Ainda a questão da protecção aos direitos da criação intelectual e artística: é importante (contrariando, aliás, de modo assumido, o "argumentativamente correcto" circundante!) (procurar) ter o esclarecimento (e a coragem!) necessário(s) para (saber) distinguir claramente os aspectos meramente jurídicos, comerciais e até in/essencialmente corporativos do problema das componentes realmente culturais (ou seja: componentes de facto relevantes porque relevantemente fundamentais!) do mesmo.
É, com efeito, evidente que quem cria deve poder ver a sua criação legalmente protegida e defendida. A questão que eu ponho é: protegida como e, sobretudo, protegida de quê.
Se acreditarmos na sacralidade genérica da propriedade, o problema não se põe sequer, de facto: a propriedade---todas as formas de propriedade---são para conservar estrita (leia-se: religiosamente) privada que é como quem diz protegida... de todos menos um. Ou de todos menos dois.
Ou menos três.
Quatro, se calhar, já são de mais: o quarto já estará, com efeito, em princípio do outro lado, do lado puramente passivo ou inerte, da propriedade: do lado que dela apenas conhece os produtos.
E isto se tiver dinheiro para adquiri-los, entenda-se...
Privada, portanto, desde logo, de re/produzir-se fora do estr(e)ito controlo dos seus (e cito:) "legítimos" detentores.
II
A verdade, porém, é que essa é (a meu ver, pelo menos) uma questão, como digo, simples e in/essencialmente jurídica, comercial ou corporativa---não especificamente cultural.
Isto é: o mero assegurar que (também) a propriedade intelectual se encontra 'politicamente protegida' ("enclosed" numa... "enclosure" solidamente institucionalizada e rigorosamente "judicializada", ou seja, com um Direito próprio vigilante 'a toda a volta') não assegura por si só que a cultura a partir daí) permanece fecunda e, se assim me posso exprimir: desejavelmente saudável em toda a sua extensão.
Em toda a extensão do seu circuito ou do seu trânsito social.
III
Essa monstruosa máquina de banalização extensiva (e extensível) que é a televisão, por exemplo, fornece um óptimo-péssimo exemplo desta (tantas vezes sonegada e tantas vezes mi(s)tificada!) problemática envolvendo a defesa dos direitos de propriedade intelectual e artística.
Através da análise (mesmo muito sumária e apressada) da evidência da "despenalização" consistente do plagiato que é o franchising programático (uma das componentes essenciais da "cultura da televisionalidade" que corresponde, de facto, à "Idade Mídia no seu melhor...) percebemos como o assegurar que os criadores (mas, sobretudo, os investidores que evolucionam em seu redor...) recebem sempre "o seu" independentemente da qualidade do impacto cultu(r)al que as suas "criações" re/produzem na Cultura está muito longe de constituir garantia da tal fecundidade criativa que hoje muitos poucos parecem, de facto, interessados em garantir.
Está, por outras palavras, "a quilómetros" de revelar que a principal consideração (não hesito em voltar a dizer:) da esmagadora maioria dos defensores ostensivos daqueles direitos é a ideal saúde da Cultura.
Basta ver, por exemplo, como, com dinheiro, se pode legalmente comprar (e "traficá-la" em seguida, de forma não menos legal, sem a mínima hesitação ou rebuço e sem que quem-quer-que-seja se escandalize minimamente) a vulgaridade mais extrema onde quer que ela se encontre, passando, de seguida, a "servi-la" em doses industriais aos mesmíssimos "idiotas úteis" sempre disponíveis para ouvir (com o respeito e o assentimento que convêm!) as "piedosas" catilinárias prodigalizadas pelos apóstolos do juridicamente correcto "em defesa dos" artistas e do seu trabalho...
A televisão por cabo ou por satélite, com efeito, tornou o "hacking legal" uma prática não só insidiosamente corrente como (pior ainda!) modelar e, no limite (no pior dos limites!) desejável.
Ver um qualquer programa de "entertainment" na RAI ou na BBC torna, hoje-por-hoje, efectivamente, o (re!) vê-la na RTP objectivamente redundante---quando não, pura e simplesmente, nauseante devido à obsessiva reiteração.
Chega-se ao ponto de, valorizando o mimetismo (por imperativo contratual associado, imagino, à própria i/lógica des/estrutural do franchising), se escolherem fisionomias semelhantes para os diferentes apresentadores de modo a garantir que a mais leve suspeita de originalidade não logra vencer a solidíssima barreira do des/gosto tranquilizadoramente massificado e contaminar indesejavelmente a (dócil, "ideal", perfeita) imitação...
É a isto, volto a referir para concluir que eu chamo a "Idade Mídia" em todo o seu esplendor: o genocídio criativo universal como suporte material do próprio Direito.
[Imagens extraídas com vénia, respectivamente, de: ahnibitkk.blogspot.com, en.faldin.ru e markleslie.blogspot.com]
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