domingo, 2 de novembro de 2008

"Leiturando..."


Do meu cada vez mais "musculoso" arquivo de recortes (cujo---caótico!---volume total chega, com efeito, ao tecto das divisões da casa onde se vai, 'tant bien que mal', alojando, para compreensível horror de quantos me visitam---sem contar, claro, com os que cá moram...) extraio, hoje, uma página da revista "Notícias Sábado" de 02.02.08, uma "coisa" perfeitamente inútil e lustrosamente negligenciável que acompanha teimosamente, semana-a-semana o, por seu turno, cada vez mais escandalosamente situacionista "Diário de Notícias".

Refiro-me a um texto (uma reportagem ou lá como é que decidiram chamar "àquilo") feita junto da comunidade muçulmana de Lisboa onde a dado passo se escreve (e se inscreve) esta coisa verdadeiramente preocupante sobre a qual vale seguramente a pena reflectir---e muito (cito) :


"Na mesquita de Lisboa há, aliás, um intercâmbio usual de informações com as autoridades: o Serviço de Informações de Segurança (SIS), Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a PJ são alertados quando aparecem caras novas".


E mais adiante, para que dúvidas não subsistam:


"Até ver, não houve casos declarados de muçulmanos extremistas portugueses, mas se os houvesse, para o sheik David Munir, imã (autoridade espiritual) da Mesquita de Lisboa, "a obrigação dos muçulmanos seria denunciá-los"".


Ora, eu não sou (nem quero ser!) teólogo; pouco ou nada sei do Islão religioso mas francamente choca-me que aquilo que é obviamente a "contaminação" de um universo religioso, especificamente ético e teológico, pela política (pela política violenta, entenda-se: pelo terror instituído em arma de intervenção política) possa, afinal, achar uma forma particularmente ínvia e perversa de sucesso (ao menos, potencial) na institucionalização dissimulada (mas será mesmo dissimulada?!...) de um clima vicioso de suspeita e de denuncismo convertido (o sheik Munir saberá a partir de que directrizes ou ditames teológicos é que "fazer o trabalho da polícia" pode ser visto como fazendo parte do código moral do Islão mas enfim...) de forma preocupante em 'imperativo moral' desse mesmo Islão: "a obrigação dos muçulmanos"... etc. etc.

É preciso, volto a dizer, que percebamos todos claramente que, a confirmar-se o conteúdo da notícia do tal "Notícias" (e é difícil que assim não seja: não acredito sinceramente que o sheik tenha faltado à verdade) o terrorismo já começou a produzir camufladamente (perversísimos!) "frutos"...

É um terrorismo diáfano, inconcreto, não imediatamente mortal, feito, a princípio, de vagas suspeitas e acabando em potenciais "caçadas às bruxas" "infiltradas"?

É---mas não é, também, esse, de algum modo, o mais terrível, o mais insidioso, o mais pervasivo e o mais primário dos terrorismos, o pai ou a mãe potencial de todos os restantes?...

Vale, como digo, seguramente a pena pensar nisto...



[Na imagem do topo: a silhueta de Victor MacLaglen/Gypo Nolan do filme de John Ford, "The Informer", extraído, como se sabe, da obra homónima de Liam O'Flaherty]

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