público---senão, por arrasto, como recordo noutro ponto deste "Diário", de modo ao menos tendencial, de todos os alunos indiferenciadamente---utilizada como factor de valoração (!) substantiva (!!) do currículo do docente?!
Acha mesmo que "preocupar-se" (por outro exemplo) com as "aulas de substituição" é "chutar o princípio em bruto para a molhada" na (desculpe-me a expressão!) "badalhoca" forma de uma mera ideia genérica empurrada para ali sem um mínimo de planificação, de consistência teórica reconhecível e/ou de objectivo pedagógico-didáctico claramente identificável; sem um mísero minutinho "perdido" a debater a substância (?) técnica (??) daquilo tudo assim como a forma de implementá-lo no terreno com os professores e as escolas, assim tipo: "tomai-lá-disto-que-amanhã-não-há-e-assoem-se-vocês-na-coisa-que-muito-já-fiz-eu-em-ter-a-ideia"?...
(Ideia que, de resto, de nova já não tem nada: nova-nova é apenas a maneira desconjuntada e desaparufusada, inimaginavelmente avulsa, como foi agora à pressa "repescada"...)
Por amor de Deus!...
Acha mesmo que uma ideia (outra que nem sequer é nova!) como aquela de envolver directamente as autarquias no processo escolar mas no quadro de um plano de desinvestimento generalizado na Educação e na Cultura sem esquecer que está a acontecer de dramático com a questão do financiamento do Poder Local (queixa comum do mesmo, aliás!) é "preocupar-se" a sério com a Educação?!...
Oh, sr. dr.! Uma reforma consistente (coisa que nunca vi, aliás, existir em Portugal em trinta-e-não-sei-quantos anos de Educação democrática!...) não se pode "cortar ao meio" ou "às postas" dividindo-a "a gosto" em "coisas boas e más" na medida em que as coisas boas mal planeadas e mal implementadas ficam todas, integralmente, de uma ponta à outra, automaticamente, más! (Asim estilo: "a-operação-foi-um-êxito-tirando-o-doente-ter-morrido" e coisas do género...)
Não se pode conceber, por exemplo, a existência de uma "preocupação" (minimamente acreditável) "com os resultados académicos" quando, por outro lado, "faltam avaliações fiáveis e sustentadas" (e as palavras e as conclusões, note, são suas!) tal como não há (sei lá! Para usar um simile vulgar:) moedas e folhas de papel só com um lado, cubos sem arestas e triângulos de dois lados...
Se a realidade não funciona assim, meu Deus, por que 'carga d'água' hão de funcionar assim os que se dedicam a estudá-la e a torná-la supostamente inteligível?!...
Uma reforma não são as coisas avulsas que se pensam e decretam unilateralmente (perdoe-se-me a expressão!) "com os pés" (e a questão verdadeiramente explosiva da "avaliação" dos professores prova-o à saciedade!): uma reforma é um espírito global, um projecto estrutural (e estruturado!), um pensamento consistente e um programa não menos consistente---e participado, sr. dr. e participado!---de pô-lo em prática com a concorrência e a compreensão activa de todos os intervenientes.
É um acto ou conjunto de actos (uma acticidade) científica, não um gesto de (im/puro) poder e um acto de (absurda!) vontade uni- (ou se calhar, "tri-", adimito-o...) -pessoal---sobretudo quando o poder e a vontade são manifestamente maus.
Mas isso, sabe-o quem "lá" anda, no terreno...
É algo que se impõe naturalmente à reflexão técnica dos técnicos, algo que emerge da experiência ou da "experienciação significada" das vivências---das vivências organizadas em corpus teorético natural, digamos assim.
É precisamente porque a má política e a má cabeça do ministério permitiram que o âmbito especificamente teórico da matéria tutelar fosse continuamente devassado por quem quer que fosse chegando à mesa do "debate" "educativo" (outro "aspecto" e bem "negativo", oh, sr. dr.! Haja em vista, desde logo, o "exemplo" máximo daquela coisa verdadeiramente inimaginável que era a... "avaliação"---ou o "totobola"?...---do trabalho docente preenchido curricularmente pelos pais!...); é precisamente porque não soube conservar a discrição e a 'dignidade epistemológica' da matéria tutelar, dizia, que as coisas chegaram onde chegaram e previsivelmente vão chegar onde não é difícil prever que ainda cheguem...
Uma reforma educativa não é, com efeito, a "Quinta das Celebridades" nem o "Dança Comigo" onde a gente que não tem mais nada que fazer ao serão dá votos e "elege" a gosto concorrentes---nem os professores são concorrentes de um entretenimento bacoco qualquer que possam (que devam!) ficar reféns de índices de popularidade e manobrismos pseudo-democráticos de baixa política a eles condicionando todo o conteúdo específico da respectiva prática (e mesmo teórica...) profissional.
Resumindo a minha opinião sobre todas estas questões, eu diria, para concluir, parafraseando aquilo que alguém disse um dia com muita graça: "Sim, o trabalho "teórico" da ministra em aspectos cruciais da sua tutela incluindo o da seriação material dos docentes, tem indisputavelmente coisas boas e coisas novas; infelizmente, porém, nenhuma das boas é nova e nenhuma das novas é boa!..."
Um epitáfio e peras, ham!...
...No que espero seja, já agora, não o Novembro mas o Abril inevitável dos professores e, sobretudo, da Educação em Portugal...
Sem comentários:
Enviar um comentário